segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Schattengarten

 Desconheço teu

            jardim

de espinhosos meandros.

 

Os galhos cospem

            a seiva de piche.

 

Rastejam quadrúpedes veículos

                        com motores rasgantes de audição.

 

Já perdi minhas chaves nas folhas

                        entre a relva e o carvão

                                   dos caminhos que desfamiliarizo.

Na selva, não encontro portão.

A perda a resvalar entre releva ou revela.

 

Mostram-se translúcidos atos fuscos

            entremeados na fumaça (tropical fog).

 

Não sei mais discernir

            e meus pulmões, que antes enchiam,

                        chiam sons estridentes.

 

Restam meus dedos

            que cravejo fundo no solo putrefeito.

Enraízo minhas falanges na ânsia por osmose,

                        mas não há absorção.

            Eu, absorto, observo. Então, cavo.

                        Rasgo um vácuo novo, recente,

                                   e descasco aquela terra imunda

                        até abrir rombo o suficiente

                                   para dar à minha sombra a merecida cova.

 

Caio Bio Mello

21/12/2020

domingo, 2 de agosto de 2020

Messiah

Cammina sull’acqua
che così andrá tutto bene.
 
De mãos abertas e virtuais abraços
            eletronicorreios
Within one terabite of affection.
 
Não há cura para a distância,
mas vacina-se a saudade.
 
Ich fühle nicht nur Sehensucht
aber auch Hautsuch.
 
Então, que me pés semeiem
pontes de vento
dalla nostalgia al cuore.
 
Caio Bio Mello
02/08/2020

quarta-feira, 29 de julho de 2020

2020

You may ask:
“Do I need
To wear a mask”?
Well,
It’s a simple task
‘Cause no
Chloroquine flask
will save your ass.
 
Caio Bio Mello

29/07/2020


quarta-feira, 15 de julho de 2020

Das Unterseeboot

Ich mag es, dass wir
zusammen sind.

Wouldn’t it be nice?
Just rowing and drifting.

Como salpicar as palmas
na água gélida do primeiro raio.

Das leben ist verdammt
und wir haben nicht viel Zeit.

Doch... Sempre é tempo
no barco do quando
a navegar
pelo Rio Amazonas
            que rasga a América
from west to east.

So let’s feast
desclepsidrar o que nos resta.

Aqui, do periscópio, até parece uma festa.

Caio Bio Mello
15/07/2020

Terra


Aprofundo
meus pés na relva.

Caço árvore
de seiva única
            enraizada em mim.

Engalfinho-me nos galhos
                        oscilo-cipó e atinjo a polpa.

Colho o fruto
saboreio o conteúdo
                        entrelaço meus dentes e seu fago.

Esse rito pedúnculo
            ensementeia minhas mãos.

São, planto o grão
que
cresce,
floresce, robustece.

Grão raiz
raiz caule
cubro com o rubor do orvalho
caule tronco.

A reza breve
por agradecer o sacrifício.
            Deito o tronco ao chão.

A lasca afasta
a arisca
            casca.
Cascando, eu canoo.

Minha microembarcação apronteia-se
rápida
e já desliza sull’acqua.

Cá, canoo.
Basta um remo para irmos a esmo ao ermo.

Chego sem demora.
            Aceno ao oceano em festa. Estou.

Meu corpo se enguelra.
Esgueiro rápido nas correntes.
Pelicanos me pelicam
estou desfeito
em mil milhões de farelos.

Sou a areia na praia, a construir os castelos
nos sorrisos dos pequenos.
O piso de enraiar as palmeiras.
A carícia à beira-mar.

Sou o céu e o sal.

Caio Bio Mello
15/07/2020

domingo, 17 de maio de 2020

Se fores cavar
            mede bem o diâmetro
                        e cuida para não entornar retângulo
pois, de poço, far-te-ás um túmulo.

Caio Bio Mello
17/05/2020

Formigamento


Não se ouvem passos na rua
mas há um ronronar sereno
do mundo que ainda teima em dar giros.

E eu, ao estender as pernas combalido,
traduzo-me a mim mesmo
no desnovelar de apenas tentar existir.

Cerro os olhos, descanso a voz
e manteio-me da escuridão.

Mas ainda assim
por mais que me afogue
me rasgue
angustie-me
            ainda permaneces.

Tal ponta de agulha, profana e profunda,
perdida imunda
após um procedimento bem-malsucedido.

Congratularam-me,
            chamaram-te de dom.
Meu inato salvo-conduto
            beneplácito para costurar o discurso das almas.

Mas só eu te conheço.
                        Carreguei-te e senti teu peso e,
            ao invés de calejar-me as mãos, calejou-me a alma.

Não.
Não és um dom.
És maldição, maldizer, dissabor, compulsão.
Enfiei tua cabeça embaixo da água, no lodo da rotina,
                        na putrefação dos outros vícios
mas permaneceste.

Nem mesmo errando consegui te acertar.
Ainda nesse mísero aspecto venceste de mim.
Se sou delével, sobrarás após minha carne.
                        Meus sete palmos serão teus sete prêmios.

Pois que te sirvam de desconsolo
            meu uivo e meu silvo
                        (o fruto do teu escárnio)
            para que eu possa me vingar
e sufocar também o sono que me roubaste.

Caio Bio Mello
17/05/2020

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Bioláxia


Em meus sonhos
sou poeira cósmica e estrelas
e, de olhos abertos,
tudo é translúdico.

Caio Bio Mello
11/05/2020


domingo, 10 de maio de 2020

Broto


Parte 1 – Bracejar

Uni as mãos em prece
            e bracei na terra
macia
                        em posição de pinça
semeando o solo com teu futuro

Não era de mim te dar vida
            pois já te habitam os raios
Mas adveio-me para ti
                        o primeiro caule

Também não houve regular rega
porque a natural pluviometria
            há de ser inconsistente

Brotaram-te
            ladinos como onças
entrelagalhos
                        e eu os caçava pela manhã
            desenhava-lhes a rota
para traçar vértice
            entre minhas folhas e tuas veias

Parte 2 – Chuvar

Se eu pudesse
            descrever a dor daquela manhã
Ao sacar meus olhos e lançá-los em tua direção

Não estavas mais completa
                        Arrancaram teus galhos
Sobrou-te a cepa

Quão ruim é o homem para escalpelar teu tronco?

Parte 3 – Remar

Continuei saltando meus olhos em tua direção
ao meu despertar
            fluindo fé
                        e criei rumos como fazem as formigas

Não sei se foram as lágrimas
            ou as palavras

Mas bem sei que no segundo solstício de inverno
desde que te deceparam quase todo o tronco

                        Rachou-te o toco grosso
e brotou entremeado e verde
pequeno caule
            torcido e franzino

mas presente

E eu, que achei ter visto a morte,
voltei a ter-te com boa prosa
pelas manhãs

Caio Bio Mello
10/05/2020




O Maquinista


Para meu sobrinho Arthur

Ensinaste-me o enorme valor
das pequenas coisas.

Uma tarde no piso de madeira
a construir trilhos em sequência
desimportante para onde
mas importante com quem.

És o melhor em urdir caminhos
e me mostraste
que talvez a vida seja mesmo cheia de curvas
sem que precisemos saber por que.

Quem me dera ter teus trilhos
tê-los todos
hoje
para que eu pudesse montar caminho
até tua janela
assim permitir
ouvir teus conselhos sobre a vida
e reaprender como se existe.

Mas, por agora,
sei que não podemos nos rever.
Então, guarda teus conselhos com carinho
que logo já volto e te dou meus ouvidos.

Até lá, não te esqueças de fechar a porteira
e de guardar teus trens no fim do dia.

Caio Bio Mello
01/05/2020 (quarentena)

Adubo


Terra
            chão
                        o piso de meu pé
onde finco
                        enraízo e sinto
                                   conjunto

Solar esfera
            de meu canto
                        onde meu rebanho pasteia
            em que me banha o solo
                        arreganha o caule
                                               e brota a flor

Minhas marcas em léguas
                        para onde sozinhos se calçam os sapatos
            poeira sã que sei o cheiro de longe

Canto do mundo
            meu mundano profundo

Terra minha.

Caio Bio Mello
01/05/2020



domingo, 5 de abril de 2020

Pan Demia


De início,
apenas eram
notícias nos jornais,
cifras e números.

Não se temia
aquilo que era silêncio
e invisão,
abiótica capa lipoproteica.

Mas, de um bote feroz,
sem aviso nem pudor,
a moléstia pandemizou as vidas.

A palavra era precau-solidão.
Como se isolar, se cada humano é arquipélago?
Consobreviver era preciso.

Os números tornaram-se rostos
amigos
memórias.
O vírus inumano
 inumou.
Portas fechadas e covas abertas
de raso silêncio.

Não nos deixaram sequer lamentar nossos mortos.

Contudo,
tempos depois,
romperam fármacos.
A posologia da esperança.
Finalmente vacinada,
voltou a vida a viralizar.

Foi possível, então, retomar as ruas.
Os vivos inalaram a existência
como se fosse ópio o próprio ar.
Existir era júbilo.

E, depois de satisfeito o regozijo,
aos poucos a rotina
urdiu os ânimos
dia por dia
mês por mês
            até que os imunizados esqueceram
                        que sofreram tanto
e que puderam enxergar, ao menos por um minuto,
            que a vida é linda e estar vivo é estado de exceção.

Caio Bio Mello
05/04/2020



domingo, 2 de fevereiro de 2020

Encanto


Se pudera
            tê-la
em minha tela
                        tê-la-ia
                                   capta
Sereia
            na areia
                                   seria
             ela
minha bela.

Caio Bio Mello
02/02/2020

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Dia dos namorados

Um. Dois. Três passos.
Sim.
Essa era a distância exata.

Avoca a cava
            enquanto cavoca.
A cabeça da pá submergindo repetidamente.
                        Um respiro a cada terra.

Mas atenção! Há de limitar-se
à profundeza do profano
            o suficiente para encontrar o humano.

Sim. Bem rasinho. Dois palmos
                        (mas foram tantos planos)
Algo surge no meio da terra e dos gravetos.
            Pequenos pontos
brancalgo(dão).

Ele se ajoelha, como se bravejasse a reza.
            Mas não há cristão, nem carpideira.
Hoje não é dia do Senhor.
É dia de festa.

Com gestos delicados,
ele vai desquebracabeçando o vulto.
            Agora já se veem os braços, as pernas, o tronco.

A última etapa é emergir o rosto.
            Ele sente o cheiro,
                        um misto de terra fresca e saudades.

Desesparramada, estava ela lá.
Parecia exatamente como da última vez que haviam se visto.
            (o efeito da saudade)

Ele levanta uma pálpebra com o indicador e a outra com o polegar,
            num gesto fugaz concomitante.
No fundo de ambos os globos oculares,
            já não existe o pretume (aquele de costume).
Há uma névoa cinza.
            Tão cinza
            e tão névoa
            como se uma aranha fizera do olho morada
            e ali pitasse um fumo.

Oi, querida, disse ele.
            Caçou-a em seu colo, trazendo seu rosto junto ao peito.
O curioso é que, antes, ela parecia ser leve como pluma.
                        Agora, o peso era outro.
Mas não se comenta o peso de uma mulher, pensou.

Abriu a porta do carro, estacionado ao lado.
            A vaga-luz interna do veículo varreu a terra revirada.
Uma cova reaberta, útero puerperal.

Sentou-a no assento de passageiro.
            Colocou o cinto de segurança
                        (todo cuidado é pouco quando se ama).
Entrou também no carro. Girou a chave e o motor pipocou.

Vem, meu amor, tem um bar novo que quero muito te mostrar.
E acelerou.

Caio Bio Mello
16/01/2020