sábado, 18 de setembro de 2010

O Roxo

Era uma rua de asfalto
topo dum murro bem alto.
Os carros de vez em quando
vinham passando, passando.

Nada mais concreto do que o próprio concreto.
Árvores algumas havia, com seus topos verdes a colorir
o cinza da calçada e o marrom dos tijolos.
As janelas escuras segredavam vidas.

Veio vindo num passo sabido
um moço de paletó roxo, carregando uma bengala dourada.
Era ruivo, barbudo e de cabelo cacheado.
Tinha uma cartola vermelha e roxa que estufava seu cabelo.

Som. Olharam-no as casas
com olhares covas-rasas.
Muita cor tão de repente
tão depressa assusta a gente.

Bem-te-vi não quis cantar.
Era silêncio no ar.
Mas corajoso era o moço
Com olhar de um colosso.

Ajeitou sua roupa roxa.
Respirou fundo, passou a mão pela sua barba espessa.
As coisas não intimidam as cores,
nem o asfalto cala o homem.

De supetão, ele desabou a falar:

“Ó coisas, ó coisas. Perdoem a interrupção! Mas há certos detalhes, ó coisas, que não se calam pela razão. Ó coisas, atenção! Eu venho de repente para salvar essa gente. Preciso dum falar quente para entrar em toda mente. Sente, ó coisas, essa gente sente. Não se enganem, nem tentem me enganar. A vida arma-se em seus arames de ferro, numa estrutura de leve vaguidão e incerteza. Porém, segue tudo com a maior destreza, como se pelos detalhes em defesa. Ó coisas, vocês não podem impedir o ímpeto imperioso desso povo. Eles vão viver de novo e de novo e de novo. Não importa o que vocês digam, não importa quem vocês matem, não importa quais cores vocês desbotem.”

Continuaram as árvores quietas.
Mas algumas janelas começaram a tremer.
Vaguidão?
Não. É uma desilusão.
Tudo sempre se baseou na razão.
Incerteza? Que despesa de tempo!

Quem diria!
Um homem colorido surgindo assim
num sábado tão quotidiano para entreter a loucura das coisas
com sua voracidade sagaz.

Uma casa pensou tomar postura
e acabar de vez com essa loucura.
Dura, não sabia vida insegura.
Uma casa louca a morte procura.

Fez toda a estrutura tremer na base
já quase se arrancando do chão, quase,
pois era um sacrifício do cimento
para não dar vazão ao pensamento.

O homem roxo nem sequer se mexeu.
Já sabia qual o destino seu.
Quem tem coragem não lida com sorte.

Cimento veio abaixo como um soco,
matando o roxo num forte sufoco.
Quem traz a verdade merece a morte.

Caio Mello
18/09/2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Não

Não escreverei aquela mesma poesia.
Aquelas mesmas palavras,
antíteses clichês e
metáforas hiperbólicas.

Não dexarei que minhas palavras
caiam na mesmice!
Antes a loucura do sonho
do que a repetição da qualidade.

Ao se repetir um padrão,
perde-se o brilho do novo.
Antes errar experimentando
do que redundar nos mesmos versos.

Também não darei ouvido
a certas palavras que são,
dentro de mim, mais fortes
que as outras. O lirismo deve ser igual para todas.

Não revisitarei sentimentos antigos,
pois já foram escritos.
A poesia do passado não deve
residir na tinta ainda não gasta.

Não passarei horas a rever quem sou.
A melhor poesia está na gente, nas ruas,
no Amor maior, não no amor
que se tem por uma pessoa.

Não perguntarei para todos
se minha poesia é boa.
Boa ou ruim, ela existe.
(buscarei a poesia)

Antes o inverso do que o usual.
Antes a vida do que o intelecto.
Dentro a poesia de tudo.

Caio Mello
11/04/2009

Alinhamento

Mais um passo
mais eu faço
mais eu peço
mais confesso.

Caio Mello
03/03/09

Poema cínico

rezaf arap adan met oãn etnemlaer êcov, mif o éta esarf atse uel êcov eS.

Caio Mello
03/03/2010

O poema prático

O poema prático


























Caio Mello
05/02/2009

Maria

Ê, Mariazinha!
Aonde tu vai com esse dinheiro?
Num dá nem pra comprá dois pão.
Marieta, deixe de esquisitice, mulher!
Onde já se viu mulher empetecada
como tu pegar o dinhero dos outro?
Agora não precisa ficá acabrunhada
de assim, não! Vixe, Mariainha.
Tome logo o dinheiro, então, vá!
Como agora não qué mais?
Dinheiro roubado tem cheiro bom,
mas dinheiro dado tem cheiro de suvaco, é?
Hein? Deixe de meiguice, arteira.
Tô te dando esse de bom grado
só porque já vi o cão do avesso
e sei que tu ainda tem jeito.
Mas tem que trabalhá!
Nada de surrupiar a fortuna dos cabra.
Vai, rearranja, ande!
Isso memo!
Ainda é meio expediente
e eu quero a tua carinha amofunbada
aqui no serviço até o fim do dia.
É bom ter uma bichana como tu
por essas bandas, não sabe?
Traz cliente bom.
Eu que não quero é mais nada.
Hoje sô velho e lazarento.
Isso é lisonjeio teu.
Deixa de firula e vai trabalhar, Mariqueta!

Caio Mello
12/01/2010

domingo, 12 de setembro de 2010

Contrapeso

Ele aperta o botão, que torna-se vermelho.
Parado, espera. Bate o pé, tem pressa (todos têm).
A porta se abre. Ele entra. Fecha.
Dentro da caixa, aperta mais um botão e ascende.

A caixa de ferro solta um zumbido queixoso e depois um estalo.
Ele está cansado, o dia foi longo.
Uma parada antes do desejado.
Alguém entra, uma mulher jovem.

O substantivo mulher é tudo o que ele sabe, nada mais.
Ele já vira diversas vezes a moça (bonita!),
ela também mora ali.
Mesmo assim, dela nada sabia (para que saberia?).

Nossa, hoje o dia está quente... Começa ela
É... Parece que amanhã vai chover... Ele retruca, polidíssimo.
........... A caixa para de novo.
Deixando um até logo, sai a bela moça rebolando.

Ele suspira longamente. Estende os braços, espreguiçado.
Repreende-se pelo ato, a câmera dentro da redoma
de vidro fosco o vigia,
só Deus quem o vê.

A câmera olha sempre de soslaio,
sempre irritando e nunca claramente perceptível.
Ele decide encará-la, enfim constatando que
engrenagens não se intimidam assim tão fácil.

O porteiro gordinho deve saber muito da intimidade
dos moradores. Ele possui um olho mágico.
Por que viver tão alto?
Ainda falta uma boa subida.

Ele olha para o relógio.
Para que olhar? Ele já sabe de antemão o horário.
Porém, o vício o subjuga.
Libera mais um longo suspiro.

Outra para inusitada, mas que falta de sorte!
Um senhor manca lentamente
enquanto ele detém educamente a porta.
Fecha-se a porta.

O velho parece resolutamente calado.
Ele nunca vira o velho ali,
não poderia morar ali.
Admitiu para si próprio que não conhecia todos os moradores.

A porta abre-se finalmente para seu destino.
Ele desce da caixa, ela oscila ligeiramente.
Despede-se do velho maquinalmente.
O metal segue rumo.

Tateia a calça, em busca de chaves.
Enfim, em casa.

Caio Mello
17/07/2008

Milho

Você que ri por fora e chora por dentro
você que sente falta de algo que nunca teve
você que pede um obséquio e não o ganha
você que tem uma casca dura por cima do ser.

Sim, você está certo. O mundo está perdido,
mas entenda que ele não se perdeu há pouco.
Seus pais já foram concebidos num mundo
danado, tal qual seus avós e mais.

As pessoas parecem não querer amar, relutantes em
viver a vida plena. Você vai ficando velho e, com você,
seu sonho inconcretizado.
Há muito você desistiu dele (mas sabe que é mentira).

Você ainda ama e ama muito. Precisa falar
algumas coisas para certas pessoas, mas
lhe falta coragem. Precisa agarrar-se mais
a si mesmo.

Não relute. Nào hesite. Entenda que o mundo
já era deste modo mesmo antes de sua concepção, aceite isso.
Os homens sempre foram assim e
continuarão sendo (o paradoxo da sociedade individualista).

Não há nada que você invente ou faça que já não tenha
sido feito. Tudo o que disser, alguém lhe
dirá que já fez melhor (e fez melhor).
Tudo o que escrevo já foi escrito, ainda que eu não
tenha conhecimento.

Não esconda a sua fé. Não acredite que o fim
do copo será melhor que o princípio. Não
espere que não esperará, pois sempre se espera.
Amarre bem os nós para que não se afrouxem.

Por favor, por favor, não deixe de amar!
Sei que ama muito, afirmo.
O amor é a harmonia básica de vivência
do eu-introspectivo.

Você que sente dor, que tem saudades, que treme no frio,
que não tem mais paciência, que pensa em largar
tudo, que olha o céu e só vê nuvens,
que busca no ócio do trabalho a labuta da Arte.

Não tenha medo. É verdade, a dor não para.
Mas a vida vai pelo canto extremo da alma e
segue em frente. Não procure mais do que
necessita, nem adule o verde vicinal.

As cifras são altas, não existem safras, você não é Atlas.
Acostume-se ou padeça, enfermo são, etéreo lânguido.
Somos um saco cheio de pipocas estouradas.
De longe, somos todos iguais.
De perto, somos completamente diferentes.

Você que dirige, rouba, grita, estuda, trabalha, fuma,
conta, morre, vive, come, transcende, você que lê.

Caio Mello 24/06/2008

sábado, 11 de setembro de 2010

O monólogo do morto

Eu morri faz sete dias
numa dessas noites frias.
Posso dizer que deixei
a vida tal como rei:
numa louca apoteose
duma vida que se goze.
Hoje não conto mais dias
conto mesmo as alegrias.
Na minha morte eu lembrei:
a vida é a melhor lei.
Falam demais só da morte
como se ela fosse um norte
como se ela fosse tudo,
base do melhor estudo.
Mas a morte não é nada.
Ela é só o fim da estrada.
Nunca fez mover montanhas
só gera imagens estranhas.
Temos uma só certeza:
a cor da vida é beleza.
Estamos vivos no agora;
sabe-se lá noutra hora.
Dão uma errado visão
fazem tempo divisão
enchem a vida de medo
tornando a morte segredo.
Ela está escancarada!
Não é bonita, nem nada!
Aqui do meu lado morto
sinto-me na vida absorto.
E sinto-me vivo ainda
como algo que nunca se finda.
E o que muito me assusta
é ver o fim de uma busca
de homens ainda na Terra.
Eles largam cedo a guerra.
Não! Não pode ser verdade!
Lute! Contra a maré nade!
Oh, homens de carne e fé,
continuem fortes até
morrer vivendo lutando!
Façam na Terra seu mando!
Pior que viver na morte
é morrer na vida forte
simplesmente se esquecer
que olhos temos para ser
que estar vivo é o centro,
não se vive para dentro.

Vou lhes falar como encarar a morte:
soma de males de toda sorte
que buscam mostrar que são os mais fortes
que tentam arder como fundos cortes.

Mas são só partes de um quadro maior,
quadro que sabemos todos de cor.
Nós mesmos somos imagens no jogo,
somos nós que crepitamos o fogo.

Então, por favor, escutem o morto
que pode ter sido só homem torto,
mas da cripta esse corpo foi eleito.

O decrépito carrega no peito
morinbundo, mas deslumbrante feito:
morrer vida com profundo respeito.

Caio Mello
22/06/10

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Falhas

Pensei que a vida fosse um erro.
Mas, do erro, descobri meus erros.
E meus erros erraram seu caminho
até fazerem-me concluir que a vida está correta.

Caio Mello 10/09/10

Obs: a data aparece um dia para frente porque o relógio está errado, agora já passou da meia-noite, ou seja, já começou o dia 10 de Setembro.

O monólogo do ambulante

Tarde, senhô passageros.
Eu venho aqui pra vendê
todos meu mió produto
por um preço di banana.

Oceis pode procurá
por toda essa vizinança
mais nunca vai encontrá
coisa boua desse jeito.

Vendo bala e vendo doce,
tem Bubalu, tem Futrela.
Tudo cas mió fresqueza
qui eu não faço corpo mole.

Em casa tem sete fio
mas o qui fauta é comida.
Por isso eu peço favô
doceis podê miajudá.

É só me dá um real,
o troco du cobradô.
Num ônibus cheio assim
deve tê alma qui ajude.

E se tu passô cartão
e tá sem ninhum centavo,
pode me dá uma nota
que troco sempre vai tê.

Ô seu grande motorista!
Ô seu grande cobradô!
Eu sô muito gardecido
por deixá o meu trabaio.

Não vô mais enchê oceis.
Boa viage pra todos.
Meu povo, Deus tiabençoe.
Só com fé nóis segue vivo.

Améin.

Caio Mello 10/09/10

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Serafim

Serafino
Ser a fim
Será fino
Será fim

09/09/10

A saia

Na calada da saia
Vai um homem e vai a vaia
Vai um triste e mais um feliz
Destes que sempre forte se diz.

Saia longa, rodada saia
Venha loga, entra e saia
Que eu não tenho melhor lugar
Onde dizer de cor o par.

Saia nova, saia jeans
Destas que risonham fins
Com seus ares desatentos
Eu tento umas, tantas tentos.

Se for saia que esconde
Se esconde o rei, o esconde o conde
Todo homem tem mulher
E toda mulher faz o que quer.

É a distração da avenida
Do trabalhador já de saída
O verão se aprochegando
E as pernas no seu livre mando.

Mulata ou morena
Mulher grande ou pequena
Com seu gingado esperto
Mais perto meu bem, bem perto.

A saia quando gira sobe
Não há sóbrio que se sobre
Sobra só mundo todo a girar
Como num grito rouco de perder o ar.

E na hora de pegar a saia
Sai, saia, sai e que se caia
Que o atento não quer nada
A não ser mulher escapando a saia rodada.

Caio Mello
27/08/2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010