domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal


            A humanidade já existia dentro de Deus antes da criação do universo. Não foi um simples momento de inspiração que levou o Criador a bolar tudo o que nos cerca. O que há de busca, o que há de metafísico no homem é parte de Deus na Terra. Tudo o que Ele fez foi juntar as várias peças que viviam dentro dele, unir com o barro e soprar.
            Há uma parte de Deus que também é falha, uma parte imperfeita, uma parte que foi feita para ser incompleta. Há outras partes Nele que o fazem perfeito, mas aquela região foi de fato desenhada para ser incompleta. É essa carne de Deus que deu origem à humanidade. E nós viemos de dentro do Criador.
            Deus nos deu o sorriso, o abraço, as primeiras palavras de nossos filhos, a primeira grande queda da bicicleta, o chocolate, as saudades, os avós, o nascer do sol, o por do sol, a efemeridade dos momentos (leves como uma folha ao sabor do vento), o amor, o riso de pequenos, a alegria de viver.
E, acima de tudo, Ele nos deu a perseverança. Aquele desejo que nos acorda no meio da noite, que nos arremessa para frente, que une nossos nervos, que nos faz de aço, que nos revigora a cada dia que nasce, que enche o nosso peito, que engole nossas lágrimas. A vida é falha, não há como negar. Ela também é feita de tristezas. A perseverança é que nos faz passar dos limites, melhorar quem nós somos, lutar contra nossas incertezas.
Todos morreremos um dia. A terra nos é breve, muito breve. Então, o que desejamos deixar para trás? Um saco de lágrimas? Um amor descuidado? A saudade que devora nosso peito? Temos apenas uma chance para acertar, temos apenas um dia na história de nós mesmos para provarmos nosso valor. E esse valor é simples. Esse valor é feito de vários pequenos gestos que nos fazem maiores e melhores através do tempo.
Deixaremos as cores mais bonitas nos quadros mais belos que encontrarmos pelo nosso caminho. Deixaremos os cantos mais sonoros nas músicas mais harmoniosas que ouvirmos. Deixaremos o brilho nas estrelas porque somos feitos de estrelas. Deixaremos  gosto de tudo que pode ser palatável, sentiremos o sabor da terra bem cuidada, o sabor do sereno que molha nossos olhos logo cedo, o sabor do suor que nos varre o rosto e acaba por mergulhar em nossos lábios, o sabor da juventude que se perde a cada beijo, o sabor da experiência que se recebe a cada morte.
Somos e seremos. A centelha máxima de nossas almas, a fugacidade de um lampejo, o raiar de nossa vida. Buscaremos a virtude, o saber, o equilíbrio. Saberemos os nossos limites, conheceremos nossas falhas, admitiremos os nossos erros. Amaremos.
Teremos no amor uma certeza maior do que a própria carne. A metafísica negada pelo calculismo. Cairemos dentro de nós mesmos, sentiremos o frescor das lágrimas correndo por nossos rostos depois de nos abrirmos, não para o mundo, mas para nós mesmos. Vamos nos encontrar nus, caídos de joelhos frente àquilo que chamamos exatamente de “ser”. Ser nunca foi tão difícil.
Buscar em nós aquilo que se perde, aquilo que não mais se vê é complicado. Fácil é medir, calcular, balancear, comparar. Impossível é contemplar. Dissecar nossa própria existência. Sim, estamos vivos e respiramos.
E o surgir de cada nova manhã será uma explosão de novas cores ainda por serem descobertas pela pintura, será uma sinfonia perfeita de mil acordes concatenados, será o renascer de nós mesmos. E, enquanto morremos lentamente, estaremos cientes de nossa eternidade. Saberemos que nossos olhos não captam tudo aquilo que nosso coração sente. Entenderemos que nossa mente é limitada, sentiremos no fundo de nossas entranhas que isso não é o fim. De fato, nada tem fim. Os limites não são barreiras, são entendimentos obtusos.
A carne será mera carne. O corpo será mero corpo, a terra pode comê-lo, a terra pode devorá-lo, pode fazer de nós cada vez menos humanos. Mas não deixaremos de ser amor. Seremos o amor e o amor sereno, transcendental, ilimitado, brilhante, alegre, infinito e inquestionável. Não poderemos negar em nós mesmos a nossa imperfeição, o nosso incalculismo e estaremos em paz.
E, depois de brotar de dentro de Deus o homem, encontraremos dentro de nós o que nos é eterno. Atingiremos o entendimentos máximo de nós mesmos. A união, o suspiro, a loucura revisitada, a verdade a olho nu. Seremos os sentimentos cobrindo o corpo. Cresceremos de dentro para fora. E o fora será dentro e o dentro será fora. Brotará, de dentro do homem, o Deus.
Ele é só um menino.


Caio Mello
25/12/2011

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Bolinho de limão


João acordou de sobressalto. Abriu os olhos. Estava deitado no chão no meio da rua. Sim, devia ser o sonambulismo mais uma vez. Ele estava com frio. Uma garoa caía fina em seu corpo. Suas roupas estavam ligeiramente molhadas. Sentou-se, pensando no dia anterior. Balançou a cabeça, levantou-se do chão.
            Foi andando até o bar mais próximo, ia tomar um café para esfriar a cabeça. Na entrada do bar, João parou, estarrecido. Sentado solitário na primeira mesa à vista, havia um bolinho de limão tomando seu whisky 15 anos. Tinha cara de carrancudo. Coçava o queixo incessantemente com a mão direita.
            João não sabia o que fazer. Ficou sem reação.

Em mente vazia
A mentira cheia
verdade metade
não disse certeza
já disse que foi
não disse quem foi
quando a vida fora

            João piscou diversas vezes os olhos. Decidiu sentar-se com o bolinho de limão. Ao se aproximar, reparou que todos os indivíduos naquele local eram também bolinhos de limão. Ele não sabia o que falar. Todos agiam tão naturalmente que João não conseguia sequer duvidar do quão quotidiano parecia aquela situação. Mesmo assim, continuou decidido a sentar-se com o bolinho que tomava whisky.

Oi, posso sentá aqui?

            O bolinho olhou para ele com a cara de um veterano da Segunda Guerra Mundial.

Pode.

Então, esse uísque aí é dos bons?

É.

            João passou um certo tempo falando com o bolinho. Conversaram sobre a bolsa de valores, a alta do dólar, a crise do euro... O bar foi enchendo. Cada vez mais bolinhos povoavam o local. Até que uma hora João não resistiu e perguntou.

Cara, como você consegue falar? O que tá acontecendo nessa porra? Você é um bolinho de limão...

Eu sou o quê? Cê tá maluco, seu filho da puta? Eu tenho por acaso cara de bolinho de limão? Eu sou gente como você. Porra, cada pergunta que me fazem numa mesa de bar, viu... Espera um pouco... Eu... Sou diferente de você... Eu... EU SOU UM BOLINHO DE LIMÃO!!

            E, no exato momento em que o bolinho descobriu sua verdadeira existência, houve um barulho repentino e muito alto que assemelhava-se a um POP e o bolinho deixou de ter vida, passando a ser um bolinho de limão morto. Ou melhor, um bolinho de limão normal.
            Uma senhora bolinho de limão da mesa ao lado reparou que um sujeito acabara de morrer e gritou muito alto. A confusão começou a crescer no bar e muitos bolinhos começaram a se aglomerar sobre o corpo morto com gosto de limão.
            João aproveitou o momento para sair correndo do bar. Conforme andava pela rua, via mais e mais bolinhos de limão andando como se fossem pessoas, agindo como se fossem pessoas... Ele estava atordoado. Até que um bolinho de limão encapuzado jogou-o contra a parede.

Maluco, passaê a grana que eu to mandando! Senão eu te enfio a faca e arranco teus intestinos!

Cara, como você pode querer me roubar? Você é um bolinho de limão!

Eu sou o quê??

            O ladrão deixou a faca cair no chão. Caiu de joelhos, tremendo. Em pouco minutos, tinha se transformado num bolinho de limão. João estava com fome, agarrou o bolinho e comeu-o com vontade. Estava muito gostoso.

To preso no mundo
num mundo não mundo
to preso num forno
assando bolinhos
não é de verdade
nem é de mentira
preciso fugir
procurar pessoas
alguém que me entenda...

            Por três dias e três noite João foi vagando pela cidade, sempre contando a verdade para alguns bolinhos para roubar-lhes o dinheiro e comprar comida. Era o crime perfeito: bastavam algumas palavras e ele já tinha um assassinato feito, sem ter que sujar suas mãos de sangue, nem mesmo de fermento. Passou um tempo refletindo sobre  que deveria fazer... Ficou odiando os bolinhos por muito tempo por se passarem por pessoas sem nunca entender que realmente eram bolinhos. E o que teria acontecido com as outras pessoas? Se os bolinhos dominavam o mundo, o mundo deixara de existir?
            E como ganhar a vida? Como arranjar uma namorada se todos agora eram bolinhos de limão? A única habilidade que ele tinha era saber da verdade... E como ele poderia usar aquilo em seu próprio proveito?

João teve uma ideia.

            Se ele conseguisse dizer para uma quantidade muito grande de bolinhos ( por exemplo uma cidade inteira) que todos eles eram apenas bolinhos, todos morreriam ao mesmo tempo. Ele, então, teria muita comida porque teria muitos bolinhos para comer e teria um atentado terrorista perfeito: melhor que antrax, melhor que o atentado às torres gêmeas, melhor que o cavalo de Tróia. Então, poderia levar para os grandes governos do mundo sua ameaça de matar mais bolinhos em troca de controle político e econômico. Claro, tudo isso supondo que o mundo inteiro era feito de bolinhos de limão, o que já não parecia uma ideia absurda àquela altura.
            João decidiu colocar seu plano em prática. Havia uma grande empresa de rádio-televisão que passava um noticiário todo dia às dezenove horas. Era um programa muito popular, passava nas tevês e tocava nas rádios da grande maioria das famílias-bolinhos daquela cidade.
            João chegou em frente ao prédio da emissora. Contou para o segurança da entrada que ele era um bolinho. Logo morreu. Contou para a recepcionista que era um bolinho. Logo morreu. Contou para o ascensorista que ele era um bolinho. Logo morreu. Fez uma pausa para comer o bolinho ex-ascensorista. Entrou no set de filmagem do telejornal. Berrou VOCÊS SÃO BOLINHOS DE LIMÃO, NÃO PESSOAS! Todos os bolinhos caíram atordoados no chão.
            A maioria deles já havia morrido... O programa começaria em dez minutos. João vestiu terno e gravata. Pigarreou. Esse seria seu primeiro programa de televisão na vida inteira. Pena que tinha de ser desse jeito. 
            O bolinho-Jorge, diretor de produção do telejornal, ainda não havia morrido. Estava no chão, lutando contra a sua consciência.

Eu sou um bolinho de limão, eu sou um bolinho de limão... Isso não pode estar certo. Eu sou um bolinho de limão. Bolinhos de limão não podem estar vivos. Aquele homem parece realmente um homem. Sou muito diferente dele. Se não sou igual a ele, não sou um homem. Se não sou um homem, sou algo diferente... Se ele é um homem, deve conhecer a realidade, deve saber o que é certo e o que é errado. Se ele é um homem, eu não sou um homem e ele sabe o que é certo e o que é errado, isso quer dizer que a afirmação está correta: eu sou um bolinho de limão. E bolinhos de limão não têm vida, portanto... Não, calma.

Raios intergalácticos
de dimensões paralelas
homens nus
carregando sacas de carvão
pássaros vermelhos cruzam
o fim de tarde

Calma, calma. Isso não pode ser tudo, eu estou limitando demais a minha visão Se eu fosse apenas um bolinho de limão, desde o princípio eu não poderia ter qualquer forma de pensamento... Nossa, sinto minhas entranhas mexerem-se junto com a farinha que me fez... Se eu tive qualquer forma de consciência, quer dizer que não estou no mundo da consciência. Se eu estivesse, não teria vida jamais. Se eu sou realmente um bolinho de limão e tenho vida, isso quer dizer que minha existência depende plenamente de um sonho. Se isso é um sonho, a vida não é real. Se a vida não é real, não posso basear meu raciocínio em qualquer concatenamento habitual de fatos. Tudo aqui é flexível e qualquer resposta pode ser aceita!

Nesse exato momento, o bolinho de limão parou de sofrer. Primeiro, tranformou-se em um bolinho de arroz. Finalmente, tranformou-se no deus Shiva. O deus-Shiva-Jorge-ex-bolinho-de-limão-ex-bolinho-de-arroz levantou-se, desligou o sistema de transmissão ao vivo e parou em frente a João.
João ficou ainda mais chocado ao ver Shiva diante de si.

João, eu era um bolinho de limão. Mas agora eu sou Shiva. Já fui até um bolinho de arroz.

Mas Shiva também não existe, isso quer dizer que você vai morrer de qualquer jeito.

Muito pelo contrário: se eu existo, e se eu ainda existo, isso quer dizer que estamos num sonho. E, se estamos sonhando, o único que não existe mesmo aqui é você...

Eu o quê?

            Nisso, João soltou um grito horrível de pavor e caiu morto no chão.

Caio Mello
14/12/2011

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

The story must be told


A man cloistered in his own pain.
His eyes in dreadful fear.
His thoughts in dark clouds.
Behold the symphony of death.

A subhuman being
devoted to shattered dreams.
His blood running through his veins
(but also through the walls).

It was all in vain.
The vanity circus in sheer winter.
The marvelous show of life
crunching existence with its teeth.

The needle eats the flesh
in a tender gulp of laugh.
Tears mixed up with blood
roll down and keep dripping.

His soul is made of sorrow.
His sorrow is made of sand.
The sand is made of past.
The past no longer lives.

He is a bunch of parts all tight together
to form what should be,
but still… He couldn`t make it.
He is a flaw.

As fallible  as life. Flawful.
As a jug full of air.
His lungs have webs.
And his breath smells like putrefied flesh.

He is a dusk.
An immortal dusk.
The imperative day`s end
which never comes and never rests.

Or maybe… He is the dawn.
Dawn of a dark day.
Dawn of the eternal night
which will come in a close future to overcome life.

Behold the symphony of death.
And we all shall be afraid.
We shall have no choice
and we shall suffer.

The night will crawl through the valleys,
will enter our homes,
will eat our children
and spit our flesh.

Everything must have an end.
The sun will end. The moon will crush.
The son will end also.
We won`t be able to breed anymore.

And death will give birth
to a single child
blind, deaf, and hungry.
And the kid will rule the world.

Held by its father`s hand,
the kid will hunt us down.
And the father…
The father is only made by stories.

The father is told in our poems
is sung in our songs
is portrayed in our portraits.

He lives in silence. In our nightmares.
Only through stories can he be seen.
And no man on earth has the guts to admit it:
we are doomed. Since the moment
we spoke our very first word.

We are doomed.

Caio Mello
09/12/2011

Soluço

Assim, não, dá, soluço, é, tenso, . , .

Verde


Sento-me no chão
Tacos de madeira
O piso gelado
As pernas cruzadas
As velas se mexem
O fogo se acende
Os olhos se fecham
As vistas se perdem
Sem luzes acesas
Sem ver
sos completos
Sozinho me perco
E já me encontrei
Os sonhos se vão
Os homens se vão
A vida se volta
(vida: favor, volta)
Eu já me perdi
Compl
eto de novo
Perdido na tinta
Refém do sussurro
Enlace de ronco
Homem do silêncio

Homem do silêncio

Homem do






Os olhos se voltam
As vistas se ganham
Fôlego retorna
Violinos tocando
Areia deserto
Areia verão
Os olhos verão
O calor verão
Crianças verão
Já os ve
lhos não
Os velhos se calam
Peixes se aproximam
Têm dentes pontudos
Os pares de guelras
Serão todos ímpares
Medo de engolir
De ser engolido
De ser engolido
De ser engoli

Caio Mello
09/12/2011

Corpo


Deito-me de olhos abertos:
a noite dia manhã.
E, do silêncio do asfalto,
arranco versos sangrentos
que me riscam a parede
que me segredam tristezas

E que me enchem com a facilidade da vida
aquilo que me faltou aos ouvidos ouvir.
E ouço com o prazer
de um pequeno ao ver o mar e ouvir as ondas pela primeira vez.

Segredo-me, enfim, no enlaço da escuridão
com os pulmões famintos por poesia.
A putrezia, a melancolia, a nãosserzia...

E minha alma já pedia há séculos
só que meus músculos falharam
por então mais uma outra vez.

Os meus castelos aos montes que os tenho
são guardados entre cada costela.
Sou eu. Sou eu. Com certeza, não ela.
Eu crepito meus ossos como lenho.

No ardor da glória, eu sou a derrota.
Na batalha sem trégua, sou o fim.
Na vida dos seres fora de mim.
No pó velejar de mais uma frota.

Em minhas ranhuras eu vejo estrelas
que se gabam por serem infinitas.
Benditas as estrelas são, benditas!

Fico no meu quarto tentando vê-las.
Vejo. Sou. Não é. Deveria ser.
Que se tem na vida para viver.

Viver. Vir. Dar. Sociovidar.
A busca quotidiana que vejo em cima de minha pia.
E meus braços não me pedem mais nada.

Que segredem meus segredos
que se morram os meus medos
que quebrem-se os dedos
(tristes arremedos)
pela falta de escárnio e estúrdio

O rancor tedioso!
O tédio o tédio o ódio
as válvulas pneumáticas de mais um carro.

E as cores mil
que me saltam aos olhos enquanto lacrimejo.
Sinto, aos meus pés, o chão levitar.
As velas queimam o fogo que faz meu quarto brilhar.

Agora sim,
as cortinas se abrem.

Caio Mello
09/12/2011



sábado, 3 de dezembro de 2011

Estilhaços


Diversos homens diferentes.
Um milhão de pessoas.
Aquele que canta. Aquele que fala. Aquele que apresenta.
Aquele que escreve. Aquele que trabalha. Aquele que estuda.

Aquele preso a tudo e a todos.
Sempre incalculável.
Domando a si mesmo,
prendendo-se a um sofá.

Como se a limitação do homem
fosse sua própria ambição.
Seu desejo louco de ser tudo
e de ser ao mesmo tempo.

A vontade ilimitada
de dominar o mundo.
Os sonhos. Os sonhos.
E pretere-se a realidade.

A regressão ao início.
Tudo se perdeu, ficou pior.
Tudo foi esvanecendo
e o que sobrou foi a dor no estômago.

As palavras... limitaram-se.
Perderam sentido.
Tornaram-se fracas
como há muito não o eram.

[Os meus olhos se fecham.
Sinto a solidão escorrer de meu ouvido.
Sinto alguma coisa em mim
que já me deixa fraco.
Ao menos, sou]

A hora de ver
o homem suar
o dia vingar
a noite sair
assim pela rua
buscando no vento
no ar, quem diria,
vontade que diga
estamos de pé
o que já passou
passado passou
vivemos o hoje
o dia de novo
a noite que raia
a foice de raiva
falácia da vida
e nos encontramos diversos.

Ignotos, quem o diria?
As goteiras multiplicam-se.
É muita água.
Mas há apenas um balde na sala sem chave.

Não sei mais sorrir
não sei mais matar
mas nunca matei
e sempre sorri.
Em mim, aquele desejo intrínseco de seguir em frente. Talvez um desejo. Talvez uma risada, quem há de saber?

quem sabe?
E o simples eu, pedaço de algo bem mais desmontado,
sai catando seus cacos embaixo da pia como copo de vidro
que espatifa no chão e seus intestinos se perdem. 

As cores. Em sua ausência eu sou a cor.
Eu sou o sol, o mar, o céu, o pijama,
o sangue, a luz, o inferno.
E assim sou cor também.

Perdido, os olhos se fecham.
Perdido
Perdi
do perdi
do pe
rdido erpedio
perperdoidio dói
perdão.

Caio Mello
03/12/2011