domingo, 28 de fevereiro de 2016

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Metartropodofobia

A cada dia regrido mais
à condição de                                                                                                           larva
de rebento, de pré-nascimento.

Esse não é o meu momento,
é o silêncio que brota da carne,
o subterfúgio dos olhos cintilantes.
(mas não vejo mais como via antes)

Há essa ideia em minha cabeça,
uma mulher, com certeza uma mulher.
Um desregramento em mim de ser o que não sou.
Alguém que sem pegar, levou.

A larva. O verme. Desconheço-me.
Batem à porta da madrugada:
It’s me again. Antes fosse o corvo. Mas não é nada.

Sou eu perdendo peles. Camadas.
Eu já fui lenda, agora sou cinzas.
O                                                                                                                              esterco
mal lavado no chão do estábulo.

Uma vez limpei, continuou sujo.

Eu sou uma enorme mentira, uma farsa.
Regrido à carapaça perdida, estática e inútil,
da barata que rasteja pelos dejetos,
os banquetes prediletos.

A separação do lixo
compostagem dos meus órgãos
devorados por insetos
me transformarei em alma
fiquem longe do meu corpo
fiquem longe do meu corpo
Metartropodofobia
fiquem longe do meu corpo

Autópsia. Já nasci morto e
decrepito-me um pouco mais a cada segundo.
Só me resta este castelo, este buraco,
essa nesga de realidade.

Enterro meus dedos em algum corpo
não posso dizer se está vivo ou morto
um cadáver sem gestos, todo torto
vai me causando náusea, desconforto.
Existe alguma razão, talvez porto?

Mas não. A ideia morreu – mais um aborto.
Enterrei-a ao lado daquilo que gostaria de ter sido.
Algumas flores de plásticos mal posicionadas
ao lado do jazigo. Eterno silêncio, apagaram o fogo.

É uma escuridão que aumenta,
que doma progressivamente meus sentimentos,
dobra meus sorrisos e limita meu olhar.

Acromático. Dificilmente se ilumina.
Por trás do terno, o mesmo lunático.
O lince nasceu do pé da árvore e foi para a selva.
Livre, ele. Preso, eu.

Ou talvez seja aquele par de olhos,
a densidade do ferro. É muito pesado.
Durou segundos, milésimos, a dama,
o farfalhar da borboliberta. E foi só isso.

Entenderia? (questiono-me)

Assim, num átimo, capaz de devorar, refazer,
aproafundar. Estou no leito oceânico. Faz silêncio.
Estou, mas os olhos não estão. O ferro assim, próximo.

Não me resta nada.
A não ser                         morrer.

Caio Bio Mello
24/02/2016

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Esse último momento

Há uma borboleta
de asas azuis e quebradas
que espera pacientemente
o término do último dia da sua vida.

Caio Bio Mello
22/02/2016

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Significado

Se, dentre tudo que escrevi,
apenas um único poema
conseguir alcançar
uma única pessoa,
então, terá valido a pena.
Tudo. Do começo ao fim.

Caio Bio Mello
21/02/2016

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Matemática da paixão

O amor, meu bem,
não se soma,
só se multiplica.
Por isso mesmo
quando não correspondido
se reduz a zero.

Caio Bio Mello
16/02/2016

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

(Sem título)

Eu odeio 
Frio 

Queimem todos 
Os meus livros 
Façam uma fogueira
Não me importo 

Só não me deixem
Sentir esse 
Frio 

Campa

“Mas a terra dada não se abre a boca”
(Morte e Vida Severina)

Ei-lo, em mim, o meu sepulcro belo
que me protege tal qual um castelo
Tê-lo perto, fundo, me faz um elo
entre este mundo e outro paralelo

Vida e morte num eterno duelo
o pó da carne, moído farelo
A nesga que com tanto zelo eu zelo
que guardo em armário, quase amarelo

Algo que rasga, rosna, sangra e fere
que se marca do pesado flagelo
Que veda o Bio e também veda o Mello

Não é libélula, mas é libelo,
o rosto que todo dia revelo:
o envolto sepulcro da minha pele.

Caio Bio Mello

12/02/2016

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Uma descrição honesta

A cascata de cores,
as tranças que não lhe pertencem.
O homem de orelhas aguçadas.

Água aos pedestres em nosso
                        dilúvio particular.
Exército dos assonados.

Asas que se perdem, recomeçam.
            Existem olhos que nunca se fecham,
bocas que nunca se alimentam.

Momentos de abstração.

A piscina, o fôlego redobrado,
a boca seca,
                        ressaca.

Debaixo d’água podemos ver tudo, não é?

Aquele sorriso indescritível que me tomou os olhos,
as vistas – a proibição. Delícia.
                                   (desliza perfeita pela água)

Retorno, pequenos silêncios,
luzes que se apagam.
            Há aquelas que fazem muito barulho
                        e outras propensas ao silêncio.
Tenho medo do silêncio, ele me corrói.

A vida sempre deve ser selvagem.

Pratos, talheres, cortes.
Diálogos rasgados nos dentes como os bifes,
como os macarrões e os molhos vermelhos.

Vistas ressecadas. A imensidão da noite
            me assombra e me assemelha.                        Eu sou o caos.

Breve espaço para aqueles versos. Descrição.

Mais universos. Reinfâncias em despueridades.
                        Ser velho é estado de espírito.
Diálogos, aproximações. Desterro.

Um ato de retenção.
Já há, em mim, um caos tão profundo
que me impede de participar do caos coletivo.
Há limites e eles devem ser respeitados.
            É algo que me circunda, que me define.

Mas não me domino, não me pertenço.
Quem me dera possuir.                                  Ou ser.
            Os verbos seduzidos.

Os olhos de jardim. Não os via há anos,
desde o último expurgo. O penúltimo erro.
São outras carnes, meras conjecturas.

Há estrelas por todas as partes. Ela brilha demais. Esse cheiro.
            Fui pego em armadilha.                                 Sou extremamente fraco.

Deus perdoa os errantes. Eu erro, perdoa-me.

                        O choque. O horror. O horror.
O horror.                                            O horror.
            Nada novo, nada desconhecido.
Mas aquele gosto amargo de lembrar
                        o mesmo sentimento de falta de honra. Nunca muda.

Explosão. Sem pensar. Profundidade sufocante. Não existe ar.
            Não existe mais ar, não posso respirar.
Então caminho.                                  Caminho muito.

Atravesso os laços, os silêncios,
e                                  meu estômago se revira.
Eu me reviro.                                     O horror.

Alimento. Água de coco. As janelas das casas
parecem tão vazias quando as olhamos da rua...
                        Me pergunto se vale mesmo a pena.
            Talvez não.                                                                Um voto.

Respire, respire, respeite.  
As pedras no chão sujaram meus sapatos.

E, agora, o último poema de minha vida.

Caio Bio Mello

10/02/2016

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O Arquipélago de Noventa

No ano de 1990,
um novo arquipélago foi descoberto
próximo à América Central.

A notícia deixou os estudiosos assombrados
e muitos se questionaram se a terra já existia
ou se fora criação de recentes erupções vulcânicas.

Após as primeiras expedições,
uma das ilhas foi escolhida para
dar berço a um farol: o Farol de Noventa.

A Ilha do Farol, em pouquíssimo tempo,
ficou muito conhecida. Os aventureiros
faziam excursões pela região
para desbravar as maravilhas naturais.

Os mitos diziam que o solo da Ilha do Farol
era fértil como nenhum outro,
que os animais eram únicos
e a água, cristalina.

Mas as viagens às outras ilhas
não tiveram o mesmo sucesso.
As outras terras do Arquipélago de Noventa
eram cercadas por fortes correntezas,
que atraíam e engoliam os modernos barcos,
num turbilhão de água, espuma e solidão.

Quando finalmente o mar foi superado,
a topografia das ilhas mostrou-se
ainda mais agressiva e imprevisível.
Penhascos, vulcões, pedras escondidas no mar raso.

Surgiram histórias de povos antropófagos
que viveriam na região. Os exploradores eram mortos,
seus órgãos extirpados
e devorados nos rituais indígenas de guerra.

Dizia-se, também, que os animais
das outras ilhas do Arquipélago de Noventa
eram bestas feras gigantes que podiam envenenar
e matar em segundos.

Alimentado pelo imagético popular,
o conjunto dessas ilhas
ficou conhecido como a Sombra do Farol,
por sua fama de inospitalidade
e pela capacidade de moer sonhos e alegrias.

Um dos líderes da exploração do Arquipélago de Noventa
ponderou que talvez seria mais prudente largar toda a região
à sua própria sorte. A beleza não suplantava o risco.
Melhor cortar o problema pela raiz de uma vez por todas,
deixar que a Sombra do Farol se afogasse
em seu próprio rancor.

A discussão nunca esfriou,
mas o turismo à Ilha do Farol
tornou-se muito lucrativo e as empresas
se esforçam, até hoje, para inviabilizar
o fechamento do Farol de Noventa.

De qualquer forma, essa discussão é secundária
para os especialistas.
O que os intriga é saber
por que razão nenhuma pessoa, até hoje,
com toda a tecnologia disponível,
jamais conseguiu sobreviver por muito tempo
na Sombra do Farol do Arquipélago de Noventa.

Caio Bio Mello
09/02/2016

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

(Sem título)

Achei em mim 
esse caco de vidro
eu o devorei 
brotaram na barriga 
as gotas de sol 
que me permitiram 
perfurar os silêncios 
e hoje posso dizer
exatamente agora 
que vejo o dobro de cores 
que via há seis meses. 

Bio
05/02/2016