segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Mapas

Fomos viver nossa tão curta vida
E acabamos errando nossa saída.
Nós perdemos a trilha feita antes,
Andando até lugares bem distantes.

E fomos parar num de sonhos canto
Perdidos não sabíamos o quanto.
Foi numa falha desapercebida
Que nós erramos caminho na ida.

Vontade de andar na antiga linha
No começo era só o que nos vinha.
Mas, devagar, foi crescendo no peito...

Uma sensação de simples beleza
E da qual acabei tendo certeza:
Nosso sonho foi nosso maior feito.

Caio Mello
30/01/2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Reconhecimento

Ô, poesia.
Sou grato a ti, meu amor.
Você me atura já tanto tempo.

Quando eu chorava versos ruins,
quando eu juntava letras de um jeito infantil e estúpido,
você ainda gostava de mim.

Eu passava o dia fora, deixava você em casa sozinha,
esquecia de te mandar um alô pelo menos
no meio da tarde.

E quando eu chegava de noite em casa,
você não dizia nada, sorria um olhar tenro
e me enchia de amor mais uma vez.

Eu queria te pedir desculpas.
Fui estúpido em muitos momentos.
Te deixei, te perdi, te ignorei, te troquei.

Você podia ter ido embora.
Acredita, muita gente foi.
Mas você ficou.

Eu, ali, perdido, fraco.
Tremendo nos seus braços.
Você só me olhava, tranquila. Esperando eu falar.

E eu falava.
Urrava, soltava versos sem sentido,
montava mundos paralelos tão fortes quanto papel molhado.

Criava personagens descoesas,
fazia elas sofrerem.
Matei muita gente, eu admito.

E, mesmo assim, você não dizia nada.
Ficava só esperando mais uma noite,
pra ver se na próxima eu vinha mais tranquilo.

Mas, também, quando eu vinha tranquilo
eu sei que você adorava.
Quanta coisa já sonhamos juntos.

Me lembro bem da sua risada.
Você ria das minhas histórias mais bonitas,
gostava dos meus heróis, cheios de erro e vontade.

A gente montou já muita coisa junto.
As estrelas nos devem muito.
E eu nem menciono a Lua, ela me deve muito mais.

Eu só... Eu só queria te agradecer.
Já usei tantas palavras
pra falar tanta coisa nessa vida.

Mas eu nunca usei todas essas letras
pra te falar obrigado.
(como eu nunca tinha pensado nisso antes?)

Então, menina, obrigado.
Obrigado
por tudo.

Eu jamais teria sido o mesmo
sem você por perto.
Talvez eu fosse bom, até.

Mas seria diferente.
Eu não teria tantos sonhos.
As minhas criações teriam morrido há muito tempo.

Elas teriam morrido lá em dois mil e dois,
ou talvez até muito antes.
E o meu mundo seria de pedra.

Eu não conseguiria montar enredos
antes de dormir
pra conseguir pegar no sono.

Eu não conseguiria
passar minha mensagem
de um jeito tão simples.

Eu não conseguiria
fazer as pessoas
chorarem.

E hoje eu posso.
E foi muito da tua paciência
que me deu essa liberdade.

Hoje sou, com certeza, livre.
E eu sei que devo isso
a você.

Boa noite,
minha amiga.
Amanhã sonharemos de novo.

Caio Mello
25/01/2011

Dedico essa poema à Poesia

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Enigma

Sou tua pergunta.
A questão a te devorar por dentro,
que te corrói a carne desde cedo.

Indagação profanadora
de corpos.
Ilogismo descabido no mundo dos olhos.

Um perfume maravilhoso
de mil cheiros
que te lembram meras vontades.

A equação complexa
que tenta solucionar a incógnita
sem nunca te dar a resposta.

O grito em teu ouvido
que te berra teu desdesejo
e te inclui nas loucuras fragáveis.

Sou o teu ponto de início.
Sou a única certeza que tens: o benefício da dúvida.
Sou tua chegada, em meio aos tijolos laranjas.

O desejo de ter fome no café da manhã.
A falsa decisão de não ter medo.
O medo de não ter a falsa decisão.

E tu és a minha resposta.

Caio Mello
20/01/2011

Ut

Em teu corpo pouco
cabem tantas falhas.
Nessa carne fraca
cabem tantos erros.

Tantos silêncios recônditos
que guardas
com pudor
para que nunca lhes bata no rosto a luz do sol.

Segues com as tuas falhas
pela rua ignota
sendo tu só mais um
no mar das coisas infortúnias.

E o sadismo das coisas segue rumo.
Esse bem-querer mal-querido
que se deseja mesmo sem vontade.
(ódio latente de quem sente falta)

Sentes falta mesmo sem ter tido
e não choras porque não há motivo.
És um estado entre
o que deixaste de ser e o que querias ter sido.

Mas, agora, continuas sendo.
Esse rascunho mal feito
de um traço que Deus riscou
sem mesmo o desejar.

Dançando, pulando, rindo
imaginando que a vida não é isso.
És a contradição da derrota,
a falta de desejos e a falta de conquistas.

As tuas noites são povoadas por pesadelos.
Tens nas mãos um não-se-sabe-o-que
de certezas que povoam teus sonhos.
O que sonhas é perturbado.

Em teus sonhos as coisas são
e deixam de ser
num dilúvio paradoxal
de um ser desconexo.

És um erro, enfim.
Descontinuidade que segue rumo
tentando fingir que é normal.
Mas sabes que nunca será.

E aqueles olhos te devoram.
Destróem tudo que fizeste de bom para ti.
Olhos gigantescos da cor da noite,
que se calam e te proíbem.

Nem teus olhos servem de muito.
Não vês direito,
enxergas com dificuldade
o embaçado da vida.

Sentes frio.
Usas cobertores, derretes no calor,
mas ainda sentes frio.
E, por dentro, tremes o dia inteiro.

Teus ossos batem uns contra os outros
tilintando a tristeza que devora a tua alma.
Não consegues parar de ver teu próprio reflexo
e sofrer, horrorizado.

Os dias não têm mais fim.
Nem mesmo as palavras
têm mais plasticidade o suficiente
para conseguir definir tua descoesão.

És.
Um simples estado inútil e inerte
que se choca
com teu medo.

E não podes crer no que o mundo lhe diz.
Não podes se conter no teatro da vida,
nessa densa ironia de uma teia tecida
pelo acaso quotidiano.

E, de tudo isso,
o que mais te incomoda,
o que mais te machuca nas noites sem fim
é a solidão que não faz parar verso algum
em rima alguma que se encaixe
em qualquer poema.

Caio Mello
20/01/2011

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Arcabouço

Eu
ali
o medo inteiro
na face de um alguém.

Tu
palco
a vida inteira
no enredo de um ninguém.

Nós
ambos
o verbo errático
na loucura de um todo.

Eu
palco
a vida inteira
na face de um ninguém.

Tu
ali
o medo inteiro
no enredo de um alguém.

Nós
ambos
o verbo errático
na loucura de um todo.

Eu
tu
o medo inteiro
no enredo de ninguém.

Eu
nós
o verbo errático na loucura de um todo
no enredo de ninguém.

Caio Mello
14/01/2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Mercado

Vendo o conteúdo de tudo
em pequenos frascos de insensatez.
Dose diária de desvairios
a se tomar parcimoniosamente.

Vendo a preço baixo
em especial aos homens de visão curta
esses mesmo que veem um mundo como um só
e creem na vida como uma esfera perfeita.

Vendo a preço muito caro
àqueles que esnobam ideias
que refutam só por prazer
que negam só para não concordarem.

Dou de graça para quem sonha.
Aquele sonho diário,
sonho feito de estrelas,
delícia de se viver.

É de graça pelo simples fato
de ter encontrado poucos sonhadores como tais
em minha vida.
Sonhar é pouco, os homens que são muitos.

Vendo a mim mesmo
em doses homeopáticas e paulatinas.
O garoto do passado
maravilhando os olhos de um homem preocupado.

Vendo a mim mesmo e não a preço baixo.
Preciso vender em troca de mais,
na busca de continuar sendo
através do desencontro meu.

Vendo às crianças em troca de respeito.
Não quero só vender pelo preço.
Quero um mínimo de carinho pelos frascos.
O vidro parte-se em mãos descuidadas.

Vendo aos idosos por preços módicos
porque nem todos eles são tão bons assim.
Sabem mesmo de muita coisa,
mas por que entenderiam todos eles de frascos?

Vendo às mulheres com receio.
Eis que se abre a cortina do louco
e expõe-se espetáculo descoeso
entre uma personalidade e estilhaços de vidro.

Sim, alguns se quebram.
É sempre bom lembrar que nada é perfeito
e nem foi feito para tanto.
É válido recolher os cacos, pois eles podem ferir.

Vendo aos homens não sem receios também.
Alguns entendem, outros não.
A maioria acaba comprando por respeito,
não pelo conteúdo.

Vendo aos amigos gigantes tonéis
por preços irrisórios.
Só os faço pagar uma quantia simbólica
para que não se sintam mal por ter me dado trabalho sem retorno.

Vendo uma sandice imprescindível ao ser humano moderno.
Sem meus frascos, os dizeres
são meras letras cruas
que maquinam “RUA, AÇO, DÉFICIT, GOVERNO, AMIANTO”.

Vendo com garantia de dois sentimentos.
Passado o frasco ao proprietário,
se os próximos sentimentos não forem ao menos coesos
(em seu dizer descoeso de vontade complexa)
não valeu meu esforço, então não cobro.

Vendo ao solitários
para que se viciem.
A loucura limitada a doses diárias
traz à mente isolada uma dependência interente ao que chamamos de homem.

Vendo a prazo,
mas não aceito fiado.
Há flexibilidade em meu ramo,
mas não se pode faltar com o respeito.

O encanto sempre foi delicado.
O desrepeito faz-lhe em pedaços,
derruba o frasco de vidro
e desmonta um sonho tão amavelmente trabalhado ao longo de uma vida.

Vendo a todos que quiserem comprar.
Quanto maior a vontade de compar,
menor o valor pago.
É ridiculamente fácil saber quando as pessoas mentem quanto à sua vontade.

Vendo frascos grandes, médios e pequenos.
Faço promoções de dois pelo preço de um, desde que respeitados ambos.
Cobro a metade de clientes fiéis.
Vendo a loucura da vida num frasco de vidro.

Caio Mello
12/01/2011

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Mariana na moringa

José era um garoto como todos os outros.
Acordava cedo de segunda a sexta
para ir ao colégio.
Gostava muito de futebol e de
bolachas Passatempo.

O menino tinha um amor
que não era segredo para ninguém:
José gostava de Mariana.

Fazia ele versos jovens para encantar a moça:
“Mariana, meu amor
você é a minha flor
a cura da minha dor
e o fim do meu rancor.”

Eram versos simples
que pulsavam dentro dele
numa singela flor da idade.

Mariana, por seu lado,
achava José um menino muito charmoso
e lhe dava muitos abraços.
De vez em quando, dava-lhe beijos também.

Dizia ela:

Ô, José, você não presta
tu finge que faz poesia
escreve o que vem na testa
diz que sou sol do teu dia.
Teu sorriso é sempre torto,
sorriso de peixe morto!
Não vale o ar que respira
nem a mulher que te inspira.

E, depois, ela dava um beijo doce no garoto.
Ele achava engraçado o jeito da garota.
Mas a vida parecia-lhe longa, infinita,
como se ela fosse um erro de cálculo
no qual as pessoas simplesmente morriam de vez em quando.

Eles viviam suas tardes a pensar em nada
a cruzar mato e estrada
a comer fruta roubada.
Viviam num conto bom e sem fada.

Mas havia um problema.
(afinal, de problemas é feita a vida)
Morava perto dali um velho
conhecido por feitos mirabolantes
que pouca gente podia acreditar.

Esse velho se irritava com José.
O garoto era largado demais.
Onde já se viu passar tardes inteiras namorando?

Mas não era isso.
Era outro compromisso.
Era sempre Mariana.
Moça de beleza insana.
O velho gostava da fulana.

Um dia enfim,
estava a garota passando em frente
à casa do velho rabugento.
Ela pisou numa armadilha preparada na grama.

Uma corda a pendurou pela perna
de cabeça para baixo.
O velho colocou uma moringa embaixo da garota
e soltou a corda.

A menina ficou presa dentro da moringa.
(até de tampa fechada)

Em pouco tempo,
Zé ficou sabendo.
O velho rabugento
rabugentava com orgulho
e sorria com os olhos e calava com seus lábios
toda vez que olhava para o garoto apaixonado.

A menina quente ficava fria dentro da moringa.
Era escuro lá dentro também.
Gritava ela:
Zé meu amor!
Zé, por favor...
Me tira daqui
Me tira daqui!


Zé tentou uma vez quebrar a moringa.
O velho rabugento, claro,
já sabia da empreitada do jovem.
O garoto teve seu cabelo queimado e ganhou uma cicatriz no ombro.

Ele parou para refletir:
Será que vale mesmo a pena salvar Mariana? Sim, ela é bonita, eu sei. Mas tem tanta mulher aí pelo mundo. Eu podia me virar muito bem com outra pessoa. Essa aí já tá fria mesmo dentro da moringa do velho. Eu vou ser honesto. Eu não sei se presto. Salvar Mariana ou só desencana? Deixar a menina nessa sina de moringa fina tão fria que alucina?

José, por um dia, desistiu.
É verdade.
A vantagem de ser jovem
era que ele podia ser sempre honesto consigo mesmo.

Mas no dia seguinte seu coração apertou.
O seu peito espremeu de tal jeito
que conseguiu tirar lágrimas do garoto.
Ele chorou de saudades.

E, dentro da moringa, chorava Mariana de solidão.

Zé, então, pegou todo seu ódio, embrulhou em papel alumínio
e fez dele uma ideia.
Era uma ideia simples e corajosa.
Mas ia ser arriscada.

Num dia bem cedo,
Zé trocou a moringa de Mariana com a moringa
que o velho costumava tomar água assim que acordava.
O rabugento acordou e virou o conteúdo da moringa
num gole só.

Mariana desceu gritando goela abaixo.
O velho ficou desesperado.
Ele também amava Mariana e não conseguiria
viver sem ela perto de si.
Ele enfiou o dedo em sua garganta e vomitou a menina para fora.
Desesperado, começou a chorar compulsivamente.
Zé o havia derrotado.

O velho devolveu a garota ao seu amigo
e jurou nunca mais atrapalhar a vida dos dois.
O garoto, ao ver seu amor, não conseguiu se segurar
e sorriu com vontade.
Beijou-a de leve na testa. Olhou fundo em seus olhos e disse:

Meu amor
você não é flor
não é nada que cura rancor.
Você é mais.
Você é o que me existe de paz
você é meu desejo
é o amor que eu farejo.
Mas não fica só nisso
o amor é um gigante compromisso.
Eu também não gosto muitas vezes de ti
e amar direito foi o que eu aprendi.
Amar é não gostar também
é chorar e ir além
é sentir a tristeza de perto
é viver sempre de coração aberto.
Eu te amo porque te amo e ponto.
É só isso que eu te conto.
Não sei como explicar
não sei se é um vício no ar
o que eu sei é que não paro de te amar.


Mariana olhou para Zé.
Ela sorriu com carinho.

Zé, querido,
você ainda não vale o ar que respira.
Mas agora vale muito a mulher que te inspira.


Caio Mello
11/01/2011

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Erros

Ele estendeu o braço. O sol estava começando a irritar naquele começo de manhã veraneia. O terno já esquentava junto com o asfalto. O ônibus parou com um silvo curto e fino. A porta abriu-se demoradamente. Uma senhora esticou forçosamente o braço para subir na máquina. Ele ajudou-a, delicado, a subir. Subiu logo atrás dela.

Ela estava em seus braços.
Chorava o tempo passado
e, tavez, também o tempo futuro.

Ele, estupefato,
mexia os beiços
numa feição de insatisfeito.

Chorar todos choravam.
O que ela fazia era um teatro.

Ele procurou um assento vago dentro do ônibus. Todos já estavam lotados a não ser por um reservado para deficientes, idosos e mulheres grávidas. Ele preferiu ficar de pé. Sua nuca começou a suar. Segurava sua pasta só com as pontas dos dedos que já estavam latejando.

Você não me ama mais?
Depois de tudo vivido?
E vai me deixar pra trás
igual a teu pai sofrido.

Você não me mereceu
esse tempo todo aqui!
Eu sei: o erro foi meu!
Fui eu que não percebi.


Agora eram várias ruas a se cruzar pela loucura dos mapas. Semáforos, pontes, parques, cruzamentos... Uma infinidade de nomes criados só para fazer o quotidiano um pouco mais enfadonho. Mas nada a se preocupar, ele estava no horário. Saíra bem cedo de casa, tomara um café reforçado. As coisas iam bem naquele dia. E já tinha gente no escritório.

A casa parecia pequena.
Os berros dela ecoavam, retumbavam,
reverberavam pelos detalhes dos móveis.
Por que as pessoas tinham que berrar?

Tudo seria muito mais simples
se ela brigasse como um indivíduo comum,
mantendo um mínimo de dignidade.

O ônibus parou num farol. A freada foi brusca. Ele teve que se segurar com força na alça para não cair no chão. Aqueles motoristas deviam passar o dia inteiro dirigindo no trânsito, ficando cada vez mais atrasados e cada vez mais neuróticos. Troppo caotico, como diria um amigo seu.

Então, veio-lhe um pensamento.
Talvez ele estivesse também errado.
Não existe erro sem cometimento,
não existe fato sem ser consumado.

Ela seria um pouco de tudo
e ele o resto.
Como se tudo fosse desnudo
e se desfizesse presto.

Só mais um ponto... Ah, acabara de vagar um assento. Ironias do destino, só no último ponto antes do seu vagara um assento. Para que se importar com pequenos erros? Ele já aprendera bastante com erros tão maiores... A caixa de ferro voltou a andar. Ele equilibrou-se, ligeiro. Olhou-se no espelho convexo. Arrumou sua gravata, ajeitou seu cabelo. Tirou do bolso um pequeno lenço branco com bordado de flores azuis e secou seu rosto suado. Ele não havia suado muito, mas não gostava da sensação de ficar molhado de terno. Secou a nuca também.

Sim! As pessoas erram, enfim.
Errar era parte do relacionamento.
E não era uma questão tão simples quanto parecia ser.

Não era somente uma indagação maniqueísta de sins e nãos.
Ele havia errado muito, com certeza.
Mas era o ponto específico que o colocara
em reflexo.

Talvez uma epifania ao ver os
estilhaços de uma mobília atingir o chão
ocorrera dentro de seus olhos morenos.

É! Agora tudo fazia sentido.
Ou talvez um pouco mais de sentido.
Tudo que ele precisava fazer, tudo que ele precisava falar ao descer daquele ônibus naquela manhã de verão era... Bom dia, amor. Que bom que eu consegui chegar cedo hoje no escritório. Você saiu bem cedinho, nem te vi sair da cama. Alguma novidade?

Caio Mello
10/01/2011

Gaivotas

Eu, ali,
extenso e pouco.
A rua tão comprida
fazendo uma praça em seu contorno.

Dois velhos sentados jogando damas
para o mar olhando
assim como o mar
olhava para eles.

Dentro de mim,
gaivotas voavam ao sabor de
meus sentimentos.
Elas talvez perdidas, talvez errantes.

E as ondas do mar
a voltar e ir
num querer dizer
e não falar coisa alguma.

Se o mar batesse nas pedras
como batia o meu coração,
não haveria mais pedras a se contar pelo mundo.

Um som de mim mesmo
brotava dentro de mim.
Queria ele dizer, talvez, um conselho
e dizer para que eu usasse galochas na chuva.

A minha sorte era que sentimentos nada diziam.
Eram apenas sentimentos.
Uma sagaz melodia
me corria nas veias.

E me batia uma vontade imensa
de continuar sendo.
Desconstruía-me procurando
refazer algo em mim que se fizera de novo.

E o belo, aos poucos,
era eu
e o mar também a olhar os velhos.

Caio Mello
10/01/2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O mundo de brinquedo

É um mundo de verdades.
Completo, pleno, coeso.
Um canto cheio de detalhes
que povoam os sete mares.

Tudo faz muito sentido
as letras todas se juntam.
Mundo, doce, se floreia,
achando tudo brinquedo.

Que se cria do perfeito
nasce mais um imperfeito
e da bruteza da falha
se deseja a perfeição.

Mas quem é o imperfeito
querendo ser mais uma vez perfeito?
Quem é o traço tão desejado
que não pode conter em si as falhas da perfeição?

O erro das coisas
é serem as coisas.
Elas são recheadas de erro,
num mundo de verdades à primeira vista.

E as rachaduras estão também
nos olhos de quem vê.
Esses olhos que envelhecem
e que vão errando ao longo do tempo.

A máquina estuporadora
a que chamamos de vida
brota do imagético
de mentes arquitéticas.

E pobre, por fim, é o erro.
Este erro esnobe.
Erro-ciência.
Erro-programado.
Erro-acerto-de-conta.

O erro que vai errando ao sabor
do vindouro ignoto
pensando que é acerto.

Imaginemos, então um mundo perfeito. Por nós, o melhor eleito. Permeado do melhor feito, um nó a se sonhar no leito. O que nos é perfeito é também o limite de nossa imperfeição. O paradoxo da verdadeira perfeição imperfeita. Se já soubemos o erro, se já pensamos no certo, se já isolamos o pensar no desterro, se já dormimos de olho aberto.

Temos medo.
O medo quieto.
Aquele silêncio
num momento pouco antes de dormirmos.

Abrimos repentinamente os olhos
estou vivo?
E essa pergunta guarda em si
muito mais do que aparenta.

Guarda todo o construir
metódico das certezas
que procuramos ter
de nós mesmos.

Certeza.
Palavra que guarda em si
rara beleza.
A destreza de não caber quase nada
no silêncio de sua realidade.

A certeza que temos:
o mundo de verdades.

Completo porque parco.

Pleno porque contido.

Coeso porque desfeito.

Eis a beleza da vida.

Caio Mello
07/01/2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Uma tarde

O silêncio calmo de tuas curvas
me enlaça num fim de tarde.
A janela nos segreda os erros do trânsito.

Mas o tráfego não faz a menor diferença.
Estamos, os dois, de olhos para as nuvens.
Como se a Terra fosse pouco,
como se os homens não precisassem mais falar qualquer coisa.

E tudo se encaixa num só detalhe
no desvairio das minhas histórias.
Você finge que escuta
e eu finjo que falo.

É só mais um jeito de dizermos
sem mesmo termos o que dizer
nem pra onde ir.

As coisa (pobres coisas)
ficam só a nos soslaiar,
esperando um dia poderem fazer parte
novamente do mundo que criamos.

E vivemos em nosso canto
criando notas harmônicas pro nosso canto
jogando cores em nosso encanto
que se quebra aos poucos e se refaz.

Faz parte dele ser pouco e ser muito
ser uma memória distante no que eu sinto
e uma verdade que nos queima agora
nesse exato momento.

Somos tolos.
É fato.
Mas de homens sérios já estou farto.

Caio Mello
06/01/2011

A cratera

Ele estava andando pela rua coberta de árvores. O céu enegrecido prenunciava chuva, o ar estava abafado e quente. Mais precisamente, ele andava no meio da rua, no asfalto. Um carro passou, desviando de seu corpo sem buzinar. Choveria, quem sabe, em pouco tempo. Respirou fundo duas vezes. Prendeu o ar.

Levantou a mão direita até a altura de sua cabeça. Num movimento brusco, fechou a mão. O asfalto atrás de si começou a se partir numa velocidade impressionante. Parecia uma falha geológica que crescia descontroladamente. O rasgo veio cortando a rua, passou por debaixo de seus pés e seguiu ao próximo quarteirão.

A moça dona da banca de jornal na esquina começou a gritar descontroladamente. Os carros começaram a chacoalhar com o tremer do asfalto. Muitos alarmes começaram a disparar. O açougue da esquina teve sua porta de vidro estilhaçada em milhões de pedaços. O açougueiro teve que desviar das facas que caíam das paredes.

O homem na rua deu um passo para o lado, desviando para a rachadura. Olhou para o chão. Ao redor de si, o asfalto foi rachando novamente até formar um círculo. A fissura no chão começou a abrir. O homem abriu os dois braços, estendeu-os para cima e começou a berrar.

Da cratera recém-formada surgiu uma montanha fumegante, escapando do fogo que lambia a rua. As árvores estavam em chamas. O homem parecia muito sério. Fechou a mão novamente e os prédios ao seu redor começaram a ter suas janelas explodidas num piscar de olhos. Muitas pessoas agora gritavam.

Da cratera surgiram também animais grotescos, grandes e dotados de asas negras. Eles tinham olhos vermelhos e dentes arreganhados.

O homem apontou seu indicador direito para o céu. As nuvens começaram a formar um círculo ao seu redor. O vento foi ficando cada vez mais forte. O que antes era uma tarde quente de verão agora era um vendaval muito forte que parecia querer engolir as pessoas. Uma chuva densa e oblíqua começou a cair. Eram gotas gordas e pesadas.

Um cavalo branco saltou para fora da cratera relinchando. Parou ao lado do homem. Agora o homem fazia o asfalto se contorcer para formar um portal no quarteirão em que ele se encontrava. A água da piscina do prédio ao lado alçou voo, tomou a forma de um pássaro gigante e pousou no topo de outro prédio. Os carros começaram a ser comprimidos em si mesmos, como se alguma coisa os estivesse espremendo.

O homem montou no cavalo sem cela. Abriu um sorriso com o canto da boca, mas sem sorrir com os olhos. Era um sorriso sádico. Um caminho de fogo se formou até o final da rua. Ele começou a cavalgar pelo caminho o mais rápido que podia.

Agora tudo teria um começo.

Caio Mello

06/01/2011

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Diálogo

Ele segurava a pequena menina em seu colo como se ela fosse se desmontar a qualquer momento. Ela chorava ininterruptamente. Ele passava a mão em seus cabelos. Os cachos dançavam ao sabor do vento em um bailar desorganizado e descompassado. Ela molhava o seu peito com seu choro.

Pequena, não chore. Vai dar tudo certo. Por favor, confia em mim.

Mas como? Como pode dar tudo certo? Você disse que era meu amigo. Acho que você, na verdade, é um baita de um mentiroso, isso sim. Você mentiu pra mim. Mentiu! E continua mentindo! Ela tentava controlar o seu soluço para conseguir continuar falando. Como que tudo vai ficar bem? Meu papai morreu... Ele nunca mais vai poder contar histórias de princesas pra mim antes de eu dormir. Ele nunca mais vai me levar pra praia pra nadar no mar. Ele nunca mais vai plantar rosas comigo no jardim. Ele não vai fazer mais nada. Chorou por um minuto inteiro sem conseguir se controlar. Depois parou. Ficou séria. Eu sou nova, eu sei. Mas já aprendi o que quer dizer a morte. Ela leva as pessoas embora e deixa um buraco no lugar. Esse mundo é injusto.

Menina, fique tranquila. Os olhos do homem estavam marejados, mas ele se controlava. Ele entendia a dor. Podia ver a dor nos olhos da menina. Pior: podia ainda ver a dor nos olhos do pai dela ao saber que nunca mais veria a sua filha em vida. Ele podia ainda sentir o último suspiro do pai da garota retumbando em sua alma funda. Porém, ele vivera muito. Vivera eternamente e sabia da vida. Juntou a menina em seus braços fortes. Depois olhou fundo nos olhos dela. Eu vou te contar um segredo. Você não vai poder contar pra ninguém senão vai estragar tudo, tá bom? Ele nem sequer esperou pela resposta. Eu já vivi bastante. Já vi muita coisa. Você disse que é nova, isso é verdade. Mas, talvez, a vida ainda te mostre no tempo que te resta que idade não importa tanto assim. Tem gente que vive um mês só de vida e que, mesmo assim, viveu muito mais do que um velho de noventa anos de idade. A vida não é um balde de água que vai se enchendo com os anos. Você me falou do mar. Do Oceano. Imagina a vida como as ondas no mar: elas vem e vão, vão e vem. Nunca estamos num mesmo lugar, nunca somos as mesmas pessoas. A menina abriu os olhos com tanta força que parecia engolir o homem que a segurava nos braços. Eu ainda tenho que fazer muita coisa aqui nesse lugar. Vou ter muito trabalho pela frente. E talvez eu encontre a mesma morte que seu pai encontrou. A morte fria. A morte dura. A morte fim de tudo. Mas eu já vivi o suficiente pra entender que a morte não é um fim. Não mesmo. A morte é só mais um momento, um piscar de olhos. É um mudar de ponto de vista. É como se... É como se você pudesse respirar debaixo da água e visse do fundo do oceano as ondas do mar batendo na praia. Você entenderia as ondas com outros olhos, não é? Não tenha medo. Você tem todo o direito do mundo de chorar agora. Mas quero que entenda que seu pai não sumiu e que não há só um buraco no lugar que antes era dele. Seu pai está lá. Aliás, agora, seu pai pode estar com você o tempo todo. Ele está aqui agora. Você consegue senti-lo? O homem levantou sua mão para o sol. Seu pai vai sempre estar aqui com você.

E quando você vai me ensinar a respirar debaixo da água pra eu conseguir ver o outro lado?

O homem sorriu. Era um sorriso especial, sincero. Um momento singelo numa vida tão longa. Talvez eterna.

Isso, menina, você vai ter que aprender sozinha.

Caio Mello
05/01/2011

Fragmentos

Então, ele abriu os braços
e juntou os nós em laços.
Atravessou a avenida
na cidade distraída.

Ela ficou na janela
achando que era donzela.
Vertia café no choro
e o metal cantava em coro.

Menino sentou na rua
vivendo o mundo da lua.
O asfalto dizia não
cantando mais um refrão.

Todos transeuntes tristes
todas as lanças em riste
sossegadamente sós
só silenciosos nós

Erros calados
em tetos errados
em casas de ferro
em erro de um berro.

São
São não
Solução do coração
dissolução solidão.

Caio Mello
05/01/2011

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A milha dourada

Seus olhos refletiam a frieza do dia chuvoso.
O pequeno ali sentado pensava na vida.
Sonhava com terras distantes
com loucuras de verbos errantes.

Mas pessoa nenhuma parava.
Todos continuavam.

E não era apenas a loucura da contemporaneidade que os deixava sem tempo. Mais que isso. Os homens sempre foram homens e nunca o deixarão de ser. Quadrados, inertes, errantes, poços de solidão coletiva no desvairio do mundo real. Todos sem reflexo, sem beira nem nexo como se perdessem o todo complexo das coisas invisíveis. Ocultas coisas indizíveis também, de outros tempos incríveis que são a mesma coisa que somos hoje.

Mas o pequeno garoto era diferente.
Ele podia ver as coisas.
Elas pulavam em sua frente,
reconstruíam-se, tomavam forma diante de seus olhos.

Trens, borboletas, personagens recônditos nos meandros
da metrópole.
Dentro de sua mente, tudo fazia barulho,
tudo era colorido.

Fora, era silêncio.
Presto em descolorimento.
As casas não tinham asas,
eram covas rasas de ratoeiras gigantescas.

O garoto levantou as mãos sujas para o Sol.
Se ele ao menos pudesse...
Mas não podia.

Tudo era duro demais.
E o chão era frio.
Era como se a realidade o impedisse
de dobrar as coisas.

O que dobrava era sua mente,
suas ideias.
Uma mente pueril forrada
de personagens que não condiziam com o mundo real.
Mas, para ele, o real era só mais um mundo a se desmontar.

O seu tempo era de pouco
era a voz do mundo louco
como se tudo não passasse de um risco num caderno
e o seu grito fosse eterno.

Todas aquelas pernas que passavam em sua frente eram só pernas. Andavam, corriam, mancavam, contavam dinheiro, usavam sapatos, tênis, comiam sorvete, dançavam o tango e a valsa vienense, sentiam fome. Mas não iam muito além disso. Como defini-las? Eram. Sim, boa palavra. Eram e mais nada. Ser, ato simples de pernas que passam por aí em frente à nossa vista que reflete o mundo todo.

O garoto levantou-se do chão.
Só tinha medo, fome e solidão.

E começou a andar na avenida.
Era a rua toda tão distraída.

Se ele berrava, ninguém escutava.
Era a cova com a pá que se cava.

Passou o menino maltrapilho por entre as pessoas. Pessoas, aliás, não era a melhor palavra para definir aquela massa ignota que se locomovia homogeneamente de um lado para o outro, como ondas que tentam demover a areia de voltar para o continente.

Ele começou a imaginar
um caminho mágico forrado a ouro
que brilhava por entre a avenida.

Pulou por entre os potes de ouro
sorriram seus olhos
e brilharam seus lábios.

E ele se ria,
ria de si
e ria de todos
para sempre ria.

E o povo não compreendia
(e jamais poderia)
do que se ria o menino.

Pelo menos assim,
ao gargalhar tão descabidamente
no meio do povo atarefado
o pequeno se fazia gigante
e cortava o silêncio das mentes vazias.

Caio Mello
04/03/2011