quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Poesia

É um pote de biscoitos
deixado no fundo do armário,
em um lugar de possível, porém dificultado acesso.
A possibilidade nos dá a calma da presença
e a dificuldade nos presenteia com a sobriedade do comedimento.

Caio Bio Mello
27/12/2017

Pós-expediente

Cansado e seminu,
deixa o corpo pesado esparramar-se pela cama
enquanto gotas escorrem pelo rosto
e já não se sabe se são lágrimas ou suor.

Caio Bio Mello
27/12/2017
Da série Miudeza

Verão

Sol a pino.
Ele está cansado, a areia escaldante.
Mas não pode parar.
Se não continuar, outra pessoa vai ficar com as latinhas.
Com um impulso rápido,
coloca o saco de lixo de novo nas costas
e se ajoelha para catar três latas de Brahma.

Caio Bio Mello
27/12/2017
Da série Miudeza

sábado, 9 de dezembro de 2017

(sem título)

Essa vida não faz bem pra mim.

FLORDA-SE

vou plantar o meu jardim.

Caio Bio Mello
09/12/2017

Labareda

Larva mara
cuja leve brisa
cujamará cresce solta
se alimenta maracujá
casulo em chama
em cuja rama borboletará

Caio Bio Mello
09/12/2017

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Primeiro e terceiro pares

Jazem as roupas com seus braços desfalecidos
balançando no varal tímido.

Os pratos encolhem-se no frio,
outros afogados na água turva. Árdua luta.

Um rugido ao canto do cômodo. Leão? Resfriamento.
Parcos reflexos maldesenhados.

Volumosos espaços pelos silêncios.
Pés decepados e ocos,
distribuídos numa corrida desenganada.

Mais adiante, um corpo estendido no piso
e um copo entediado.

Caio Bio Mello
08/12/2017

domingo, 5 de novembro de 2017

Cortejo fúnebre

Carregai meu corpo defunto
                        por entre as cinzas ruelas
                                   calçadas de paralelepídedos
            e contratai as melhores carpideiras
que marejarão olhos assentimentais
                        enquanto alguns balbuciam feitos inexistentes sobre mim.

Não impeçais que meu grosso sangue hemicoagulado
            escorra, lento e pegajoso, por meus membros.
                        Deixai que meus últimos líquidos
            atinjam o chão e adentrem as frinchas do piso tosco.

Logo, a subterra inflará
            e vereis
meu rubro desvenulado alimentar
            plantas decrépitas que romperão o piso
e brotarão flores canhestras
            para que libertem, enfim, o cheiro do pólen nauseabundo
que me enojou pela vida inteira.

Caio Bio Mello
05/11/2017

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Que nunca são ditas

Se pudesses falar abertamente
falarias, quem sabe,
sobre tua falta de fé
não aquela em Deus
(existe metafísica em ti)
mas na vida como presença.

Apontarias as falhas, os erros,
as ingratidões e as incompletudes.
Mas quero que entendas:
parte do que sou veio de ti
e outra parte sou eu mesmo.
(e ambos sabemos qual delas me define mais)

Aceitar-te-ei assim como me aceitaste.
Um farrapo em combustão,
esse brilho forte que borra o foco.

Fundo no fundo,
somos mais parecidos do que pensas.
És sonhador binário, eu, sonhador lálico.

Os olhos mudam o trajeto vivido.
(vivemos de miragens e oásis)
Passos depois, olho para trás e vejo
flores antes recônditas
perdidas na visão pueril.

Tens frutos e prole,
profundidades e levezas.
És presente aguerrido de tua própria existência.

Se palavras voassem com tal intensidade
eu poderia, então, dizer-te que
em um milhão de vidas,
e por tudo o que passamos,
eu viveria tudo de novo.

Caio Bio Mello
13/07/2017

Lar

O cume macio dos morros
por entre os caminhos da pele

NOR
TEA
DO

Corpovesso (qual deles é face e qual é verso?)
cinco dentes alvos e um douro
                        O manto gris preenche

A masmorra agora é outra
masviva multicolorida

Sentir-se pertencer é preenchimento
bicutaneidade

A brisa céu-veredando
            No horizonte o sol que irrompe
O supérsaro com suspiros flamejantes
Somos todos um só

O ar que preenche os pulmões é sereno
            na brisa da madrugada

A viagem foi longa
                        mas eis a areia
            para amaciar os pés

Caio Bio Mello
13/07/2017

Sufrágio

O homem permanece
                        estático
meditando
em meios às árvores
            enquanto o rio canta
                        e o sol banha a tarde de inverno

                        Eis que a cobra
            em seu ofício de ofídio
desliza rápida
                        salta
            e crava seus dentes
                                   na pele do homem
                        que, aos poucos, deixa de respirar
            a cobra enterra o corpo
                        e o cobre de folhagem
                                               para, então,
                                   tomar o posto do homem
                                                           e também meditar
                                                                       enquanto aguarda
                                               a próxima mordida
                                                           fatal e sorrateira
                                                                       de outro animal
                                                           na floresta.

 Caio Bio Mello
13/07/2017

Desfábulo

Metódico de aço
seus olhos fumegantes calculam e teorizam
os dedos nodosos já não se estendem mais
a mão permanece
o corpo continua.

O peito é alimentado por lenha
(ali não se vê um coração pulsante)
e de seus cabelos voam
pequenas nuvens de fumaça
que ocupam a sala
e abafam a respiração.

É tempo, é prazo,
o conta-gotas e tira-almas.
É o público em uma sala espremida
por detrás de um vidro espelhado.

Caio Bio Mello
12/07/2017

sábado, 17 de junho de 2017

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Breeze

This is just a fly

That whispers its 

Humming song 

Through the country wind 


Da série Miudeza 

22/05/2017

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Âmago

A carne não pertence

Ela se move, envelhece

E, por vezes, se perde


Mas o cerne sempre esteve ali

Rumando àquele farol

Que iluminava de longe

(Tal qual suspiro)

Os anos tempestuosos 


Talvez, agora, 

A onda tenha encontrado

Sua areia 


E, em terra, 

Como em tangente

Carne e psique 

Digam pertencimento 


01/05/2017

Bio

domingo, 23 de abril de 2017

Animafagia

Ei-la
dor que por dentro rasga
                        range o corpo

A fresta do sorriso
            desabotoada
(autocomiseração)

Está perto:
                                   a angústia em que somos comprimidos
            suavemente engolidos com água

Não se veem cortes,
            mas padece-se de hemorragia interna
Os órgãos são banhados num rubro vivo
                        Enfim, o dilúvio intimista

Ali, em meio às vísceras desfeitas,
no silêncio da cavidade abdominal
            nota-se um leve traço fulvo
de uma
al
ma

                        que se dis
solve.

Caio Bio Mello
23/04/2017

domingo, 16 de abril de 2017

Norden

Resplandece incólume

Do pó à gênese

Grosse Stern

Estende o braço e irrompe

Na escuridão 

Persiste além 

Da neve densa que segrega

Freude 

A infante brasa perpétua

Âmago do infinito 

Preenche o espaço com afeto 

Para que o peito celeste

(Universal ponta de eixos)

Centelhe a vida

Pelas veredas que trilhamos 


Bio 

16/04/2017


quinta-feira, 13 de abril de 2017

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Fauna

Ela tinha

Dois filhos 

Três cachorros

Dois periquitos 

Um jardim com fruteiras 

E um sorriso gorducho

Estampado no rosto

Era, de fato, feliz 


Caio Bio Mello

12/04/2017

Da série Miudeza

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Flagelo

O mundo é assim, menina,
Deus dá-te este momento agora.
Então, saboreia-o hoje.
Sejamos breves.

Amanhã, quem sabe,
por falha ou ira divina,
talvez não tenhamos outro
anoitecer como este
porque os sentimentos de Deus...
talvez nem Ele mesmo entenda.

Caio Bio Mello
09/04/2017

Compartimento

Todos nós temos pequenas caixas
que não queremos mostrar a ninguém.
                        Elas são apertadas, cabem num bolso de calça
debaixo da cama
                                               ou mesmo naquele armário discreto.

            Entregamos a elas
horas e horas e horas e horas de nossas vidas.

Cada uma tem seu segredo e sua chave.
Entrar na caixa é fazê-la jaula.
Dar-lhe alimento é como alimentar a si próprio
com três quartos de carne e um quarto de metais
que intoxicam o corpo aos poucos
e matam depois de anos.

E as caixas não têm fundo.

Caio Bio Mello
09/04/2017

Reencontro

Saem os mortos da cova.
Conheço o cheiro, já vi, já conheci.
Eles mantêm os mesmos modos
de quando vivos.

O primeiro senta-se à mesa comigo e
tomamos uma caipirinha de cachaça com limão.
Pergunto-lhe por que tivera tantas restrições comigo.
Ele não soube, não quis me responder.
Aquele era um assunto entre vivos
do qual ele não poderia participar. Mas eu ainda o culpo.
Culpo-o por momentos de solidão, de assombração, de incompreensão.
Ele não tinha o direito de manter aquele discurso.

À segunda, peço perdão. Falha minha.
Eu ainda era jovem naquela época, eu não saberia o que dizer.
Também digo que a memória refresca mais
quando eu lembro de um sabor. A associação é reconfortante.

Com o terceiro, tomamos uísque, pelos velhos tempos.
Nós rimos por muito tempo. Ele sempre fora bom de piadas.
Digo a ele, também, que os vivos lhe têm saudades.
Eu tenho saudades. Mostro-lhe aquele outro poema que escrevi. Ele gosta.

O quarto me pergunta, curioso, como é a vida de adulto.
Eu rio, digo que é bem pior do que a juventude mais tenra.
Sabe, a grama do vizinho sempre parece mais verde.
Ele sente falta dos esportes.
No final do diálogo, dou-lhe um gentil abraço naqueles alvos ossos
quase sem carne. Bom amigo.

Mas é o quinto quem mais me impressiona.
Ele senta-se à mesa comigo.
Em mim já correm na nuca o uísque e a cachaça,
mas ainda posso notar
que seu rosto é rubro e que, em seu peito,
ainda pulsa um coração.

Eu, cético, não quero diálogo com ser vivo.
É a Noite dos Mortos. Ele ri e debocha:
Eu ainda vivo, mas foi sua vida quem me enterrou
naquela cova rasa com pouco ar para respirar.

Há mortos que não devem voltar à vida.

Caio Bio Mello
09/04/2017

terça-feira, 4 de abril de 2017

Areia

Esse castelo de reis e fidalgos

com todos os seus cavalos,

trompetes e tapetes 


O mar levou 

numa onda que veio 

espumando de raiva


Mas não se aperreie

que juntos construiremos 

um novo império de luz

livre das tempestades

e dos maldizeres 


Bio 

03/04/2017


quarta-feira, 22 de março de 2017

Águas de março

Eu vou me encharcar 

nessa chuva fria! 

Disse ele,

enquanto ria 

e admirava as profundezas

dos olhos dela.


Bio 

21/03/2017

Da série Miudeza

sábado, 18 de março de 2017

Teus braços

Haja teto ou não, pouco me importa,
pois eu, desnorteado nômade moderno,
enfim encontrei minha morada
e aqui viverei em paz.

Caio Bio Mello
18/03/2017

Peixaria

Eis o peixe aberto
as entranhas expostas e as guelras ainda vermelhas.
Sua carne seccionada em plano sagital
presenteia o animal defunto
com o corpo em formato de asas
                        para que levante voo
e desfrute, enfim, dos sonhos que nunca viveu
em sua curta existência.

Caio Bio Mello
18/03/2017

Voadora

Os metais unidos
Todos concentrados
Asas penas bicos
Elefante branco
Com pernas de pau
Toca saxofone
Tantos braços dedos
Brilha o sol na roupa
Gladiador de plástico
Maria odalisca
Os bumbos explodem
No aterro
do ferro
no aterro
meu Deus
só se vê é multidão

Carnaval de 2017
Caio Bio Mello

O choro

Lábios, rios
e silêncios não contados
                                   meias palavras em branco.

A ruidez fluida
                        de lágrimas no rosto.

A água e o sal deslizam
            suavemente se unissolvem  
nos vincos das agruras da vida.

O peito oscila encostado ao meu.

O choro.
Não posso contê-lo. Não me pertence,
                        não é desta curva que se origina.

Posso simplesmente abraçar
e esperar pacientemente que termine.

Caio Bio Mello
18/03/2017