domingo, 28 de novembro de 2010

Ela sorri

Ela ali no palco, sob o jorro forte de uma luz frígida. Distante está, arremessada em seu momento estético de loucura reconstrutiva. No chão, são meras tábuas de madeira. Um sentimento de fragilidade paira no ar como se estivesse sustentado por fios descidos do teto. Já as nuvens, estas descem mesmo do teto. Nuvens grandes, gordas, de pompa e proa. Tudo bem construído como uma cápsula sólida guardando a loucura da vida num frasco de vidro. Vários olhos cintilam no escuro. Alguns por desinteresse, outros por curiosidade, outros por deleite e mais alguns por admiração.

Movimento.
A estética crua racha-se em concatenamentos
palavras voam por entre as cadeiras,
vontades deslumbrantes desnudam-se perante
suspiros impressionados.

A vida passa com seu grito rouco
e seu escárnio desvairado,
imperando sobre o recinto.

O trem de outros séculos cruza o céu
num repente fantasmagórico,
fazendo eriçar os pelos.

São Paulo vive de novo,
grito antigo de seu povo.
Brilha com seus verbos-som
em seu retumbante tom.

Filhos, filhas, abelhas, café. Homenfé, homecafé e campos e mais campos de infinita lavoura. O dinheiro antigo rebouça na Bolsa e despenca em lágrimas. Homens já feitos criançam pelas ruas suas misérias numa falta de vontade. E nossa menina ali no meio, com olhos grandes que parecem engolir o mundo. O mundo, que fundo, que absurdo absorto em sua própria micoexistência espelhal. Palavram-se momentos já treinados por diversas vezes, como se o papel escrevesse a si mesmo, erguendo seu gordo mundo.

Jogos de luzes cruzam a sala.
Sentados, os quietos escutam.
Riem por algumas vezes,
outras refletem sobre se era normal ser assim.

E esse é o intuito da menina. Em seus brados agressivos com gestos suaves, mescla a si mesma num universo paralelo. Sim, ainda é ela mesma, com seu mesmo sorriso sereno, mas é outra também, como um todo dentro de outro. Como algodão dentro de um urso de pelúcia.

Crescer
cresce o mundo
este, por acaso, morinbundo
como se da vida fosse só o fundo.

Pois agora o mundo outro era.
Era mais belo, besta-fera.
Com risos e bocas de outra era.
Como um sonho louco que sonhar se espera.

Aos poucos, faz-se uma rede densa de vontades inexoráveis. O tempo passa rápido. Versos desregrados e perdidos de um fragilismo que não nos pertence. A madeira do chão é grama, cor, asfalto, riacho de lágrimas, morro de vontade, campa lúgubre de sepultados, leito de neve brasileira.

Repentinamente,
uma enchurrada de palavras.
Verbos
doces
sins nãos
desvairios cabíveis
negações.

No fim, todos quase já sufocados pelo clima consuminte, despedem-se de seus preceitos e decidem aceitar. (Os que não aceitam não entendem). Palmas, cantos, barulhos frenéticos formam um tom de lá maior para um fim certo de noite. Aos poucos, a realidade infiltra-se novamente nas mentes descabidas que não souberam vedar bem os hiatos. Tudo pronto para ser de novo.

E a menina, singela, é ela a menina de novo.
E sorri.

Caio Mello
28/11/2010


Este poema também tem uma parte concreta que não saiu certo no blog. Qualquer coisa, me peçam o arquivo.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Camara

Fecha as estrelas
fecha o ato
fechamos nós
e fecham vocês.

Vem, junta mais pra cá
que a gente é parte do mesmo grito rouco
dessa vontade de dar mais risada.

Sim, o riso-bom, riso-suave de gente boa.
Cor das estrelas nesse verde-céu
no mar do teu sabor, meu bem.

Riso vontade de gente que se sente
sempre, sempre mais.
Ô, menina.
Levanta daí duma vez.

É a verdade dos nós de nós mentiras
verdades vedadas por tu
você mesmo que foi pra lá.

E, se já sabe, cê sabe.
Se eu tivesse mais areia ia ser mais fácil,
mas assinzinho tá ficando difícil
de te mostrar as coisas.

Passo vontade, ô se passo.
Me perco de novo e de novo.
É uma bagunça, é desigual.
Não dá mais, eu juro que não dá, poxa.

Começa a doer depois de um tempinho, sabe?
A gente vai dançando, fazendo de quem não se importa,
fazendo versinhos fáceis pra esse espetáculo que ri
e o povo vai achando mesmo que não tem nada de errado.

Mas tem. Eu juro que tem.
Vai ficando tudo meio que apertado.
Ainda tá colorido, eu sei.
Mas a cor agora é diferente.

Mas que que eu posso fazer?
Nasci sendo um louco perdido
que sabe imitar muito bem o teatro da vida.
E o riso rouco é nós.

Caio Mello
25/11/2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Anfiurbe

A névoa negra
espalhou-se pela rua.
Engoliu as casas, engoliu os homens.

Sobrou a um canto
um punhado de vontades empoeiradas,
de versos não cantados, de vontades reprimidas.

E a Noite seguia rumo
em seu estertor
que se fazia possante, roncava, ribombava,
explodia em fúria e reinava novamente.

E o Sol sempre tropeçava em algum degrau da escada
e não conseguia chegar a tempo:
rompia mais uma vez a Noite.

Não estava frio. Era frio.
Era sempre frio e mais frio, um frio sem fim
que gelava a alma dos poucos que corajavam sair de suas covas.
O verso cálido de quem tem medo de cantar.

E o silêncio invadia a cidade com suas águas de veneno.
Um cão tinha seus olhos vidrados em uma tevê de cores vivas
que passava imagens de decrépitos e pálidos jornalistas.
Notícias eram risadas irônicas naqueles tempos.

Tudo tremia silenciosamente por dentro.
Chacoalhavam as coisas de leve, repentiamente sós.
Os detalhes pareciam querer ruir a qualquer instante,
desabando sobre o marasmo estuporador.

Os homens andavam febris.
As crianças andavam cabisbaixas.
Os velhos não morriam para não terem que viver.

Um véu de incapacidade cobria os ânimos.
O mundo parecia não fazer mais sentido.
Era uma grande multidão de homens sós.

Sozinhos, isolavam-se cada qual em seu canto.
Jogados a um canto como o punhado de vontades empoeiradas.
Em nenhum canto havia canto de alegria.

Ninguém mais cantava.
Cantar doía o coração.
O teatro da vida havia desencarnado suas vontades,
liberando os medos mais profundos
das coragens libertas.

Todos tentaram.
Haviam tentado diversas vezes,
haviam até reinterpretado a vida em seu sentido mais amplo,
haviam buscado novas certezas.

Mas a verdade avassaladora voltou a subjugar os ânimos.
Contra a verdade não havia contra-argumentos.
A realidade era aquela, contra a qual não havia luta.
Tudo o que sobrava dos tempos bons era um suspiro.

E pesadelos.
Muitos pesadelos sobravam nas mentes inertes,
vontades reprimidas de passados distantes,
de vontades já perdidas.

Os fantasmas não eram assombrações.
Eram o próprio homem.
O indivíduo não sonhava mais,
sofria com o seu querer desprovido de concretização.

Chorar também já não surtia efeito.
A vida, em outras terras, fazia sentido.
Mas ali não. Ali vivia-se de sonhos.
E os sonhos eram pesadelos.

E, sobre tudo isso,
junto a nuvens cinzas,
vivia um par de olhos
a tentar entender o que dera errado
em tão curta vida.

Caio Mello
22/11/2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Texto-mote Peruada 2010

Hoje tem festa? Tem! Tem festa no centro da cidade!
Não importa tempo nem idade. Não importa nem ter capacidade,
É só estar ao lado ou ser casado com político cassado para ter festa.
E como vai ser? Quem vai ir? Vai todo mundo, vamos rir
Basta ter banda para abrir e ganhar vaga como deputado.
E o peru vai glu glu glu ser eleito sem porte nem feito.
Ninguém se importa em limpar a ficha. Ficha só para rixa no baralho.
Porque, no Brasil, decidir dá trabalho. E o supremíssimo tribunal federalinho
Vai brincando seu caminho, nem foi dez nem foi onze, foi ninguém e nos elegemos também.
E os governantes da nação esquecem o decoro, mas lembram o jargão:
É a onda verde invandindo o Morrão! É o povo-patrão, somos todos a nação!
E a corrupção? Que nada, em tempos de eleição, o negócio é votos na mão!
Vive todo mundo no fica-não-fica brincando de morar em cidade rica.
Será que isso irrita? De bonzinho fazer fita?
O povo se irrita! O povo fica tiririca! Mas pior do que está não fica!
Mas aqui ninguém fica chateado. O Brasil está grande, bem cotado.
Dá até para fazer graça, ser palhaço.
Porque
Pro meu peru ser deputado tem que ser palhaço ou condenado

Caio Mello
Peruada 2010

O tempo

O tempo
um tanto lento
depois que tanto tento
o tempo.

O tempo,
tão distante
enquanto aqui sento
(o tempo).

O tempo
e seu rebento
o vagar lerdo e cego
do tempo.

O tempo
escorre duro
enquanto me demento
por tempo.

O tempo,
tempo demais
dá até para escrever
versos a mais
sobre o tempo
de tempos atrás.

Caio Mello
17/11/2010