domingo, 30 de setembro de 2012

Entomologia



Ele começou

crisálida

Depois foi

borboleta

Acabou sua vida como

larva

Devorando a carne dos defuntos.

Caio Mello
30/09/2012

domingo, 23 de setembro de 2012

Brasiu



Eu num sei purque eles continua vindo aqui. Tava lá otro dia deitada na praça, e bein! Desce u cano na cabeça di nóis. É uns fin de mundo da porra issu aqui. Fin di mundu mesmu.

Mintchira. Cê qui num sabi di nada. Otro dia veiu un pastô aí dizendu tudu coisa bunita di si ouvi. E nóis aqui tudu sentadu cun povo involta. Cê perdeu, cê perdeu!

Ao fundo passam apressados
homens de ternos e gravata
levando suas pastas do futuro ao passado
do poente ao raiar
como se a carne das árvores
pudesse conter algo mais
do que letra fúteis.

I cê perdeu u qui eu vi otro dia! Perdeu mesmo. Eu vi um rei passanu aqui bein no meio. Di frenti pra Sé.

Mintchira. Não tem mais rei não. Nunca tevi rei no Brasiu.

Tevi sin. Inda tein tambéin. I eu vo ti contá a históra deli. É assin, ó:
Eruma veiz um rei
qui tinha uma fia muitu, muitu bunita.
Eli vivia feliz nu reino distante du Brasiu.
Os otro rei tudu nen respeitava eli.
Purque o Brasiu era um país suju.

Suju? Só purcausa dissu? Num tein nada mais não di razão preles odiá o Brasiu? Conta issu direitu!

Dexeu contá, Finacarmina!
Mais, enfim, u Brasiu era suju, longi e distanti.
Us rei dos otro país achava tudu u Brasiu zuadu.
Falavo qui nunca passariu pur aqui.
Falavo qui tinha mindingo nas rua,
saco di lixo revirado, duença pur tudu quantera parte,
macacu pulandu nusgalho, criança andandu pelada,
índio dandu tiru nusómi brancu e tudu mais.
Maaaas – e prestenção agora, Finacarmina, qui é inportanti! –
A fia linda du rei cresceu. I ela ficou cuns peitão inpinado,
toda cheia dilindeza.
I foi dipois dissu qui todu mundu ficou querenu vi pro Brasiu.
Veio rei das Franças, dos Portugáu, das Ilha Queprogu,
do Espírito Santo, di Minas Gerais...
Intão foi uma briga geráu.
Todu mundu queria sabê quem ia ficá com a linda minina.
Mas u rei, qui num era bobu nein nada, virô pro povo todu i dissi:
“Ei, ei, ei eu sô u rei. Ei ei. Ei. Rei.
Só vai pudê casá cuminha fia cheia di buniteza quein consiguir
limpa escidadi intêra di cima pra baixo, dun ladu pru outru!”
Aí sin qui foi un quiprocó danadu! Imagina!
Era rei mandandu vir engenhero, cientista, farmacêticu...
I foi assin si dandu cos rei.
U rei da França quiria dimais a minina.
Eli, intãu, dicidiu por fogu na cidadi intera.
Eli achava qui podia construí otra por cima.
Foi qui foi qui u rei do próprio Brasiu sirritô
quandu a casa de verão deli entrô em chamas.
Intão, u rei da França foispulso du Brasiu. I seu deu muito mal!
U rei Dispanha teve otrideia.
Os guarda ispanhóu sairu na rua batendu in todu mundu qui viam pela frente.
Assin, quandu não tinha mais ninguéin na cidadi, u rei Dispanha mandô limpar tudu.
E ficô nessa pur uma semana. Maaaas, daí, u rei do Brasiu ficou
sem ninguéin pra sevi café da manhã, nein pra limpar a cama deli,
nein pra nada. I eli ficou suju por uma semana. Intão, mandô inbora rei Dispanha.
U rei das Ilha Queprogu cumeçô a limpá a cidadi.
Mandô várius catador ficá dia i noiti catanu latinha.
I a cidadi tava ficando mais bunita? Só qui não! Iguáu.
Todu dia todu munu sujava tudu di novu.
I us mindigu continuava cheiranu mal. U rei das Ilha Queprogu
irritou-se un dia i saiu chutano todu mundu qui via pela frenti.
Maaaaas acabô chutanu u mininu qui lustravos sapato du rei du Brasiu.
I u rei du Brasiu irritou-se i expulsou u rei das Ilha Queprogu du país.
Ninguéin botô prumo na cidadi. Ninguéin feiz ela fedê menus.
I até hoji ela fédi muitu...
U rei du Brasiu não gostô di nada dissu.
Decidiu mandá sua fia casá cun u rei da Suíça purque lá tudu era linpu mesmu.
Bein mais fáciu. Mandô a minina falá cun eli i fazê graça.
U rei da Suíça achô lindu a morena chegano neli i elis casaru.
Nu Brasiu, u rei disistiu di tudu i agora só sai di casa unveiz pur anu.
I eu vi eli, euzinha! Eeeuuu vi!

Issaí é invenção tua. Tudu mintchira.

Cê vai vê só! Anu qui vein, quandu eli saí, eu tacordu mais cedu.
Vô apontá prele i cê vai vê tambéin. Vai vê só qui falu verdadi.
Ele passa numa carruage branca! Linda di duê zóio!
Cê vai vê, feitu eu...

Caio Mello
23/09/2012

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O mosaico



Meus olhos secaram.
As cores sumiram.

O asfalto é muito duro.
Áspero como o concreto.

Conciso como a multidão.
Quieto como o silêncio.

O que há de crença em mim é o que sou.
Eu creio.

Mas sinto um abafado doce
do que foi um dia uma bossa.

As janelas não se abrem. Não podem ser abertas.
O mundo, lá fora, é estéril. Estático.

Um quadro pintado ao canto que, vez em nunca, se move.
Movo-me lentamente. Quase nunca.

O corpo tenso, fetal, umbilical.
O que restou, de fato, não é muito.

A vontade desconexa de manter a mente cheia.
Já não penso. Não, não penso.

Mesmo assim, mantenho a mente lotada com mil mariposas.
Fotos inúteis, informações inúteis, desenhos toscos.

Não vejo. Não como. Não falo. Não durmo.
Permaneço eternamente numa semivida.

Quase pleno. Quase ser. Como se batesse em meu peito um coração.
Uma máscara de oxigênio. Continuamente inebriado.

Perdido entre mil personalidades.
Todas incompletas, desgostosas de seu desempenho.

O mosaico do homem vestido de palhaço.
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

Debaixo de tudo isso, debaixo de um homem lunático,
algo permanece inabalável.

Permanece intacta, viva. Dá-me liga ao viver.
A bandeira das madrugadas tranquilas.

Eterna e infinita, cá em meu peito,
alegra-me a poesia.

Caio Mello
19/09/2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Depois de um dia bem longo


Às vezes eu quero escrever um verso
desses que fazem as mulheres chorarem,
as crianças viverem, o sol girar.

Daí me dizem que a vida é curta,
que a bateria do meu computador tá quase acabando,
que poesia não vai dar em nada e eu preciso mesmo é ganhar dinheiro.

Então eu olho pra tudo isso...
E começo a escrever a primeira coisa que me vem na cabeça.
Eu faço bem rápido, nem penso direito no que botei no papel.

Vou rimar pão com mão, com mamão, com coração,
vou fazer todas aquelas rimas que a professorinha do ensino fundamental
tinha me dito que não era pra fazer.

Vai sair um poema bem bobinho, bonitinho,
que até uma criança de cinco anos conseguiria fazer.

Vou falar de uma bola, de um carrossel, de um passarinho.
Vou juntar tudo bonitinho, inhozinho. Vinho!

E os pais de família vão me chamar de infantilóide.
Os estudantes universitários vão me dizer que não entendo nada de arte,
vão dizer que meus versos são muito ralos.
Vão falar por aí na miúda que estou denegrindo a última flor do Lácio.
E vão rir de mim enquanto tomam coca-cola num bar perto de casa.

Depois de escrever esse poema besta feito porta,
vou me deitar na cama de barriga pra cima.
Depois de um longo dia, cheio de pesares e de obrigações e de taxas,
vou me deitar.

Simplesmente me deitar. E sorrir.

Vou dormir de barriga cheia.

Caio Mello
10/09/2012

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O rapaz


Ele mirava o céu dentro de si
Mirabolantes borboletas
Passavam-lhe pela vista
Podia ver o sol por dentro
As entranhas expostas de um astro
Podia sentir o poder em suas mãos
Era aquilo que gostaria de ter sido

Eis que cada força
Migrava do pó
Seus dentes rangiam
Seus olhos cegavam
Sua mente vazia
                                   Seus pés doloridos
                                                                       Os frascos vazios
                                   A noite tão fria
Grande liberdade
                                   Pão de cada dia
                                                                       Estética morta
Seus dedos partidos
                                   Seus lábios rachados

Amar era pouco na longa vida
Ainda mais homem desconhecido
Nunca tomou coragem nem partido
Conviveu só com caminhos de ida

Um homem quase forte: parecido
Viveu desde o Cravo até Margarida
Era uma vida esmagada, sofrida
Que jamais apresentou qualquer ciso

Mas isso pouco importava
Certos desmembramentos eram necessários
Ele queria chegar ao fim, ao começo, ao princípio
Avançar para o princípio
Devolver-se ao rebuliço do mundo torpe
Exposto, quem sabe, na torpe urbe
Um hiato de si mesmo.

Aquele traço de solidão que buscamos em nós mesmos. Uma vontade, quem sabe... Um desdesejo. O desdesejo dos homens são. As loucuras do palhaço, as verdades do conselheiro, a certeza do homem de terno com pasta na mão. Nós somos, queremos ser. Um pouco de nós no molde da pasta de dente, no corte de cabelo, na sola gasta do sapato, no pedaço de bolo cortado, na catraca mal girada do metrô.


Se conseguiria
                                   Jamais responder
                                                                       Jamais perguntar
Jamais questionar
Tudo o que precisava
Tudo o que pedia seu corpo e deleitava sua alma
Era o estado insólito de seu grunhido
O fim das pessoas
O fim do mundo
O fim de tudo

O fim de todo e qualquer pensamento
Começo da era do seu expurgo
Homem perdido se sentindo vulgo
As mãos tão férreas de outro sargento

A criança frasco de vidro bulbo
As vistas marejadas pelo unguento
Como regressasse num só momento
Estourando filhos tal qual sabugo

Podia dizer
                                   No palco da vida
                                                                       Decorara o texto
Vivera concreto
Abstrato asfalto
Regredira à posição
Fetal
Como se o crime que uma vez cometera
Fora
Colocar olhos ao mundo
Bem
Quando ninguém desejava
Ver.
Seus pés, trôpegos, olhavam a escuridão. Uma luz. E o peito arfava. Aquele sentimento... Era o fim do verão, quando retornávamos da praia e nos sentávamos dentro do carro abafado. Lá fora, o sol forte brincava com nosso rosto. O mar continuava com suas vagas eternas. O céu maravilhava azul. Porém, nós, tão propensos à simples condição humana, permanecíamos enclausurados na máquina de rodas. E partíamos... Seguíamos sabendo que aquele momento jamais teria retorno. E o todo voltava, esmorecendo com a certeza do fim. Era exatamente assim que ele se sentia quando fechou os olhos.

Caio Mello
05/09/2012