domingo, 30 de agosto de 2015

Fluir

Estende-se o corpo 
Inerte e gelado 
A primeira morte
Suspira seus poros 

Alcança a vida segunda
Ao atravessar o lago
Aberta a flor da pessoa 
Liberta da turvidão

Refalecimento
A segunda morte
Deitada no frio 
Mais algumas lágrimas 

Depois das pedras, interexistência 
Quando se cruza a ponte de madeira 
Uma ponta aberta à outra se beira 
Infinito ser de eterna fluência.

Caio Bio Mello
30/08/2015

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Morcego de queratina

O corpo
se refestela no asfalto.
A esquina é ruidosa,
mas ele, calado.

Intramuros, 
risadas e luz.
Ali, gris e rouquidão. 

[o liviopaquiderme 
cambaleante desliza
pelas vias,
mas somos 
brancotônicos
(por opção?)]

Um desamontoado
de nada - famélico
e desfamiliarizado.

Qual gesto se faça,
a se recuperar a lucidez 
porque já não se pode definir 
se a origem da insensatez 
vem dos maltrapilhos 
ou dos eutrapilhos
(há futuro na ganância?)

Eis que a possibilidade 
emerge de um desate de vista, 
sem que se aturdam 
os transeuntes. 

Debaixo das camadas
de sujeira, suor e mijo,
metamorfoseia-se
o solitário. 

Arreganha os dentes,
perscrutantes e libertos
que se afilam e alongam. 

Emerge o morcego,
indivíduo recém-criado 
da sopa primordial 
de mágoas de alguém.
Voa, ainda aturdido 
pela nova fisionomia. 

De suas antigas pernas 
(aquelas que o carregaram 
por toda sua vida 
com respeitável primazia)
brotam baratas. 
Muitas. Baratas. 
Debandam como
a correnteza forte do Amazonas.
Todas correm velozes ao
bueiro mais próximo.
Estão vivas, nos 
intestinos metropolitanos,
pois a rua nunca regurgita 
suas sobras. 

O morcego? 
Está livre. Para sempre. 

26/08/2015



segunda-feira, 24 de agosto de 2015

sábado, 22 de agosto de 2015

O tempo

O tempo,
necrófago famélico,
impiedoso genitor. 

Assassino de todos 
os Capuletos e todos os Montecchios,
do primeiro ao último papa,
de Kennedy a Gandhi. 

Avarento usurário - limitador de possibilidades,
cobra sem dar, pede sem volta. 
Inconsequente e inarredável. 

O tempo egoísta: seca as horas aprazíveis 
e dilui os segundos torturantes. 
Boja os crescentes e verga os minguantes. 

Saco de eternos arrependimentos,
contraditório concessor de vida. 
Cleptândrico, sedento possuidor. 

Rei das memórias,
na cadência dos batimentos que não mais retornam.

Caudaloso rio de margens invisíveis.
A correnteza que nunca retorna e 
que jamais deságua. 

O maestro de todos as eras,
presente pela mensurabilidade,
mas inefável em sua vivência. 

É o fantasma da existência,
o fardo de todo ser vivo 
e deus menos nobre. 

O tempo, porém, indispensável 
para que tenhamos a paúra do desperdício,
para que busquemos inevitavelmente o melhor de nós
porque cientes de que jamais voltaremos a ser 
aquilo que fomos hoje. 

O tempo, então, como severo doutrinador
da felicidade. 

Caio Bio Mello
22/08/2015

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Cucaracha

As baratas 
elas sobem
podes ouvir? 
sinto as patas - das baratas 
um bater seco e cadente
cada barata passando 
batendo comendo vivendo 
correndo muitas - feito cascata
cada barata
as antenas perscrutando 
olhos espelhados
não morrem nunca - guerreiras natas
elas não têm pudores 
reviram o lixo
deglutem merda 
botam ovos na sarjeta
sobreviventes - vira-latas 
essas baratas
quando eu morrer
(só ficam meus versos)
as baratas vão me devorar
vão fazer ninho no meu sorriso
que falta de respeito 
quão ingratas 
são as baratas!

Caio Bio Mello
21/08/2015

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Cauteriza

Animado o verso
(Destemido)
Ao revés do homem 
(Perverso)
Caudaloso pensamento 
(Figment)
Em pedaços mil 
a carne da gente que se faqueia
(Estéril)
Laqueagaia - polímeros cauterizantes
(Fera)
Do cadáver brota uma estrofe 

Caio Bio Mello
19/08/2015

sábado, 15 de agosto de 2015

Por que não durmo (ou O Soneto Noturno)

Começo a achar que eu vi um movimento...
Será real? Ou só coisa que penso?
Não sei, mas eu começo a ficar tenso. 
Sei que vi, nem que for por um momento!

No escuro, tudo fica tão imenso.
Já em outra coisa pensar eu tento,
mas o olho não deixa de ser atento 
a ver a loucura à qual é propenso. 

Eu vi. Eu vi. Tenho toda certeza.
Algo escuro, no canto do meu quarto,
se mexia com bizarro vagar. 

De primeira, correndo quase parto...
Mas depois eu começo a reparar
que ali vejo a morte em sua pureza. 

Caio Bio Mello
14/08/2015

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Canção de ninar flamejante

Querida estrela,
Preciso que brilhe 
Com uma intensidade jamais vista
Para que eu possa encará-la
E deixar que meus olhos 
Ardam em chamas 
Até que eu fique cego 
De tanto ver. 

03/08/2015
Caio Bio Mello

Trigésima quinta canção de dormir

Morei na jangada 
As nuvens atravessando
Na minha jornada

03/08/2015
Caio Bio Mello