quarta-feira, 26 de março de 2014

Solidão coletivo

Vejo rostos
Vejo faces
Vejo caras
Inominadas
Congeladas em sua loucura
O individualismo
Deslocado
Vejo sorrisos químicos 
Vejo lábios de rancor
Numa terrível dança estática 
Dispostos todos em listas
Como toscas prateleiras 
De supermercado
Enfileirados por tipos 
Falsas afinidades
Ausentes de anseios
E de cheiros 
E de pele
E de sentimentos 
(Desprovidos de coração)
Vejo rostos,
Mas não consigo mais
Visualizar as pessoas. 

Caio Bio Mello
26/03/2014


Tropeço

Coração de poeta
é o mundo do avesso
é deixar a alma aberta
e depois pagar o preço. 

Caio Bio Mello
26/03/2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

A ciência do Oriente

Haikai viajante

Os velhos expostos 
olham de perto as estrelas
e veem o oceano.

Haikai surfista

Debaixo das ondas
o surfista encara espumas 
dos seus sentimentos. 

Haikai espacial 

Mundo dos cometas
desconhecido da prosa,
unido nos versos.

Haikai da bailarina 

Ao dançar, bonita,
tão, tão delicada assim
faz bem pra nossa alma.

Caio Bio Mello
24/03/2014

sábado, 22 de março de 2014

Pílula da pseudoquietude



Não há o silêncio.
Há aqueles que falam sobre ele
e dele se refestelam.

Caio Bio Mello
22/03/2014

sexta-feira, 21 de março de 2014

Existencialismo

Poema-pílula 

Estar vivo
é morrer
sem fechar os olhos.

Haikai existencial

Eu fecho meus olhos 
começo a sentir a brisa
estou vivo.

Caio Bio Mello
21/03/2014

terça-feira, 18 de março de 2014

Que se foda



Que se fodam os prédios
Que se fodam os prazos
Que se fodam as pessoas
Que se foda o trânsito
Que se fodam os salários
Que se fodam as pessoas estúpidas
Que se fodam as palhaçadas da vida
Que se foda o sono
Que se foda o cansaço
Que se foda a falta de tempo
Que se fodam os imbecis
Que se fodam os hipócritas
Que se foda o suor
Que se foda o tédio
Que se fodam os babacas
Que se foda a falsa moralidade
Que se foda a solidão
Que se foda o silêncio
Que se fodam os egoístas
Que se fodam os impostos
Que se fodam os falsos discursos
Que se foda a arte
Que se foda o cigarro
Que se foda o automóvel
Que se foda o ônibus
Que se fodam todos os e-mails do mundo
Que se fodam os celulares
Que se foda a morte
Que se foda o tédio
Que se foda a inércia
Que se foda o dedão do pé
Que se foda o produto interno bruto
Que se fodam os vermes
Que se fodam os verbos
Que se fodam os aproveitadores
Que se fodam os motores
Que se fodam as pessoas que roncam
Que se fodam as nuvenzinhas no céu
Que se foda o chão
Que se foda o dinheiro
Que se foda o cimento
Que se fodam as comidas saudáveis
Que se fodam as responsabilidades
Que se fodam as pendências
Que se fodam os casos
Que se fodam os sacos de dormir
Que se fodam as fofocas
Que se foda a comida fria
Que se foda a maldade
Que se foda o inexorável
Que tudo isso e muito, muito mais
junte-se no grande e lindo lago
do que se foda
até o fim dos tempos.

Caio Bio Mello
18/03/2014

Invólucro



O poeta se dissolve.
Seu eterno silêncio é infinita mordaça.
Suas mãos já não possuem mais significado.

Defunto à procura de enterro, de quietude,
de algo que lhe impeça de continuar sendo.

O poeta gira em círculos, perde-se.
Suas garrafas de plástico sem nenhum conteúdo
apenas amontoam-se no quintal.

No fundo de sua mente, há uma confusão,
um infinito caos indecifrável.

Os poemas todos, todos perdem o significado.
Eles são cadáveres dispostos no Instituto Médico Legal
à espera de que lhes abram o peito para verificar o conteúdo estéril.

E o legista proferirá suas conclusões:
“Esta era para ser uma rima rica, logo acima do coração.
Mas o poeta mostrou-se pouco criativo e rimou dois verbos
regulares no passado... Que absurdo.
Olha essa parte, então.
No pulmão, chegando na pleura,
podemos ver que faltam metáforas. Um poema flácido, natimorto.
Sim... De fato, este poema deve ter sofrido grandes dores em vida.”

E as dores todas serão afixadas na parede da sala,
enfileiradas para mostrar a estupidez da vida
e a falta de profundidade do cotidiano.
A taxonomia da morte.

Resta, então, ao pobre artista a única solução aceitável.
Imerso em seu próprio choro, em meio a soluços,
o poeta novamente estende o braço e esteriliza a agulha.
Mais poesia para dentro da veia... A única solução para esquecer
deste inferno.

Caio Bio Mello
18/03/2014

domingo, 16 de março de 2014

Cordel do Homem de Fogo



O Homem de Fogo caminha
Pra trás de carvão pegada
Deixa o rastro de sua linha
No andar no meio do nada

Mito não tem sentimento
Mas do dito ninguém sabe
O dizer é só dizmento
Certo o nunca de verdade

O Homem de Fogo aparece
Num repente de tristeza
Nem rezar nenhuma prece
Pois só na morte há certeza

Homem certo do viver
Olhos por cima dos muros
Tanto tempo para ser
Olhos muito, muito duros

Dar a mão é cicatriz
Da vingança ninguém corre
Escapar nem por um triz
Menos dia tudo morre

Enterrado sai da terra
Desmortado vem à vida
Sua arma quando berra
É passagem só de ida

Bichofera sem limite
Deixa ferro marca viva
Sempre vem sem nem convite
Na chegada não festiva

Há quem diga, na verdade,
Que o armado se perdeu
Já faz tempo na cidade
Lá o seu amor morreu

E desde então seu corpo arde
Mata mesmo sem rancor
Mas agora já é tarde
Na vã busca sem amor

Caio Bio Mello
16/03/2014