domingo, 23 de abril de 2017

Animafagia

Ei-la
dor que por dentro rasga
                        range o corpo

A fresta do sorriso
            desabotoada
(autocomiseração)

Está perto:
                                   a angústia em que somos comprimidos
            suavemente engolidos com água

Não se veem cortes,
            mas padece-se de hemorragia interna
Os órgãos são banhados num rubro vivo
                        Enfim, o dilúvio intimista

Ali, em meio às vísceras desfeitas,
no silêncio da cavidade abdominal
            nota-se um leve traço fulvo
de uma
al
ma

                        que se dis
solve.

Caio Bio Mello
23/04/2017

domingo, 16 de abril de 2017

Norden

Resplandece incólume

Do pó à gênese

Grosse Stern

Estende o braço e irrompe

Na escuridão 

Persiste além 

Da neve densa que segrega

Freude 

A infante brasa perpétua

Âmago do infinito 

Preenche o espaço com afeto 

Para que o peito celeste

(Universal ponta de eixos)

Centelhe a vida

Pelas veredas que trilhamos 


Bio 

16/04/2017


quinta-feira, 13 de abril de 2017

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Fauna

Ela tinha

Dois filhos 

Três cachorros

Dois periquitos 

Um jardim com fruteiras 

E um sorriso gorducho

Estampado no rosto

Era, de fato, feliz 


Caio Bio Mello

12/04/2017

Da série Miudeza

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Flagelo

O mundo é assim, menina,
Deus dá-te este momento agora.
Então, saboreia-o hoje.
Sejamos breves.

Amanhã, quem sabe,
por falha ou ira divina,
talvez não tenhamos outro
anoitecer como este
porque os sentimentos de Deus...
talvez nem Ele mesmo entenda.

Caio Bio Mello
09/04/2017

Compartimento

Todos nós temos pequenas caixas
que não queremos mostrar a ninguém.
                        Elas são apertadas, cabem num bolso de calça
debaixo da cama
                                               ou mesmo naquele armário discreto.

            Entregamos a elas
horas e horas e horas e horas de nossas vidas.

Cada uma tem seu segredo e sua chave.
Entrar na caixa é fazê-la jaula.
Dar-lhe alimento é como alimentar a si próprio
com três quartos de carne e um quarto de metais
que intoxicam o corpo aos poucos
e matam depois de anos.

E as caixas não têm fundo.

Caio Bio Mello
09/04/2017

Reencontro

Saem os mortos da cova.
Conheço o cheiro, já vi, já conheci.
Eles mantêm os mesmos modos
de quando vivos.

O primeiro senta-se à mesa comigo e
tomamos uma caipirinha de cachaça com limão.
Pergunto-lhe por que tivera tantas restrições comigo.
Ele não soube, não quis me responder.
Aquele era um assunto entre vivos
do qual ele não poderia participar. Mas eu ainda o culpo.
Culpo-o por momentos de solidão, de assombração, de incompreensão.
Ele não tinha o direito de manter aquele discurso.

À segunda, peço perdão. Falha minha.
Eu ainda era jovem naquela época, eu não saberia o que dizer.
Também digo que a memória refresca mais
quando eu lembro de um sabor. A associação é reconfortante.

Com o terceiro, tomamos uísque, pelos velhos tempos.
Nós rimos por muito tempo. Ele sempre fora bom de piadas.
Digo a ele, também, que os vivos lhe têm saudades.
Eu tenho saudades. Mostro-lhe aquele outro poema que escrevi. Ele gosta.

O quarto me pergunta, curioso, como é a vida de adulto.
Eu rio, digo que é bem pior do que a juventude mais tenra.
Sabe, a grama do vizinho sempre parece mais verde.
Ele sente falta dos esportes.
No final do diálogo, dou-lhe um gentil abraço naqueles alvos ossos
quase sem carne. Bom amigo.

Mas é o quinto quem mais me impressiona.
Ele senta-se à mesa comigo.
Em mim já correm na nuca o uísque e a cachaça,
mas ainda posso notar
que seu rosto é rubro e que, em seu peito,
ainda pulsa um coração.

Eu, cético, não quero diálogo com ser vivo.
É a Noite dos Mortos. Ele ri e debocha:
Eu ainda vivo, mas foi sua vida quem me enterrou
naquela cova rasa com pouco ar para respirar.

Há mortos que não devem voltar à vida.

Caio Bio Mello
09/04/2017

terça-feira, 4 de abril de 2017

Areia

Esse castelo de reis e fidalgos

com todos os seus cavalos,

trompetes e tapetes 


O mar levou 

numa onda que veio 

espumando de raiva


Mas não se aperreie

que juntos construiremos 

um novo império de luz

livre das tempestades

e dos maldizeres 


Bio 

03/04/2017