segunda-feira, 25 de abril de 2011

Freiheit

Que sabem os céticos da sobriedade?
Que sabem os ébrios da loucura?
Sabem todos muito?
Sabem mais do que eu?

Sabem nada.
Deixam de saber.
Desaprendem tão rápido!

Chamam casa de casa
cachorro de cachorro
cocô de cocô e
juiz de vossa excelência.

Não conseguem ouvir o cereal
não conseguem contar os feitos antigos
não conseguem rir das coisas sérias
não conseguem verdadar a mentira feia.

E me irritam.
Ficam num mundo paralelo,
profano, distante.

Eu tenho meu mundo

tão errado
tão desconexo
tão irracional

que nem os loucos o entendem.

O que eu sei mesmo
é imitar muito bem o teatro da vida.
Sei dizer bom-dia quando vejo o sol nascer.
Sei dizer obrigado quando me servem comida ruim.

Sei segurar a porta pra velhinha entrar.
Sei amar de um jeito quieto que até os pássaros duvidam.

Sei calar o que sinto aqui dentro
com tanta força e com tanta coragem
que o teatro se faz completo.

Eu construí paredes tão grossas
que meus gritos dementes
não são ouvidos em canto algum.

Eu grito.
E tudo que me sai da boca é por obséquio.
Demorei um bocado pra aprender a fazer isso.
Antes tremia muito.
Queria falar qualquer outra coisa.
Pouca gente reparou.

Agora é muito fácil.
É só jogar um errare humanum est,
montar um handout bem detalhado,
e pedir a Deus um pouco mais de calma.
É só trocar a marcha quando pisa na embreagem.

E, na minha cabeça,
formigas giram no sentido anti-horário.

Não sei o que sou.
Não me sinto poderoso.

Sinto-me livre.
E só isso que importa.

Caio Mello
25/04/2011

Retrospecto

O estádio laranja
levantou suas pernas
e caminhou
até o descampado logo em frente.

A calçada magra
cantava a incerteza
de continuar suja.

As estrelas caíam e abriam
rombos enormes no chão.
Eram tijolos
cobertos por terra.

Os carros tinham asas
alguns até saíam do chão.

O mundo girou mais uma vez.
Perplexo eu.
A pequenez dos contos
desabrochou perante meus olhos míopes.

Eu, de vistas erradas, usava óculos.
Era, enfim.
A implosão permanente
do espaço perdido.

O carro era casa, era carro, era coco.
Era pouco. E eu, muito.
A água refletia meu rosto.
E o mundo era verde.

Verdejou novamente o campo.
Dependurava-me do parapeito do mundo
com os dizeres simples
de frases antigas.

Mas era um passado que me trazia conforto.
Era um passado que apoiava o presente,
não era um passado nostálgico e opressor.

As árvores vergavam e as folhas caíam.
Das coisas já sabia eu.
Talvez pouco, talvez em falta.
Mas já sabia.

E lutavam contra minha mente.
Duvidavam-na.
Bendiziam os alucinados.

Louvavam os desequlibrados,
cantavam os loucos.
Eu também era louco.
Só eles que não sabiam.

Eu, em minha pífia condição,
jamais poderia ser louco.

Sofri dupla opressão:
em minha classe, eu era um sóbrio
para os outros, eu tinha o aspecto alucinado
de alguém em eterno estado de abstração.

Alguma coisa sabiam de mim as pessoas
tantas pessoas! Tanta gente...
As grades formavam barcos brancos.
“Na vida perdida, perde-se a barca da vida.”

Eu reconstruí o mundo como quis.
Não foi difícil.
O que eu via era o que eu queria ver.
E, ao ver, eu o tornei real.

E, de tão real,
os outros passaram a acreditar em mim.

E foi assim que segui em frente.

Caio Mello
25/04/2011

domingo, 10 de abril de 2011

Zelito way of life

Zelito foi para São Paulo fugido.
Deixou pra trás um filho e um saco cheio de erros.
Na capital, estava protegido.
Nada mais fácil do que ser ignoto no desterro.

Mas o que fazer da vida?
Fazia muito tempo que não trabalhava.
E na sua mala só de ida
muito dinheiro não guardava.

Mesmo porque ele não tinha dinheiro pra guardar.

Um dia, andando pela rua
Zelito um pandeiro viu.
Perguntou isso aí é coisa sua?
Mas ninguém lhe ouviu.

Decidiu levar embora
o seu mais novo colega.
E já era mais de hora
de mostrar o que se pega.

Arranjou um cantinho só seu na Avenida Paulista.
Milhões de carros, máquinas, luzes, Mercedes...
Começou a fazer um ritmo.

Eu sô lá de meu Sertão
Sô fugido retirante
Sô fudido pobretão
Por favor me seja amante

Ame mais esse coitado
Que de poco não morreu
E mi dê o seu trocado
Esse troco que sô eu

Trago verso lá de cima
Pra cantar aqui embaxo
Trago verso mudo clima
Pra dizer o que é que acho

Ô seu culto motorista
Vê se pode abrir a mão
Não me passa só de vista
E me abre o coração


São Paulo. A urbe desvairada. Mendigos povoam suas curvas, baratas povoam seus ralos. Gélidos transeuntes povoam suas tocas. Uma grande massa cinzenta que por vezes esquece o resto do mundo. Um jogo engraçado entre ser muito importante e não ser ninguém. A falta de tempo pelo jargão do time is money. Algumas pessoas vivendo de favores, outras vivendo de usucapião. E o governo fingindo obedecer à responsabilidade fiscal.

Em pouco tempo,
Zelito arranjou plateia.
Não era muito difícil arranjar
gente para ouvir.

Tudo o que ali se tocava era em inglês.
Falar uns versos em português
parecia algo
importado.

Fez tanta fama o rapaz que
acabou gravando um disco.
Conseguiu dinheiro,
foi morar no Morumbi.

Tomava vinho português
Comia queijos franceses
Linguiças alemãs
Bacalhau com azeite.

E, depois de tudo isso,
só se ouvia ele cantar:

Hey babe, como anda a sua vida?
All right, eu me sinto super cool, cool.
E vamos nessa que eu tô de partida.
Hey! O Mambo da América do Sul!

Vem andar comigo pela Paulista
Vou botar os meus óculos escuros
Yeah, vem andar e ver a bela vista
Vem ver as flores plantadas nos muros.

Loira, me traz esse seu corpo branco
Sou homem straight, eu sempre sou um franco
Sempre no fundo serei goat da peste

Babe, aproveita o meu fast way
Você gosta de mim, eu sei, eu sei.
O sangue hot que veio do Nordeste.


Caio Mello
10/04/2011

Quadra

Essa triste muié feia
É bem chata que nem grito
Uma besta que arreia
Só me puxa num credito

Duma terra bem distante
Vem aqui ser chata à beça
Grita mais do que mandante
Da terra que vem na pressa

Vem e puxa e vai e volta
Faiz aqui e entra e sai
Finge fica bate porta
Fruta pode que num cai

Quero vê muié bunita
Quero vê as praia cheia
Tão gostosa que irrita
Me parece até sereia

O que vejo é só arêa
Dessa terra muito dura
E de noite noite e meia
É as muié qui nóis procura

Vai sabê onde se esconde
Vai sabe prondié que vai
Dá pra rei e dá pra conde
E depois só grita “ai”!

Vô te contá das mintira
Que me contaro onte noite
Esses homi só na pira
Bate forte feito açoite

Muié feia muié feia
Eu quero não quero não
Quero sangue corre veia
Bate forte o coração

Caio Mello
10/04/2011

Meia hora

Silêncio dos pássaros
Quietude dos homens
A mente vazia
Pensar escorrendo

A falta de nexo
O grito do sexo
Pessoas perdidas
Em braços e pernas

Eu. Silêncio. Vazio. Pessoas perdidas em braços e pernas e lençóis e tiros calados. Os verbos erráticos de poemas rotundos. Pesa-me, majoritariamente, o olho direito. Uma selva elétrica pulsa logo atrás de meu ouvido. O barco encalhado mescla-se com a igreja taciturna. Alguns traços em bege, preto e branco saltam cautelosamente aos meus olhos. Tenho medo. Medo. Medo.

Acorde com nona
As teclas brilhando
A palheta solta
E ser só ali

Preocupo-me. Começo a desatar-me rapidamente. A gente. Gente. O ente que em mim é em ser-se e deixar de ser. Estou fraco. Estou fraco. Estou fraco. Sou fraco. Começa-me a passar pele mente uma imagem. A princípio fraca, que vai aos poucos crescendo dentro de mim. É uma mão, já antiga. Ela, vincada. Ao fundo, talvez terra, talvez não sei mais o que... A mão fecha-se. Seus dedos são esguios e vincados. A mão treme ao tentar fazer força, fraqueja, quase não aguenta... Mas mantém-se. Depois, chuva.

Eu, torrencial
Uma imagem mista
Terra enlameada
Triste temporal

O dilúvio desfaz-se lentamente. Um oceano. Gigantesco mar, infinito oceano. O ser humano. A ser a cada ano. No começo, no meio e no fim. Assim, de ser em mim e nunca mais. Queria ser. Queria ser. Até as letras desejavam. Mas fraquejo. Mais uma vez.

A vez, fraquejando.

Caio Mello
10/04/2011

sábado, 9 de abril de 2011

Jogo de vista

O que me sobraram foram tristezas e discórdias. Há muito dentro de meu coração que eu queria ter dito, mas não disse. Perdoem-me, por favor. Depois te tantos anos, sobram-me apenas a pele caída e os olhos já secos. Por dentro, sou forte, tenho a força que sempre tive desde jovem. Mas os braços... E especialmente as pernas. Elas não querem mais me levar para caminhar numa manhã de sol pelo parque. Praias parecem-me eternas batalhas. Acho que minhas amigas simplesmente cansaram de carregar todo o meu peso, todos os meus antigos desejos – agora enclausurados – e todos os meus erros. Sim, tive tempo suficiente para errar. Não diria que fiz da minha vida um erro, longe disso. Mas a vida é longa demais... Por diversas vezes, você anda e anda e anda... Sem pensar muito. E, quando você para, olha para trás, você vê o que deixou. E aquilo que inunda seus olhos não foi bem o planejado. Eu não diria que sou maduro, diria que sou duro. Antes, ria com facilidade. Eu falava muito, brincava muito. Hoje não. Não consigo mais. Parece que cresceu-me por cima da pele já caída uma camada áspera de personalidade.. Não sei explicar. A vantagem de ser jovem é não ter tantas lembranças para se carregar nas costas. Eu acabei ficando preso entre as minhas lembranças. Não sou saudosista, não é isso que quero dizer. Mas essas memórias pulam perante meus olhos, saltam no mundo quando querem... E eu preciso lutar contra elas. Onde antes havia uma risada, agora há uma imagem antiga. Ela vem, cética, agressiva. E eu preciso ser ácido para lutar contra ela. Se não for forte, ela ganha de mim. Não peço que vocês entendam, vocês não viveram o que eu vivi para entender. E, talvez, nunca viverão. Há vários caminhos a serem trilhados. Certo ou errado, eu fiz o meu. Por isso, vocês têm grande chance de nunca entender por que razão que fiquei desse jeito. Mas isso não faz diferença. A única coisa que lhes peço é que me respeitem. Olhem para mim, olhem para minha pele vincada, olhem para meus desacertos: me respeitem. O que há de mim em mim dói. E essa dor não há de ser explicada. A dor cresce em nós na surdina, paulatinamente tornamo-nos sérios. Acho que a vida faz muito bem em acabar uma hora. Se vivêssemos para sempre, chegaríamos a um ponto de não suportar mais nós mesmos. Minha mente precisa de guerras. Meu corpo só precisa de descanso. E bruteza do mundo real irá mostrar à minha mente que ela não precisa mais lutar. Pergunto-me se mudaria qualquer coisa em minha vida se pudesse voltar atrás... Decisão difícil. Não me considero triste, nem depressivo. Não me considero errado, nem pior do que muitos. É fácil falar do futuro quando se vive do presente. Difícil é falar do passado quando já se vive no futuro. Acho que batalhei muito, isso é o que importa. Pintei um quadro com as tintas que me foram dadas. Tive sorte, tive amor, tive sexo, tive filhos. E isso ninguém mais pode apagar. E agora, abre-se perante mim o fim das coisas. Não sei o que há daqui para frente. Nem sei se é bom saber. Espero pacientemente qualquer mudança, sendo acompanhado pelas minhas chagas. Meus conhecidos morrem sequencialmente, morrerei também. Deixar a Terra e voltar para a terra será, ao mesmo tempo, aliviante e nostálgico. Aliviante porque outros bichos hão de comer meus erros e fazer-me esquecer e nostálgico porque não terei mais a chance de errar.

Caio Mello
09/04/2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Quinze minutos

Quinze minutos para fazer um poema.
Só quinze, mais nada.
Rodas correm,
motores rugem.

Pés passam, ilimitados.
Em pares, em muletas,
em sapatos, em solitudes.

O que? O que? O que?
Não aguento o andar do tempo.
Passa, não me deixa respirar.

Aflito, afoito, afônico.
Minha mão permanece inerte.
Minha mente há muito
tornou-se repetitiva.

Será que morreu em mim o verso?
Será que calei-me sem o saber?
Será que nunca mais conseguirei
abrir rimas como sem abrem as manhãs?

Minha criação nunca foi nada.
Nunca teve pretensão de ser.
Então, se deixar de ser para todos
e ainda ser-me maravilhosa,

ainda terá seu mérito.
Bom, que me venham
os versos no momento propício.

Ainda mais doze minutos...
E agora?
Deixo a ideia de lado?
Começo uma nova?

Impossível lutar
contra a objetividade dos relógios.
O lirismo era muito mais vivo
antes do homem contar o tempo.

Antes contávamos histórias,
agora contamos o tempo.
Que pena.
Tanto desperdício.

Cremos estar usando o tempo
ao decidirmo-nos por
distribuí-los igualmente
ao longo de segundos.

A falácia moderna
do time is money.
Times has corrupted my poetry.
And has given me no money.

O tempo cura por si só,
ele não cura por ser contável,
nem por ser finito,
nem por ser inteligível.

Táimi is mônei.
Or nóti.
Dez minutos.

Dez minutos
dez versos
dez segundos
sete suspiros.

Pensa, pensa, pensa...
Como fala essa gente,
não dá pra pensar...
Como faz barulho.

Mas a poesia é também
barulho.
Incomodada pelos
efeitos incalculáveis.

Já sei. Vou parar de escrever
por três minutos pra ver
se tenho um ideia.
Aguentei quinze segundos.

Guardo-me, então,
para pensar em outra hora.
Agora que fique o silêncio das palavras
em luto às histórias perdidas
que os homens deixaram de contar.

Caio Mello
06/04/2011

terça-feira, 5 de abril de 2011

Desejos

Não sei dizer-te o que desejo,
nem mesmo como desejaria.
Antes da vontade
tu estás perante meus olhos.

Tuas pernas
que me passam misteriosas
num andar
sério de quem se perde.

Eu, perdido, também.
Acho que ninguém
se encontra jamais
em momento algum.

Meus toques suavizam
todos os detalhes.
Assim se fazendo
tão delicadamente curvos.

Pergunto-me, de novo,
o que procuro?
Procuro-te, quem sabe,
procuro o procurar.

Talvez eu deseje
mais o próprio meio do que o fim
talvez a dúvida consuma-me
e me faça durar para sempre.

E, assim, sou eterno
e tu, sempre minha.

Caio Mello
05/05/2011

domingo, 3 de abril de 2011

Descoberta

Eu sempre achei
que o nó do cadarço
era o mesmo pra todo mundo.

Caio Mello
03/04/2011

Solidariedade

As cores vão sambando
vão assim
de quando em quando
e não sou eu que mando.

Pulam pra cima
detrás de volta
a volta uma pirueta
e parece tudo coisa junta.

E o som de fundo
undo undo undo undo
patch patch tom patch
bate bate som bate.

Eu achando engraçado
toda essa mistura
tudo se perdendo
como se a tinta escorresse.

Tão fácil assim dar voltas
simplesmente escorregando
devagarzinho
pelas coisas tingidas.

Eu levanto as mãos num movimento
que ninguém entende.
Eles não veem
o que eu vejo.

Eu vejo sozinho.
Tem que ser assim, né.
Queria alguém pra ver
também. Mas...

Deixa pra lá.
Tá engraçado desse jeito.
Tem gente que dá risada também
mesmo sem entender.

Legal, poxa,
pelo menos não tô sozinho.
Dá risada, vai...
Ri he he he de novo.

Mas eu nem ligo pra eles.
Ligo pras coisas ali.
Juntinhas, mistas,
passando o som.

O chão parece um oceano
e os barcos singrando
mares nunca dantes navegados.
Bonito, muito.

As colunas vergando
como mãos gigantes,
descendo
flexíveis.

Sorrisos flutuam
num jeito gostoso.
Braços, pernas,
jogos intensos de luz.

Bem tranquilo.
Não preciso de mais nada.
Olha só que bonita
essa noite que eu tenho.

Caio Mello
03/04/2011

Passa ela

Menina doce dos meus olhos
com sorriso de canto de boca
que sabe o que quer,
se decide sozinha.

É suave, é doce,
joga olhares devagar.
Sem pressa,
rindo da vida e de mim.

E eu dou risada também.
Que a graça existe
pra gente ver andar
assim bonita pela rua.

E a rua se enche toda de cor
se enche de alegria
numa tarde de sol
que só de Deus viria.

E você, meu anjo,
tão complicada e fascinante
simplesmente me devora
com vontade e cachos.

Essa mania de sair da sala
e deixar ainda sua presença
um cheiro doce
que me faz lembrar.

É um simples desejo
pequena vontade
que eu lembro
assim antes de dormir.

E antes de sonhar eu sonho.
Sonho acordado quase,
sonho você me sonha
e de sonho a gente dorme.

Acordo no dia seguinte louco
o sol chegando singelo
pela fresta da finestra
os travesseiros pelo mundo.

A gente se vê um pouco
e de muito esqueço seu rosto.
Se não consigo lembrar
é de tanto ver que me perco.

Parece que me queima
a imagem na minha cabeça.
Vira livro gasto que acaba
esfarelando.

Então, só fico com mais vontade de te ver.
E singela passa ela
passarela passam olhares junto
atrás e aos poucos.

As cores tantas desse mundo
a sua certeza de ser
me deixa com vontade
de para sempre ser a tarde.

Caio Mello
03/04/2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Autoativo

Ela sorria
com toda a delícia que conseguia
em seus beiços suaves.

Sorria de um modo simples
falava baixo
como se guardasse segredos.

Parecia entender verdadeiramente
o andar das coisas.
Tinha paciência.

Eu, nervoso, frenético,
saltava, rugia, apontava.
E acabava no mesmo lugar.

Ela me olhava,
daquele jeito tão único
duma mescla profunda.

E eu acabava me rindo por dentro,
sabendo que tudo que eu fazia era em vão.
Ela era muito mais que eu.

Construí mundos paralelos,
pintei mil cores no universo,
fiz poderosos discursos.

E não mudei nada. Nem ninguém.
Mas ela me mudou.
Deixou em mim desejo irrenunciável.

Choquei-me por diversas vezes,
mas não tristemente.
Choquei-me numa alegria de me redescobrir.

Descobri que não sou ninguém.
Maravilhosamente ignoto
e com ela em meus desfazeres.

Caio Mello
01/04/2011

Aquafonia

As bordas perdiam o nexo
num jogo maravilhoso
de cores e matéria.

Os detalhes suavizavam-se,
jogavam-se num baile
doce.

Eu, que achava ter tanto controle,
encontrei-me imerso nesse
novo mundo.

A plasticidade imperou, recriou versos,
entortou as ruas,
vergou os prédios.

Fiquei inerte.
Estupefato, somente respirava.
Era um sentimento de contemplação.

Ou seria medo, angústia?
Difícil de definir.
Mas a verdade era que ele tinha um fundo maravilhoso.

Eu sentia prazer.
Sentia-me uno com as curvas,
total nos meus feitos.

Eu podia alcançar os arranha-céus
num mero jogar de dedos.
Podia sentir o gosto do vento.

As ondas vinham suaves sem muito dizer,
verbavam seus desejos
e eu ficava à dervia.

Quase me perdi.
Por pouco não consegui nadar de volta.
Ou pensar de volta.

Mas, no fundo, a vontade era de
ficar por lá...
Deixar o mundo como ficou nesse jeito.

Foi então que descobri que
esse mundo
e o outro

são iguais.

Caio Mello
01/04/2011