segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Onde foi?

A máquina dos loucos 
A barca náufraga
Pobre nau 
Singrando a solidão 
Ao atravessar 
O universo 
Embalado a vácuo 
O grito dos mouros
Os afônicos de cinza 
O gris da cabeça 
O caminho paralelo
Esvaziando garrafas
O copo que verga
O corpo que treme e ri 
Não há bela poesia 
Que sobreviva a isto 
Meu lirismo é fraco 
Por favor me perdoem 
Não me reconheço mais 
Quando olho no espelho
Through The Looking Glass
E eu vivo ao revés
Nas rebarbas de mim 
Raquítico sentimental 
Debato-me no chão 
Por onde andará
O menino de noventa 
Que esconde seus olhos miúdos 
Por detrás de grossas lentes?
Talvez ele me soubesse dizer
Para onde estamos indo 
Porque, nesse exato momento,
Não faço a menor ideia. 

Caio Bio Mello
23/11/2015

domingo, 22 de novembro de 2015

Falhas e batalhas

Vou tirar de mim aquilo que eu sou
vou organizar meus questionamentos
buscar a paz em todos os meus tempos
contar o que de fato me restou.

A ideia original do meu rebento
que, ao nascer, presto já me questionou:
Era meu silêncio, espaço, erro ou?
(fui incapaz de explicar a contento).

Por favor, me perdoem os meus erros
fi-los com a medonha maestria
de alguém que já saber errar iria.

Assim, do meu desgraçado desterro,
redimo-me do fato de mim mesmo
por errar tanto que errei só a esmo.

Caio Bio Mello
22/11/2015

Barragem


Em meio à lama e ao lodo,
vê-se um corpo
alma que (clara)boia
em des(natura) sequência química.

Vê-se a correnteza nefasta
da maquinamundi
ao revirar a ganância.

[Hoje, subimos muros mais sólidos que a intolerância,
mas somos incapazes de erigir um concreto
que sustente a água.]

O corpo se revira, não respira,
é arrastado pelos municípios.
Os moradores sedentos encaram
os peixes boiando.

As cobras, as lontras,
os iates – todos caudalosos
no desespero do doce ao amargo,
do azul à lama (da lama ao caos).

O defunto desliza, se desfaz,
não toma prumo e se esquece.
O (i)mundo que se inunda,
afunda e hiberna.

Perdemos ou estamos perdidos?
As respostas se contradizem
e os silêncios são afogados
em direção ao mar.

Não há como conter
se pensamos apenas em contar.

O corpo, meu Deus,
não é um homem...
É o rio e seu povo.
 
Caio Bio Mello
22/11/2015

Pueribélia


Vocês,
seres de xenofobia, ódio e intolerância,
façam sua guerra longe das crianças.

Os pequenos não têm culpa pelo racismo,
suas ideias conservadoras ou totalitárias.

Não destruam os lares, não interrompam os estudos,
não façam perder o que apenas principia.

Guardem seus discursos de ódio
para quem também já odeia.

As crianças têm o direito de optar,
têm a liberdade de aprender para além das doutrinas
e a capacidade de sonhar
como nenhum adulto mais sonha.

Nós não nascemos imbuídos de preconceito,
não somos preenchidos com dogmas
assim que rompemos ao mundo.

Não há leis, nem códigos, nem doutrinas.
As crianças têm o direito de um novo princípio,
têm a possibilidade de refazer o que se perdeu.

As guerras não devem furar os muros das escolas,
nem queimar os livros,
ou silenciar os risos.

Cada novo combate que os alcança,
repercute por uma geração completa
e mutila sonhos desde a raiz.
 
As crianças de guerra são pequenos adultos,
desde logo acostumados com a morte,
com o sangue e com o desespero.
Os olhos brilham de modo diverso.

Aquilo que se percebe os amadurece
como um pássaro ainda
sem penas que se obriga a voar.

E preenchem o mundo
com verdades delicadas por quem
foi obrigado a entender
o ódio antes mesmo
de conhecer o amor.

E, anos depois,
talvez quando amem
(ou quando ensinem ou quando lutem)
farão de seu verbo
curto desmatamento (das flores que murcharam)
de quem teve que, ainda tenro,
aprender a sobreviver.
 
Caio Bio Mello
22/11/2015

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A era do medo


Vivemos a era do medo.
O tempo das trincheiras cotidianas,
em que parques e lares
mesclam-se com batalhas e rajadas.

O silêncio permanece,
buscando as almas de soslaio
na espreita do espanto.

A década do ar comprimido
em cabines cerradas,
comandadas por suicidas bem treinados.

Encontramos a nefasta fusão
entre o rigor bélico e o desarmamento incauto.
Os conceitos, coadunados,
não sabem progredir de mãos dadas.

O soldado é ciente da guerra. Ele sabe de seu papel.
Militar fardado, munido de fuzil,
nunca duvida de seu destino
e lida com sua memória.

Mas não é disso que se nutre a comunidade.
As crianças, os idosos, os jovens arquitetos,
os bares apinhados de gente – eles todos
são desprovidos da carapaça
que impede os guerreantes de sentir.

A guerra de supetão não é guerra – é medo.
É o desespero repentino de corpos banhados de sangue,
da quebra da expectativa de paz
(sim, acreditamos na paz latente como um conceito universal
e vê-la derrotada nos choca assustadoramente).

Ato unilateral de assassinato, de privação de sonhos,
abafamento de vidas.
A guerra que brota no repente (no engodo e à míngua)
é covardia.

Não há motivo que justifique o estancamento de vidas
a esmo, pela aleatoriedade da mera presença
em um evento. Ninguém espera morrer sem um propósito,
não fomos construídos para isso – a doença que não vem da carne.

Atualmente, a guerra destilou-se por nossas vidas,
ganhou nossos momentos íntimos e coletivos.
O público transporte (ao trabalho porque necessitamos),
os bares, os lares, as torres, as ruas.

E, assim, permanecemos com o desconforto da paúra correndo em nossas veias,
que segreda pequenas mensagens de horror em nossos ouvidos,
que nos promete bombas em todas esquinas, explosões e aviões caindo.

E o desejo de combater – seguir adiante, abrir os olhos e sorver o ar,
para dar continuidade ao que buscaram impedir.
Para exatamente florescer o que pretenderam apagar,
no intuito constante de provar que
a guerra, que antes já não se justificava,
agora não faz mais sentido algum.

Caio Bio Mello
20/11/2015

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Apoio

De vez em quando 
As pessoas precisam 
De um simples sorriso 
Uma única palavra doce 
Um abraço sincero
Pequenas razões 
Para seguirem firmes

Dê isso a elas
E poderá ouvir 
Um coração bater de volta 

Caio Bio Mello
16/11/2015



segunda-feira, 9 de novembro de 2015

EleGIGANTE


Um elefante
sentado ali no canto da grama.
Perto das rosas – e por trás há tulipas de madeira.

As cores não são cores, são coisas.
Atonalizadas.

Os objetos enfileirados submergem
sob a valsa de Wagner.

Posso ouvir o som ríspido das botas
em suas rajadas metódicas.
Não posso vê-los, pois estão todos
mortos.

A morte – o fiume da vida.
Caudaloso momento e áspero viver.

Os dedos doem ao se vergarem
sofrendo no frio.

Gli elefanti sono di buona memoria.

Quatro vinte quinze. Quatro vinte quinze.
Café com pão café com pão café com pão.

Alguns olhos não se fecham. Outros, sugados pela inanição,
já perderam o brilho.

Os sapatos na beira da água. A quem pertenceram?
Não há donos no estado heroico – ataraxia obtida numa Automated Teller Machine.

As linhas de tráfego que se preenchem num voo helicoidal,
a volta do homem à Lua.
A small step for a man, a giant leap for mankind.

O corpo se encinzenta. Há algo que gruda e não mais abandona o corpo.
EleGIGANTE. Somos paquidermes bípedes desenfreados.

A cor do céu era amarela e a linha também. A linha de espera.
Enfileirados encapuzados engravatados enputecidos.

O despertencimento. Einsamkeitgeist.
Todos unidos pelo sentimento de utilização. A praticidade.
Números e filas e sequências.
O paquiderme é tímido e tem dificuldade de embarcar
na rotina diária da práxis.

Um quadro único avolumado. É possível ver um rosto esguio.
Escorre da moldura um par de braços gélidos.
Um ponto alto ilumina o mundo.

De asas abertas, a gaivota ganha a vista.
O elefante senta-se tranquilo numa sala de repouso.
Há textos também em sua língua. Para ali, o silêncio.
De lá, não se ouve o rugido. Não mais.

Lass mir ruhig.

O pensamento se eleva e se reparte.
É sempre hora de partir, o dia todo, a toda hora
e a qualquer lugar.

O paquiderme é fabuloso em seu ofício de fogo.
Assopra, assombra, assevera. Ovacionado.
Mas, de lá para a rua, já na beira do mar,
é ignoto transeunte. Sic transit gloria mundi.

As pontes se calam, os motores silenciam,
as cores desbotam.

Rostos eternizados num talkshow que
angaria fundos para biscoitos deficientes,
produzidos em dose de cacau inferior à estipulação legal.

Niente per dimenticare.
De boa memória, ele senta cansado no sol.
E dorme.

 

Caio Bio Mello
09/11/2015

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Entre terra e cinzas

Eu não existo mais
Estou morto
Eu não existo mais 
Estou morto 
Enterrado a sete pétalas 
No silêncio da areia e terra
Eu não existo mais 
Não resta em mim mais nada 
Estou morto 
Um cheiro forte de cinzas
Posso sentir 
Eu não existo mais
Estou morto 
No peito ainda bate
Um coração ritmado 
Mas de algum modo 
De uma maneira desconhecida
Me calaram 
E hoje, sim, hoje 
Já não existo mais 

Caio Bio Mello
05/11/2015