sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Cordilheira

A lâmina de areia

atravessa

teu ventre macio


Escorre

o magma pulsante 

cor-da-vida


Perco-te, sopro após sopro,

a lava esfria


Os cumes das tuas montanhas

solidificam e se cobrem de neve


Cansado e redimido,

rememoro os caminhos que abri

e admiro a perfeição

das tuas curvas que escalei


30/12/2016



quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Peixinho de aquário

Peixinho de aquário
é pior do que enjaulado leão
Peixinho de aquário
não sabe nem pisar no chão.

Caio Bio Mello
06/10/2016

Anêmona

ANÊMONA MOLE
MOLÊMOLA
NEMO ALÊMONO
NEMOLE
NÉ MOLE, NÃO?

Caio Bio Mello
06/10/2016

O polvo de brigadeiro

Encontro
            o polvo de brigadeiro
que me abraça com seus tentáculos
                        rumamos ao fundo do mar.

Não sei se devoro
ou se sou devorado.

Caio Bio Mello
06/10/2016

Cardume

Cada peixe
é pé é povo é partida.
Cada um é cardume
            carduns e cardoutros.

Um peixe
a pesca
                        passa boi passa boiada
o fio da meada.

Deslizam enfileirados
            populopeixe
                        não vejo quem é um quem é outro
é tudo peixe
            o deslize na água
passa passa peixe passa.

            O pescador
a rede
                        alguns saltam e prateiam as escamas no sol
            peixespada peixalimentação
                        a pesca
quem fisga o fisgado
estamos todos na mesma rede

O peixe multidão.

Caio Bio Mello
06/10/2016

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Pesca

O peixe mar bruto
O peixe na minha rede
O peixe meu fruto

Caio Bio Mello
02/10/2016

Graças

Eu agradeço
            à luz e às cores
                        a essa brisa que vem do mar
que bom
estar aqui                    na chuva
no sol                          no sorriso
porque é só riso
menina
seu riso no meu peito
                        guardo cá comigo

                        Eu te agradeço.

Caio Bio Mello
03/10/2016 

Samboceano

Eis o mar e suas fibras de fato
de libértulas em formato espuma
em nenhum momento vislumbro bruma
eu vejo, sim, o sol nos sendo grato

Sempre meu singrar se faz inexato
eu amo as ondas, delas cada uma
com o viver a vida se acostuma
o nadar d’água em seu piscianato

As curvas e tubos azul e branco
eu escalando a montanha fluidonda
formas se entopando para encristar

O rugido com barulho de estronda
Eu céu mar eu mar (ri)mar céu eu mar
O oceano inteiro me sendo franco

Caio Bio Mello
03/10/2016

É um novo dia

Mil me desconheci para saber
vezes e conhecer-me de verdade.
Todos os lados, desde a tenra idade
vi o começo do reaprender.

Dança do fato, do ser e viver
as cores da máquina da verdade.
Doce da chuva da minha cidade
memórias de um dia que vai chover.

Os raios que de mim brotam tal luz
que vê, cresce e enraíza fecunda.
É meu luzarquipélago de cor

a ilha central de lá oriunda
navegaremos para onde que for
na estelarenteza que me conduz.

Caio Bio Mello
03/10/2016

domingo, 4 de setembro de 2016

A Poética

             O processo de escrita da prosa é uma linearidade de pensamentos que se constroem com o tempo. Um enredo exige reflexão, construção, desconstrução e reconstrução. O leitor precisa sentir que o texto é coeso, que os personagens são reais e que de fato têm pensamentos. A poesia, por outro lado, é um processo mais intuitivo. Os poemas envolvem o âmago, revolvem a alma. A criação poética é permeada de inspiração e de espontaneidade.
            Fernando Pessoa escreve em seu poema “Autopsicografia” que a criação poética envolve quatro versões de uma mesma ideia (ou sentimento): a primeira ideia que é concebida na mente do poeta, a segunda ideia que é a transcrição do pensamento do poeta para a forma de versos, a terceira ideia que é a interpretação do leitor das palavras do poeta e a quarta ideia que é a fusão entre aquilo que o leitor sente com os pensamentos do poeta transcritos em versos.
            Além do processo de interação poeta-leitor, é interessante também buscar entender a forma com que os poemas surgem para o poeta. Talvez o foco mais explicativo seja o surgimento da primeira ideia descrita no parágrafo acima, aquela que serve de base para que as outras três se desdobrem. Essa primeira ideia será chamada de concepção poética, que pode ocorrer de três formas.
            A primeira forma de concepção poética é aquela criada no momento da escrita. O poeta pretende escrever, ele se dispôs a fazer um poema naquele exato momento, mas não tem nenhuma ideia consolidada em sua mente. Esse tipo de concepção poética é mais reativa, busca imagens e formas momentâneas, surge de ideias não tão reflexivas. É uma poética mais selvagem, pode ser vista como uma boa forma de exercitar a criação em versos porque ajuda a moldar o raciocínio artístico e a busca pela forma, métrica ou estilo de escrita. Mas o poema, em si, na maioria das vezes não se completa da melhor forma esperada, pelo fato de que não havia forma nenhuma pretendida. Isso pode ser prejudicial à escrita.
            Chegamos, então, à segunda forma de concepção poética: aquela criada antes do momento em que o poeta se propõe a escrever o poema, mas num intervalo de tempo não muito grande. Por exemplo, ter a ideia de um poema durante a tarde e escrevê-lo ao final do dia. Essa segunda forma é mais trabalhada, pois deriva na maior parte das vezes de uma inspiração dissociada do momento da escrita, o que pode fazer com que o texto ganhe força e reflexão. Essa reflexão anterior à escrita facilita o manejo das palavras nos versos porque o poeta já sabe o conteúdo (ou até a forma e o conteúdo) que pretende.
            Por fim, a terceira forma de concepção poética envolve um processo mais longo de criação. O tempo entre a formação da ideia e a escrita é extenso. Por exemplo, ter a ideia de um poema e escrevê-lo meses depois. Esse prazo é flexível e pode chegar a um período superior a anos. Isso significa que o poema vai coexistir com o poeta por um prazo considerável antes de ganhar vida própria. Ele vai ser pensado, repensado e idealizado de diversas formas. O poema amadurece sozinho. Isso é muito importante porque há ideias que se perdem com o tempo e nunca é bom retomá-las. É como diz Carlos Drummond de Andrade no poema “Procura da Poesia”: “Não colhas no chão o poema que se perdeu”.
            Ou seja, na terceira forma de concepção poética, é possível se verificar um método de seleção natural das ideias que têm potencial para a arte: a concepção que sobreviveu por muito tempo na mente do poeta é forte, marcante e consolidada. Assim, ganha mais corpo e mais atenção. O que permanece é arte.
            É claro que, após a escrita, os poemas passam por uma fase de releitura e podem ter trechos reescritos. Mas, uma vez consolidada, a concepção poética é marcante, é como a personalidade do poema, que muito dificilmente vai ser alterada com as possíveis mudanças e adaptações que o poeta fizer.
           Não se duvida que as três formas de concepção poética têm seu mérito. A criação artística nunca pode ser mensurada por estatísticas e deve ser entendida como um fluxo variável. Mas é importante notar que o poeta deve manter atenção e respeito por seus poemas. Jogá-los no papel sem um período de apuração ou de reflexão pode ser prejudicial, o que faz surgir o risco de que uma inspiração boa seja encaixada numa concepção poética ruim e, talvez, o poeta não seja capaz de readaptar a mesma inspiração para uma posterior concepção poética mais robusta. Portanto, para fazer poesia, é indispensável dar disciplina aos poemas, para que ganhem a maturidade ideal na hora da escrita. Poesia, como dito na introdução, é um processo intuitivo, mas não deixa de ser um exercício de observação e de paciência.

Caio Bio Mello
04/09/2016

Arthur

Arthur, meu sobrinho,
quando você nasceu,
eu vi em você
uma criança maravilhosa.

Pensei que nós,
adultos fortes,
tínhamos a obrigação
de proteger
sua existência tão
doce e delicada.

Mas logo lembrei
que você venceu a solidão,
o ódio, a dor, o egoísmo.
Você é a vida, a luz,
o amor.

Foi então que percebi:
nós somos fracos
e você é forte.

Caio Bio Mello
04/09/2016

sábado, 20 de agosto de 2016

Titã, uma Lua de Saturno


Ainda és a órbita
de meus sonhos

Raio quente
de estrelas mortas

Por isso, desejo deter
o vagar constante
das constelações
                        a contravolução do acaso
assim te verei
contente de novo

E explodiremos, juntos,
a nossa supernova (perecimento do astro)

Superado o silêncio da explosão,
a                      cosmoneogênese

O brilho púrpura da imensidão galáctica
será nossa morada

Assim se aninham os meus sonhos,
mas deixaste a casa
com as cobertas ainda quentes

Seguiste teu caminho
e encontraste vida (serena) na longínqua
Lua de
Saturno

Eu, não sendo Titã,
Vivo a vida
que era
Tua,
Soturno

Caio Bio Mello
20/08/2016

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Vejo-te, sem ver a ti

Eu te carrego,
dormes tranquilo.
Teu prateado
                        ao vento.

Sonhamos tua voz
            mil palavras
num sorriso.

Eu vejo teus olhos
            que tocam a terra.

Estás num sonho
                                   com a imensidão das lúcidas estrelas
que nos atingem.

Vem a noite e me segredo.
                        Enraíza-te.

Sinto o cheiro serenado da memória,
            sol, almoço de domingo.

                        Encolho-me

o dia.
            Raios de árvore.
            Galhos-luz.

És tronco e folhas.
Sou criança e ouço tua seiva.

                        Aflora-te, primavero.

Lacrimejo tuas raízes,
o sumo que partilhamos.

Eis que frutificam
os bem-te-vis
que desabrocham
agora sei de onde vêm
e os tenho livres
em nosso jardim.

Caio Bio Mello
15/08/2016

sábado, 6 de agosto de 2016

Batacla

DOIS PARES DE BRAÇOS
DOIS PARES DE PERNAS
DOIS PARES DE DEZ DEDOS
NÃO PARAM DE BATER
BATER A TECLA
BATACLA

os pares as mãos os dedos as máquinas o dinheiro
a senha os salários as fileiras o calor

[Há pouco espaço para respirar.
A cada nova arfada,
ele sente o seu próprio hálito,
como um regurgito prematuro.]

CONFIRMAÇÃO
TECLAS VERDES TECLAS VERMELHAS
BOTÕES INDECIFRÁVEIS
BATACLA
COM SUCESSO

Caio Bio Mello
06/08/2016

A flor de pétalas azuis

Traz-me de volta à vida.

A flor de pétalas azuis
que bate asas, sobrevoando o silêncio.

Eu sinto o seu perfume correr
pelas minhas veias,
ouço o uivo de suas pétalas
na dança helicoidal da imensidão.

Conduze-me à luz,
leva meu corpo de volta para lá
de onde eu nunca deveria ter saído

Cá onde estou
                        há labirintos
            caminhos tortuosos
desconheço os limites

Posso despir-me de minha pele agora.

Estar nu comigo mesmo.

Rastejo e, no sangue, escrevo minhas palavras
meus versos

A planta cujas raízes aprofundam-se em meu coração
A cada batida
batida
batida
                                   sístoles e diástoles
batida

É mais forte que o álcool, que os foguetes,
                        é uma fome constante que tenho de algo que me pertence

De cor azul. Assim é o céu, o oceano, a flor. Algum automóvel.
Tenho pernas tortas, pés errantes (errar é humano).
                        Por isso, o bencaule. Meu pedúnculo.

Há um depósito imenso. Todas as caixas catalogadas, numeradas.
                                   Indispensável haver espaço.

É unifloresta, capaz de produzir todo o oxigênio
            de que necessito, por um período de um século.

Dizem que, no auge, é capaz, inclusive, de saciar a fome
            Mas isso ainda não me ocorreu. Sou famélico.

Sou eufórico. Desregrado. Por isso mesmo.

            Talvez, eu tenha perdido muita coisa.
Isso é o ideal. Espremer a pessoa até que lhe reste a essência.
                        Sobrevive a flor. Impressionante.

Caio Bio Mello

06/08/2016

sexta-feira, 1 de julho de 2016

A estrada de asfalto que termina na terra

Convergidos e enfrascados
bem nutridos
criam-se por si,
eletrodidatas.

Aparentais tecnocratas, mecânicos,
médicos, atuaristas.
Salto-altos e colarinhos
e corpos que não atingiram
a puberdade.

Imberbes negociantes,
a cotação oscilante dos biscoitos
produtos essenciais em alta nos tempos de crise.

Lotam-se pelos metropolitanos,
pelos puerocoletivos.
Quase não se ouve o talar dos sapatos
bem engraxados.

São pré-programados produtores obstinados:
desprovidos do ímpeto sexual
e longe dos questionamentos da meia-idade.

Atinge-se o auge da eficiência
à dúzia dos anos, conjugação
da experiência com o avanço dos estudos.

Depois disso, com o crescimento da barba
e o corrimento do sangue,
estão obsoletos.

O raciocínio é subjugado pelos corpos
que ganham força a cada dia,
tornando-se bestiais.

                        Há um longo caminho
            Que se envereda para além do fim do asfalto
                                   (terra profana)
                                               Para lá esmam os velhos de novo alinho
                                   Os dedos pelas mãos num novo apalpo
E as rasgadas roupas
            Não cobrem mais o corpo
                                               As  palavras poucas
                        Do alfabeto quase morto

Andam curvos
Catam frutos
Abandeiam
Escalam árvores

Reconhecimento
Reconhecimento
NO
VA
CAI
XA
DO
TEM
PO

SILVICOLIZADOS

(Um par de olhos é visto por entre a mata)

Caio Bio Mello
01/07/2016

sexta-feira, 10 de junho de 2016

domingo, 29 de maio de 2016

Ciranda do século XXI

Sequer te conheço.
Nos vimos.
Trocamos olhares.
Estamos juntos.
Apaixonados.
Estamos juntos.
Trocamos olhares.
Nos vimos.
Sequer te conheço.

Caio Bio Mello
29/05/2016

Mata

Há algo na selva
                        que corre
desliza no mato
olhos à espreita.

Que queres de mim?
                                   Serei a presa.
            O p(r)eso nas costas.

És animal caçador
                        inconfundível tato.

Tu tens de mim o cheiro do olfato.

Sou o silêncio, a falta de desejo
            desilusão.

                                               No inverno, os corpos tremem mais.
Há silêncios difusos e ideias mal colocadas
                       
                                   És meu pior castigo.
Meu fardo, meu amigo.
                                                           Tudo que sempre busquei, sem nunca desejar.

Essa ideia limitada, mal posta (colocada como a mesa da família que passa fome)
            Tens fome porque és selvagem. Vives de mim, de meu corpo.

Alimentação
de
meus nervos
seus dentes pálidos
cobertos pelo escarlate
das minhas tripas
evisceradas.

Hoje é dia de banquete.
            Mas todos têm sua vez.
                        Talvez reencarnes (um dia) como a presa
            que dilacerarei numa abocanhada

sedenta.

Caio Bio Mello
29/05/2016