quinta-feira, 13 de julho de 2017

Que nunca são ditas

Se pudesses falar abertamente
falarias, quem sabe,
sobre tua falta de fé
não aquela em Deus
(existe metafísica em ti)
mas na vida como presença.

Apontarias as falhas, os erros,
as ingratidões e as incompletudes.
Mas quero que entendas:
parte do que sou veio de ti
e outra parte sou eu mesmo.
(e ambos sabemos qual delas me define mais)

Aceitar-te-ei assim como me aceitaste.
Um farrapo em combustão,
esse brilho forte que borra o foco.

Fundo no fundo,
somos mais parecidos do que pensas.
És sonhador binário, eu, sonhador lálico.

Os olhos mudam o trajeto vivido.
(vivemos de miragens e oásis)
Passos depois, olho para trás e vejo
flores antes recônditas
perdidas na visão pueril.

Tens frutos e prole,
profundidades e levezas.
És presente aguerrido de tua própria existência.

Se palavras voassem com tal intensidade
eu poderia, então, dizer-te que
em um milhão de vidas,
e por tudo o que passamos,
eu viveria tudo de novo.

Caio Bio Mello
13/07/2017

Lar

O cume macio dos morros
por entre os caminhos da pele

NOR
TEA
DO

Corpovesso (qual deles é face e qual é verso?)
cinco dentes alvos e um douro
                        O manto gris preenche

A masmorra agora é outra
masviva multicolorida

Sentir-se pertencer é preenchimento
bicutaneidade

A brisa céu-veredando
            No horizonte o sol que irrompe
O supérsaro com suspiros flamejantes
Somos todos um só

O ar que preenche os pulmões é sereno
            na brisa da madrugada

A viagem foi longa
                        mas eis a areia
            para amaciar os pés

Caio Bio Mello
13/07/2017

Sufrágio

O homem permanece
                        estático
meditando
em meios às árvores
            enquanto o rio canta
                        e o sol banha a tarde de inverno

                        Eis que a cobra
            em seu ofício de ofídio
desliza rápida
                        salta
            e crava seus dentes
                                   na pele do homem
                        que, aos poucos, deixa de respirar
            a cobra enterra o corpo
                        e o cobre de folhagem
                                               para, então,
                                   tomar o posto do homem
                                                           e também meditar
                                                                       enquanto aguarda
                                               a próxima mordida
                                                           fatal e sorrateira
                                                                       de outro animal
                                                           na floresta.

 Caio Bio Mello
13/07/2017

Desfábulo

Metódico de aço
seus olhos fumegantes calculam e teorizam
os dedos nodosos já não se estendem mais
a mão permanece
o corpo continua.

O peito é alimentado por lenha
(ali não se vê um coração pulsante)
e de seus cabelos voam
pequenas nuvens de fumaça
que ocupam a sala
e abafam a respiração.

É tempo, é prazo,
o conta-gotas e tira-almas.
É o público em uma sala espremida
por detrás de um vidro espelhado.

Caio Bio Mello
12/07/2017