segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ouvi dizer

Ouvi dizer que somos feitos de areia.
Ouvi dizer que nosso peito é duro.
Ouvi dizer que as palavras são secas e secam o desejo dos homens.

Ouvi dizer que há alegria,
mas o mundo vive rodando na escuridão.
Ouvi dizer que os poetas conhecem os sentimentos,
mas na verdade eles batem para o lado contrário.
Ouvi dizer que a vida é simples,
mas a simplicidade da vida está na sua fragilidade.

Ouvi dizer que os loucos não dormem.
Ouvi dizer que o amor não existe.
Ouvi dizer que faz muito frio de noite.

Ouvi dizer que toda criança tem futuro,
mas a inanição já provou o contrário.
Ouvi dizer que os sábios vivem,
mas a sabedoria é a base do engodo.
Ouvi dizer que os governos caem,
mas os corpos também.

Ouvi a lágrima gotejar no chão gelado.
Ouvi os estertores de um moribundo.
Ouvi a voz entrecortada de um pequeno assustado.

Ouvi quando o vento disse preste atenção,
mas eu não devia ter obedecido.
Ouvi quando outros suspiraram morte,
mas fiquei vivo para sentir falta.
Ouvi quando o sol nasceu,
mas ele negou seus próprios raios.

Ouvi dizer que a solidão dói nos ossos.
Ouvi dizer que o silêncio dói no estômago.
Ouvi dizer que a chuva dói nos olhos.

Ouvi dizer que Deus existe com certeza,
mas ele se decepcionou com o mundo.
Ouvi dizer que a Terra girava,
mas ela se arrasta, sôfrega.
Ouvi dizer que os prédios têm olhos,
mas só vejo o meu reflexo.

Ouvi dizer que o mundo é uma mentira.
Ouvi dizer que os sentimentos são uma falácia.
Ouvi dizer que ficamos cada dia mais sós.

Ouvi dizer que somos donos do futuro,
mas ele ainda nem existe.
Ouvi dizer que o passado já passou,
mas ele já existe.
Ouvi dizer que o presente é fugidiço,
mas eu nunca o encontrei.

Ouvi o rebento chorar, já enfastiado ao nascer.
Ouvi o mundo cair em pedras e se tornar também areia.
Ouvi o coração retumbar o sangue que jorrava do morto.

Ouvi o amor dizer que ama,
mas ele estava rouco.
Ouvi dizer que a poesia queria ter significado,
mas significava ainda pouco.
Ouvi dizer que a mesa era cheia,
mas quem me disse era um louco.

Ouvi muito por muito tempo.
Então,

meus olhos secaram

meus ouvidos endureceram

e minha boca se calou.

Caio Mello
28/11/2011



segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Amor

Boa noite, André.

Boa noite, Caio. 

E isso já faz vinte e um anos.

Caio Mello
21/11/2011

(para o meu irmão)

sábado, 19 de novembro de 2011

A Caixa


Lá estava ela, em cima da mesa de mármore.
Tamanho parecido com uma caixa de sapatos.
As bordas, de um metal enegrecido, corriam
como ossos pelos cantos.

Uma grade de fios finos, porém inúmeros,
cobria toda a supertfície.
Debaixo da teia de ferro,
a caixa era laranja.

Laranja porque queimava em brasa.
Talvez um metal, talvez fogo mesmo,
não se sabia ao certo.
Mas ela ardia constantemente.

À noite, era possível vê-la de longe,
brilhando na escuridão.
No passado, os povos temiam uma luz tremulante
que reluzisse o laranja nas retinas desavisadas.

Isso tudo porque a caixa guardava
as memórias do herói.
Não os males do mundo, não o desfecho da sociedade,
não a solúvel vivência quotidiana. Apenas memórias.

Porém, eram memórias tristes. Ruins. Tétricas.
Mortes, torturas, fugas, incêndios, gritos de pavor...
Tudo ali, lacrado para que o mundo
nunca mais ouvisse um eco do passado.

[O passado, a máquina humana dos sonhos
recônditos nos meandros da memória.
O que passou se perdeu,
o vácuo triste de um presente recheado de brechas.
Os olhos místicos que espreitam os nossos passos,
que julgam quem somos hoje.
Negamos no presente o mesmo conteúdo
que nos tempos idos nos definia como indivíduos]

Que o tempo me diga
Se fui mais feliz
Se fui lutador
Mas que A Caixa oculte
Nas grades de ferro
Nas chaves passadas
O medo da noite
A saudades do dia
A morte-criança
A morte-velhice
Os homens sozinhos

Que seja o conteúdo da caixa silêncio. Ela, um hiato inexorável no que sou hoje. As fibras, mesmo as heróicas, não aguentam tamanha dor. Que seja um silêncio tão pesado e tão profundo, que faça doer a boca do estômago. Faça os cabelos grisalhos. Faça a solidão imperante.

E, assim
montou-se A Caixa.
O imperativo da insanidade,
a beira da loucura,
a falta de humanidade no homem.

Seu maio
r sí
m
bolo
era

O SILÊNCIO.

Séculos e séculos de vida acumulavam
desejos incompreendidos.
E A Caixa os calava. Amores perdidos? A Caixa guardava.
Sentimento de culpa? A Caixa guardava.

O assunto era amordaçado e preso a uma cadeira,
enclausurado em uma redoma de vidro,
para que nunca mais pudesse falar. Sequer manifestar-se.
A Caixa era a antítese da vida.

Em certo momento
O metal cedeu.
Em certo momento
E foi-se esquentando
Em certo momento
Cedeu à pressão
Em certo momento
Ardeu como fogo

E arde até hoje. Arde como ardia o peito heróico.
Arde como ardem os homens por dentro.
Arde como arde a ferida de corte profundo.
Arde como (o silêncio).

Rezemos para que o herói
guarde-a bem e impeça qualquer ser de querer furtá-la.
O mal bom é o mal ignoto.
Porque o mau só pode ser acessório, jamais acesso. Furtá-lo é vivenciá-lo e vencê-lo.

Caio Mello
19/11/2011

domingo, 13 de novembro de 2011

Magia


O que me levou a escrever esse texto foi minha inquieta busca pelo significado da arte. Por que gostamos de arte? Por que não nos cansamos de ouvir música? Por que nos arrepiamos quando ouvimos uma música que gostamos? Por que choramos quando vemos um filme emocionante? Para que servem essas sensações? Qual a efetividade disso tudo? Sei que qualquer concepção extraída de meus pensamentos jamais será conclusiva, não é esse meu intuito. A arte nunca foi feita para gerar conclusões.
A arte está aí para gerar um sentimento de liberdade nas pessoas, uma sensação de infinito, de união. Nós vamos ao cinema porque queremos sentir. Vamos ao cinema porque desejamos encontrar algo que não encontramos em nossa vida cotidiana. Queremos a ilusão do real, a loucura de nossa própria realidade, queremos as sensações mais limítrofes caricaturizadas em músicas, sons, imagens, sentimentos, palavras...
E foi nesse momento que tive uma sensação. Onde está a arte? Onde está a beleza do infinito? Num mundo contemporâneo de ateus e incrédulos, como pode a arte ainda manter-se imponente a cada geração? De onde vem esse desejo pelo deslumbramento?
         O lirismo não está nas coisas. As coisas sem nossos olhos, sem nossas palavras, sem nossos pensamentos, simplesmente não existem. Antes de existir o homen, a pedra não era pedra. Não era nada porque não era viva nem era palavra. Não era nem sequer pedra. As coisas são coisas porque assim as chamamos. Então, o lirismo está dentro de nós.
O verdadeiro deslumbramento, a verdadeira magia, a última e perfeita liberdade está em nós mesmos. A magia não está nas ruas, não está no chapéu do truque, não está na mulher serrada ao meio. A magia está em nós.
         Nossa verdadeira liberdade está em nossa existência. Tudo que o artista pode fazer é buscar incentivar a arte das pessoas a se libertar. Ele busca nos meandros de sua própria alma aquilo que pode alimentar a alma alheia. Não é um número, muito menos um cálculo. É um repente.

Jofro sensato
de sentimentos
que se buscam, se enlaçam,
raiam com o dia na manhã de nossos olhos.

As grandes loucuras, as grandes conquistas estào dentro de nós. Os heróis, as montanhas feitas de açúcar, o homem do saco, o saci-pererê, a mula-sem-cabeça, o homem de ferro... Tudo é feito com um pouco do que somos. E essa é a maior magia de todas. O mundo nasceu para ser real. Ele foi criado assim. Mas nós nascemos para o abstrato, nascemos com desejos que não se realizam com a própria carne. Nascemos propensos à metafísica.
E é nessa junção que a arte nunca vai deixar de existir. Ela preenche os momentos que precisamos de paz. Preenche as lacunas de nós mesmos que deixamos sem mesmo o perceber. É ela que inibe a inutilidade com a música nos momentos de trânsito. Cessa o marasmo com filmes em domingos à tarde. Ou ainda, serve de plano de fundo para lembrar aos homens que são imensos com um quadro de jardim pendurado na parede de uma sala. É o lirismo cotidiano servido em linhas dosadas para alimentar as cabeças que pensam.
Todos pensamos, todos sentimos, todos desejamos algo mais. Matar em nós a arte, qualquer manifestação dela que seja, seria perder em nós o que nos há de humanidade. Um gosto terreno de carne misturado com uma nuvem que paira sobre nós, que nos une, que nos faz união, que nos faz artísticos. Continuamos todos juntos através da arte. Há sempre aquele cerne imutável de conteúdos os quais a arte vai representar. As gerações mudam, as formas de manifestação mudam, mas os temas são iguais. O amor, as saudades, a solidão, a morte... Tudo que nos é interno será também eterno. Nossos bisavós sentiram isso, nossos pais sentiram isso, nós sentimos isso e nossos filhos também sentirão. É um elo de humanidade que não há como ser negado, não há como ser abandonado e que nos fará humanos para toda a eternidade.
E é por isso que a magia da arte nos une, nos torna coesos, nos torna iguais. Ela nasce nos momentos que alcançamos o mundo e morre quando nos para o coração. Ela está aqui, dentro de nós. E nos aquieta como um espelho do mundo.

Caio Mello
13/11/2011
           

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Silêncio


Não, o silêncio nunca.
Talvez o descanso de algumas palavras
e o abandono de antigos termos já enferrujados.

Caio Mello
07/11/2011