sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Retorno

Já era em tempo.
O tempo.

Transcorrido por séculos,
vertido suave em clepsidras.
Enclausurado em ampulhetas
cadentes como a areia.

E as estrelas,
com seu foco distante.
Talvez brilhando por séculos
depois da paura e do óbito.

Um só detalhe, uma virada de página.
O tempo-pílula, o descaber calculado
de homens pretensiosos.

A cronofagia que devora a pele,
resseca os olhos e curva a coluna.
Os dentes rangem.

Aca
ixa
dep
and
ora
fec
had
apa
rao
mun
do.

Rochas e lástimas
no dobrar de mais uma praia.

Um raio que cruza o céu
rasga possante o horizonte.
Os olhos, estupefatos, rasgam também a retina.

E guarda-se na memória.
Tudo o que se deve guardar.
O dia de noite
Ontem todo dia
Presente de Deus
Presente do tempo
Presente do ausente
O fio de cabelo
A foto da praia
Urso de pelúcia
Desumanidades translúcidas concatenadas em nossos verbos.
(é impossível ver objetivamente)

Ele, tão pequeno. Um errático.
Oh, pobre. A vida circular.
A bater a cada instante tal coração.
Pulsando numa realidade elétrica das horas
marcadas cada dia menos reais e
cada dia mais opressivas.

O sorumbático descrente da esquina.
Macambúzio pela certeza do passar.
O passar, que já se passou, virou passado.
E foram-se também os tempos de júbilo.
Restou a carcaça.

O medo. Braços cruzados defronte ao corpo.
Os portões se fecham. Restamos nós, isolados.
Deixamo-nos sobrar nesse lado do mundo,
nesse lado das coisas já feitas.
Boas, ruins, completas, incompletas. Já estão feitas.
É a perda progressiva de um sonhar que jamais será reconquistado.
Um adeus a uma parte de nós.

Gotas de água que vertem de uma geleira.
Cachoreiras pequenas formam-se
ao passar dos dias.
Flores desabrocham.

Já era em tempo
de voltar.

Caio Mello
24/02/2012