sábado, 28 de agosto de 2010

A antilogia de uma paixão

Não, já não te peço mais.
Não vou voltar atrás.
Não tem mais como viver em paz.
Aliás, não seria nada de mais.

Fechar meus olhos bastou
para saber quem eu sou.
E o meu reflexo contido
refletiu um outro sentido.

No reflexo eu vi o mundo,
grande, bizarro, vagabundo.
Como se me faltasse uma interpretação para um quadro que achei bonito.
(mas era feio)

E você ali sentada a esperar,
como se nada fosse outro mar
como se tudo fosse verso
e eu vivendo corpo inverso.

Fanho, eu, rouco.
E, você, lúcida,
espreitando os detalhes como se me matasse
a cada segundo. Sempre.

Eu brincava ser de tudo,
mas tu me deixavas mudo.
Hoje brinco de ser nada
e tu eras a culpada.

Mas eu não te disse.
Como poderia te dizer?
Eu, saudoso poeta,
infiava-me pelo teu corpo infinito

e procurava teus detalhes a vida toda.
As perguntas eram traços tontos
que eu largava de lado
para depois refletir sobre o assunto.

Mas tudo tem fim na vida.
Tu estavas de partida.
Por que eu te teria feito?
Tu foste um erro perfeito.

Era um cálculo absurdo,
um império monumental, monstruoso
que se mantinha longe de todos.
Só eu te via. E só eu ainda te vejo hoje.

Os tempos mudaram, não posso negar.
Não sou mais o mesmo, não sou mais teu par.
Tu nem sequer tiveste o trabalho de compreender.
Se mim, não és tu, não vives, não sonhas.

Um dia, talvez, me deixes o corpo.
Agora me pesas um peso morto.
E eu, que consegui me sentir artista,
hoje estou fraco até mesmo na vista.

Estou mais complexo, sim, te confesso.
Foi tudo um grande e tristonho processo
de caber e descaber e voltar.
E voltei a ser o nunca se estar.

Amo-te. Vou te amar até o fim.
Tu vais rir sobre o que sobrar de mim.
Eu queria amar uma mulher feita.

Mas tu com certeza não és mulher,
não tens coração que pulsa sequer.
Tu és das mentiras a mais perfeita.

Caio Mello
28/08/10

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Soneto do menino

De um corpo feito, fez-se um corpo morto
Esparramado no chão, quadro torto.
Sobra só o sorriso no que se jaz,
mas, agora, o sorriso dorme em paz.

Se dorme em paz agora este menino,
não culpe o seu corpo fraco e franzino.
Pois foi a bala que engoliu o morro
em busca de desfeita e de desforro.

O frio que decidiu buscar a carne,
queria ser bala morta da berne.
Quem sabe no defunto bate a sorte?

E, talvez, o muro detenha a bala,
calando o que quase nunca se cala.
E o futuro não temerá mais morte.

Caio Mello
24/08/2010

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pelos sete mares

E o capitão segurava-se furiosamente ao manche.
O céu era de um pretume infindável.
Nuvens cinzas ricocheteavam ao sabor do vento.

Desciam clarões pálidos que cortavam o céu e atingiam a Terra
parecendo veias gigantes que alimentavam a redoma de vidro.

O mar já não era mar.
Era um cimento líquido da cor do piche,
criando topos de morro em questão de instantes.

O Oceano rugia seus trovões
com a fúria de um leão
e em descompasso com o quedar dos raios.

Não sobrara muito
do que fora o barco.
Madeiras na água,
mais homens ao mar.

O grito dos desesperados
mesclava-se
com o som gutural
de pessoas se afogando.

O único que permanecia do lado de fora do barco
na escuridão infinita da noite sedenta
era o capitão.

Os marinheiros sobreviventes
haviam se enfiado nos intestinos
da embarcação e sentiam-se como fezes.

Mas não o capitão. Ele era viril varão,
de calos na mão e ferro no coração.
Homem sem comparação, hercúleo, homenzarrão.

Lutava aos urros e aos murros contra o Mar.
As gotas caíam do céu escuro
numa cadência tão forte

que o barulho da chuva
deixara de parecer um simples gotejar
para ser um som perene, penetrante, psicótico.

Então, o capitão entoou uma canção:

"Velejando o mar
minha vida inteira
vivi a lutar
vida marinheira.
Chuva, sempre caia!
Caia sempre forte!
Dou-te essa vaia,
pois não temo a morte!"

Depois, urrava seu grito insandecido.

O Oceano inteiro, do seu recôndito leito
até seu topo navegante,
fazia o possível e o improvável para deter o capitão.

Outro relâmpago rugiu, insanamente sedento.

Uma onda se armou,
forçou e subiu.
Era o Mar lutando
para o capitão
nunca ver sua filha
que nascera há pouco.

O navio começou a emborcar.
Os marinheiros choravam desesperados pela vida perdida.
Mas não o capitão.

Ele atirou-se ao mar
com as veias saltadas e os olhos injetados.
E, finalmente, morreu de raiva.

No raiar do dia seguinte,
quando o sol rompeu o céu e calou a chuva,
ouviu-se nas águas a seguinte canção:

"Marinheiros de ilustre embarcação,
ouvi bem o que diz o capitão:
o mar é meu e eu não divido, não!
Pois passei por nefasta aprovação.

Se buscais conhecer esta lição,
Olhai o que diz vosso coração.
Estais dispostos a tudo abrir mão?
Se sim, vinde cantar essa canção.

Vinde lutar pela vossa razão.
Vinde esquecer que tivestes nação.
Vinde vencer segurando o timão.

Melhor que viver uma vida em vão
é nadar no infinito do Mar são.
Vossos sonhos na água salgada estão."

21/01/10

Esse poema também não ficou com a distribuição espacial com a qual ele fora feito. De novo, é só me pedir.

O brasileiro que queria ir à Lua

E o nome do garoto era João.
Nascera numa família muito pobre
que morava num barraco perto de São Paulo,
ao pé da Rodovia dos Imigrantes.

Seu pai morrera quando ainda era muito novo,
atropelado por um caminhão desgovernado na Rodovia.
João não tinha irmãos e sua mãe não queria casar de novo,
pois ainda amava demais o marido falecido.

O pequeno tinha um sonho guardado com pudor:
ele queria ir à Lua.
Passava noites e noites deitado na grama
perto da sua casa, olhando para o céu.

Nascia com a Lua nova
lutava com a Lua crescente
reinava com a Lua cheia
chorava com a Lua minguante.

Nada tinha mais importância para ele
do que sua noiva de branco,
a esperá-lo, sorridente, nos confins do Universo.

Um dia, tomou coragem e disse à mãe:
“Quero ir pra Lua”.
Sua mãe sorriu resignadamente e lhe respondeu:
“João,
faça isso não.
Não escuta teu coração.
Vai trabalhar, ganhar teu pão;
é melhor voltar os teus olhos pra razão...”

João até que tentou esquecer a Lua,
mas não podia.
Ela estava sempre ali,
tão grande, tão redonda, tão linda...

Na escola, o professor dizia:

“Vejam que poder!
O homem, tão pequeno,
inventou a nave,
a força, o foguete,
jogou-se pro céu
e chegou na Lua!
Os americanos
investiram muito
chegaram primeiro.”

João teve raiva de si mesmo.
Por que nascera brasileiro?
Por que nascera pobre, num barraco aos pés da Rodovia dos Imigrantes?
Descobriu que nenhum brasileiro
jamais estivera na Lua.

O rapaz sentiu falta de seu pai.
Teve vontade de também morrer atropelado
por um caminhão desgovernado.

João chorou muito.

Ele não sabia o que fazer.
Quis bater na Lua, mas ela era inatingível.

Decidiu seguir com a vida.
Arranjou emprego como garçom.
Esqueceu-se de sua antiga noiva
e começou a sair com outras garotas.

E, por certo tempo,
ele foi feliz.

Mas bastou-lhe ver o corpo
da primeira mulher nua
para se lembrar da sua Lua.
O coração ardeu em chamas!
Ele teve ódio e, furioso,
largou a mulher na cama.

Era Lua cheia.

João foi para um morro bem alto,
próximo do barraco em que ainda vivia com sua mãe.
Louco, desregrado, com olhos vermelhos e marejados,
João gritou:

“Escuta aqui, Lua!
Agora eu te odeio!
Te amei toda vida,
mas eu fui largado.
Diz! Cadê você?
Conta a sua ausência!
Por que sofro tanto?
Não há quem aguente
sua pele distante
seu carinho longe.
Eterno silêncio
foi tudo que ouvi
esses anos todos
atrás de você.
Tu nunca me quis!
Eu vou me matar.
Desisto de tudo,
espero que entenda.”


Mas veio do céu um forte clarão.
A Lua disse: “não se mate, não.
Eu te amo, João. Esquece a razão.
Vem logo morar no meu coração."

Desceu do céu uma escada comprida
e o rapaz se esqueceu da triste vida.
Subiu rápido a escada infinita
deixando pra trás a cidade aflita.

Dizem que virou rei do Universo,
que vive feliz no infinito imerso
sem caminhão e sem homem perverso.

Hoje, de toda casa e toda rua,
sem esforço, é possível ver a Lua.
A João, toda nua e toda sua.

29/11/09

Esse poema não saiu perfeito no blog porque não consigo colocá-lo com a distribuição espacial das palavras como eu havia originalmente feito. Qualquer coisa, é só mandar um e-mail que eu mostro o arquivo original.
O Brasilerio que queria ir à Lua reúne várias noções e ideias que fui construindo ao longo do tempo, talvez mais para frente eu explique a concepção mais detalhadamente.

domingo, 8 de agosto de 2010

Vinho

Já no copo vejo o fundo,
porém ainda vejo fundo e meio. Se visse só o fundo já seria o fim
e só pessoas que ignoram o meio vêem só o fundo.

Para que correr para a garrafa
se ainda há meio copo?
Deste modo, acabará meu vinho
e ainda terá muito vinho no meu copo.

Ao invés de teimar que não há mais vinho
é melhor deixar o copo na mesa. Calma.
Vou olhá-lo de longe, meio inclinado,
para ver realmente quanto vinho há.

Olhar o copo de modo oblíquo
leva-me a dois resultados antagônicos:
ou haverá mais vinho do que vejo
ou haverá mais vejo do que vinho.

Fato: não vou largar o copo e escrutiná-lo.
É melhor crer que ainda há fundo e meio.
Assim, sempre haverá menos vinho do que quero
e mais do que esperava ter.

19/09/07

Dizer

As palavras
não são palavras,
somos nós.

30/02/10

Da Natureza

        Um amigo
    Dois abraços
   Três vontades
Quatro lágrimas
  Cinco destinos
  Seis repetições

                          Sete mentiras
                          Oito dores
                          Nove certezas
                          Dez loucuras
                          Onze pedras
                          Doze repetições

15/05/10

Agá

Sê tudo
Sê todo
Sê todos
Sê sempre

Ama para compreender

Não julgues
Não fujas
Não faltes
Não morras

Olha o copo de leite em tua mão

Tal cores
Tão vivas
Tão brancas
Tão juntas

E tu, nesse mundo, a separar!

07/02/10

Haicai da inspiração

O palco é silêncio
A verdade está nos homens
O verso é loucura

13/12/09

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Balada da praia ensolarada

Um dia na praia
O sol resplandece
O mar é sereno
A areia está quente
As ondas tão calmas
As nuvens tão fofas
Gaivotas no vento
E uma brisa doce.
Garotas bonitas
De corpos morenos
Nadando no mar
Têm rostos talhados
De traços suaves
Obras primas da
Natureza mãe
Todas essas moças
Que estão hoje na
Praia sem preocupas.
Mal sabem os homens da
Verdadeira vocação
Inerente à alma do
Bucolismo em demasia.
Pois os olhos não têm força
Para ver o que se passa
Por dentro da casca esfinge.
Decifra-me ou te devoro
Devoro-te pois sou homem
Humanizo pois há carne
E a carne merece sangue.
E somos todos mulheres
Gostosos por fora e mestres
Por dentro, no fundo d’alma.
Arquétipos da loucura
Cineastas da loucura
Introspectos da loucura
Correndo vagas do mar
Banhando-nos no sol forte
Fazendo vermelha a água
Que era antes tão translúcida.
Garotas tão lindas
De garras e dentes
De urras e dores
De sombra e de fúria.
A areia tão fria
De grãos circunspectos
E monstros ocultos
Não zela em guardar
Segredos infames
Que os homens estúpidos
Cínicos, ocultam.
É o cheiro de enxofre,
podridão na vida
deixando suas marcas
como se pegadas
dum pé tão saudável.
Os montes são túmulo;
A arrebentação
Ali morre e finda
Qualquer devaneio.
Que nadem as moças
De saúde muita!
Mas vale lembrar:
Bucolismo em demasia
É o enigma da esfinge.

17/10/09

Exteriorização

Há um homem no ponto,
esperando pelo ônibus encostado na parede.
Porém, o ônibus nunca chega.
Impaciente, agora ele berra por um trem.

Porém, o trem nunca chega.
O homem é só fúria.
Num acesso bestial, cerra o punho e
o atravessa para dentro de sua garganta.

Abre a mão já dentro do peito e tateia pelo coração.
Ao encontrá-lo, puxa-o para fora.
As vísceras ganham liberdade, o chão é vermelho,
a calçada está estreita.

Ele sabe que ninguém jamais deve fazê-lo,
mesmo assim, o fez. A partir deste momento,
existem pouquíssimas coisas que podem pará-lo.
Despreocupado, segue adiante.

A carne mostra o que ele tão zelosamente guardou
toda a vida. Os olhos inchados choram sangue.
O coração deixa à mostra todas suas cicatrizes
enquanto bate melancolicamente.

Os pulmões negros crepitam a fumaça,
inspirando dor, fuligem, solidão e
expirando um ar nostálgico e demasiadamente
sombrio. A narina está pendente.

Os intestinos caíram, em parte, no chão e
agora são arrastados pela travessa ignota.
A cada metro andado, ficam mais puídos,
mais do caminho o lixo absorvem.

Os tendões repuxam-se, distendem, tremem,
num ciclo inadvertido e ininterrupto.
Ele anda num passo cambaleante, num passo de
homem sem rumo, de vida sem destino.

Os ossos alvos constatam a rigidez do
sistema mecânico que sustenta o mundo.
As costelas, agora abertas em forma de asas,
eram antes uma prisão do que uma proteção.

A língua oscila, desfalecida e esquecida
a um canto da boca.
A baba é de um material pútrido
cujo cheiro assemelha-se ao da depressão.

Os músculos retraem-se num frenesi descabido.
São grandes, são fortes, pois agora a larga
capa de gordura que antes os cobria
dependura-se na cintura.

Ele está feliz, muito feliz. Mas perdeu muito sangue.
Sabe que entrou por um caminho sem volta.
Tudo na vida tem um preço.
O ônibus chega enfim, mas ele já não pode mais embarcar.

26/06/08

Desmembrando a existência para tentar defini-la

Ao longo do tempo, vários teóricos discutiram o sentido da nossa existência. Desde Platão e seu Mito da Caverna até filmes de Hollywood como “Matrix” (no diálogo do primeiro filme entre Morfeu e o agente Smith), muitos tentaram definir razões pelas quais as pessoas possam viver. Mas, talvez, não seja possível definir a existência como um todo, uma massa indivisível a ser mensurada. Sendo um substantivo abstrato, a palavra “existência” carece de uma figurativização. Não podemos imaginar a existência sem ter que imaginar alguém ou alguma coisa existindo. Se não há como medi-la nem exemplificá-la, talvez seja melhor desmembrar a palavra para que se encontrem definições mais próximas da nossa vida. Retira-se a “existência” de seu palanque de superpotência alheia à lógica humana e traz-se para perto da vida quotidiana.
Por exemplo, podemos tentar definir a minha existência. Ou seja, qual o significado da vida de cada um? Somos construídos ao longo do tempo por experiências e por outras pessoas, vivenciamos datas e fatos que cabem somente na forma de uma vida. Um soldado que lutava pelo seu país na Primeira ou na Segunda Guerras Mundiais pode ter feito de sua existência uma luta perene pelo seu país, pela bandeira de sua nação. Diametralmente oposto, temos Gandhi, o líder indiano, que lutava pela não-violência. Ambos fizeram de suas vidas uma batalha sem trégua até o fim pelos seus ideais. São duas definições divergentes de existência. Para um mendigo que mora numa grande metrópole, como São Paulo, existir pode significar comer, beber, dormir e fumar. Não uma luta, nem uma trégua, mas viver a esmo, seguindo basicamente seus instintos.
Define-se também a existência na contemporaneidade. O homem moderno está longe de seus ancestrais. Não precisa mais matar animais na selva, depois de longa caçada, para obter alimento. Não precisa passar fome por dias a fio até chegar a colheita. O homem da Idade Antiga vivia com condições precárias de saúde e sabia que morreria, no mais tardar, aos trinta anos. O homem da Idade Média europeia vivia sob o medo constante do ataque de bárbaros. Hoje, temos carros, televisões, internet, mercados de ações, aviões, celulares, fotografias digitais. Será que nossa existência continua sendo a mesma? Talvez nossos objetivos sejam outros, já que sabemos que temos grande chance de viver muito, optamos por ter filhos mais tarde, ou não ter filhos, ou nem casar. O Homem existe cada vez menos no plano físico e passa para o plano metafísico. Somos as letras, a internet, as fotos, uma rede de dados que circula pelo mundo todo e representa quem nós somos.
E qual seria a definição de existência para quem ama? O amor cria uma condição diferente de vida. Já dizia Camões: “Transforma-se o amador na coisa amada.”. O ser que ama é o amor, tem em si a necessidade e a cura para seu próprio problema. Como os casais que sentem falta um do outro quando estão separados. Sofrem de saudades e a sua existência toma novo rumo. Ou quando um pai afirma que daria a vida pelos filhos. Assim, sua crença abandona seu corpo e passa a existir em outras partes da vida.
A existência também toma várias formas conforme vão passando as fases da vida. Para um bebê, o raiar do dia, o quedar da noite significa a descoberta de um universo completamente novo. Existir é descobrir. Para uma criança, a vida continua cheia de aventuras, sem qualquer limitação física, sendo o quotidiano uma eterna provação de seus limites. O jovem já vive em sintonia com o mundo ao seu redor. Teias sociais são construídas e a vida toma rumos muito maiores. O adulto, imerso como está na realidade, vive o extremo intelectual que seu corpo permite. O idoso vê seu mundo sendo contraído pela sua condição física, abrindo sua condição metafísica para que possa seguir em frente. Charles Chaplin afirmou que a vida está errada, que deveríamos primeiro morrer para depois nascer e voltarmos a ser jovens, como se o ciclo da existência deveria se tornar mais forte ao longo do tempo. Mas, talvez, a graça da vida esteja na sua constante precariedade, na luta pela sobrevivência, no júbilo incessante de se ter noção plena da existência. O medo da morte nos torna vivos.
A existência também depende de condições físicas. Um ótimo exemplo é Stephen Hawking, um dos maiores físicos da atualidade, que sofre de esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa que paralisa os músculos do corpo. Com certeza, esse brilhante homem não teria oportunidade para ser um atleta, ou mesmo para exercer profissões que dependessem de seu físico, como bombeiro, operário, médico cirurgião. Sua realidade foi moldada forçosamente pelo seu corpo. Hawking demonstra que a batalha da vida pode ser muito mais complexa do que pensamos e figura uma solução encontrada para seguir em frente com uma alma presa à sua prisão carnal debilitante.
As diversas religiões também nos abrem diferentes interpretações do mundo. (É impossível tentar descrever nesse pequeno texto grandes doutrinas de religiões milenares, então pequenos resumos, ainda que incompletos e com margem para interpretação, podem elucidar um pouco essa questão.) O Budismo fala em seis domínios da existência, todos sendo incompletos porque acabam em decadência e morte. A reencarnação se faz ao redor desses mundos, sendo a meta final evitar a reencarnação e, finalmente, atingir o Nirvana, ponto de existência plena. Tanto o Budismo e o Hinduísmo acreditam em reencarnação e no karma: o ciclo da vida, Samsara, é influenciado pelos atos das pessoas que geram diferentes karmas, ou seja, atos ruins efetuados nessa vida podem gerar um karma negativo e influenciar a próxima vida. Em ambas as religiões, é preciso sair da roda da Samsara para se atingir um estado maior. Já as religiões cristã e judaica pregam a noção de uma só existência sob o jugo de um deus forte, sendo que os católicos acreditam já ter vindo o filho de deus para a terra, Jesus Cristo. Para os católicos, há o inferno: local de eterno sofrimento destinado para aqueles que foram ruins durante a vida. Portanto, na existência de um católico, o mal deve ser evitado quase sempre para que a vida após a morte seja aproveitada no paraíso. Já os judeus, preocupam-se mais em definir uma doutrina para se seguir ao longo da vida, sem ter que rotular categoricamente a existência de céu e inferno. Um ponto que divide o budismo-hinduísmo do judaísmo-cristianismo é a reencarnação, que pode gerar diferentes interpretações sobre a importância de uma só existência. Um ponto que une essas quatro religiões é a negação de atos considerados ruins (o “pecado” dos católicos), sendo a busca de uma vida plena e harmoniosa uma meta comum.
Por fim, após analisar a existência de vários ângulos, qual seria o sentido dela para quem está prestes a morrer? Teríamos as famosas cascatas de imagens de tudo que nos aconteceu correndo perante nossos olhos? Sofreríamos de um medo irrefutável que nos devorasse a alegria enquanto sentiríamos gelar nosso corpo? Ou talvez o júbilo de atingir um estado maior de vida finalmente repousasse em nossos ombros? Essa é uma questão que fica aqui aberta. Para nós, meros mortais ainda nesse frenesi carnal, basta tentar definir o que nos é tangível e seguir com o ilustre quotidiano da existência.

31/01/2010

Cronologia

Os textos colocados nesse blog não estarão necessariamnete na ordem cronológica em que foram escritos. Por isso, cada um terá a sua data de escrita e data de postagem no blog - que podem iguais ou não.