domingo, 13 de fevereiro de 2011

Penitenciária

Atrás das barras de ferro, todos eles
eram pares de olhos alucinados
com um pouco de noite e um pouca de dia
a cada dia.

Esses olhos podiam ser vistos de fora da prisão,
todos brilhando como faróis a buscar a liberdade muro afora.
Comiam muito mal. Dormiam pior ainda.
Em minúsculas celas, os homens empoleiravam-se onde podiam.

A não ser os detentos de elite.
Os presos mais respeitados
eram quase nobres
tinham celulares, poder, mulheres e cicatrizes.

Mas em um aspecto
todos convergiam:
errar não podiam.
Um erro era a morte.
Mantinham-se quietos,
tensos e furtivos.
Drogavam-se para
poder se esquecer
e tremiam para
poder se lembrar.

Facas, vidros, estiletes, barras de ferro, pistolas,
seringas: nada faltava.
E a névoa da fumaça subia, num eterno torpor alienante.

Mas um dia deu-se um caso.

Um detento João-Ninguém-Roubei-A-Mando
acordou diferente naquela manhã.
Assustado, decidiu olhar-se no espelho.

Conteve seu choro.
Ninguém ver podia.
Uma aberração.
Pegou um boné,
tentando esconder.

Mas não tinha jeito, logo na primeira revista foi descoberto.
Um policial o encarou, sussurrando:

“Ora vejam só...
Tem esse demente
Um par de orelhas!
Orelhas de coelho!”

Tentou-se alcançar o médico do presídio,
mas ele estava sempre em sua hora de almoço.
Os chefes do tráfico reuniram-se com
os policiais para decidir o que fazer.
Decidiram arrancar-lhe as orelhas.

Com um facão cego
e um golpe abrupto
foram-se as orelhas
num banho de sangue.

O pobre homem não aguentou o sangramento
e morreu no mesmo dia. O caso foi dado como esquecido.

No mês seguinte, foi a vez de um dos líderes do tráfico.
Dessa vez, a mídia esteve presente, um médico
europeu foi contratado e o detento transferido
para São Paulo e, de lá, para o hospital Albert Einstein.

A cirurgia foi um sucesso.
Mas, no dia seguinte, os pontos recém feitos cederam lugar
para um novo par de orelhas.

E agora ele tinha um rabinho também.
Os médicos começaram uma quimioterapia.
Depois radioterapia. Acupuntura. Homeopatia. Reza.
E nenhum resultado.

Na penitenciária, os próximos cinco a ganharem orelhas
foram assassinados na tentativa de conter a moléstia.
Mas não tinha jeito.

Em dois meses, todos os detentos já tinham orelhas, rabos
e muitos começaram a se curvar para andar.
O líder do tráfico fugiu do Albert Einstein
e se jogou na frente de um carro, morrendo na hora.

O clima no presídio melhorou muito.
Os guardas não eram mais corruptos
não havia mais drogas
não havia mais armas.

Um novo detento levava, em média,
três meses até a transformação completa.
Ao fim do primeiro mês,
já não conseguiam formular uma frase direito.

A segurança estava ótima.
O médico fora trocado por um veterinário
que sequer saía para almoçar.

Além disso,
bastava alimentá-los com cenouras e comidas saudáveis,
fazer-lhes um afago ocasional
e limpar o cocô em forma de bolinha.

Caio Mello
11/01/2010

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