segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

sábado, 19 de janeiro de 2013

A prática poética



A poesia existe dentro de cada um de nós.
Escondida, tranquila, maravilhada.
Ela é um floco de neve que cai do céu da nossa alma
e se junta aos outros flocos sentimentos do corpo,
formando nossa montanha.

A poesia não precisa necessariamente se manifestar
através de palavras dentro de cada pessoa.
Ela está num traço, num gesto,
na dedicação, no desejo.

A poesia não existe e nunca vai existir.
Ela não é concreta, nem concreto, nem asfalto.
Ela é o vento que toca nosso rosto,
mas nunca podemos adivinhá-lo.

O vento existe tal como a poesia.
Num estado suave, de velocidade e mudança,
na graça de atingir a existência humana
em níveis diferenciados.

A poesia escorre de nossos olhos em
pequenas gotas de orvalho
que rolam em nossa face,
montando seus versos.

O pranto vertido é também poesia.
Assim como os coraçõs que batem
e as vistas que se cruzam.
É a parada do trem das onze.

A poesia é tudo dentro de nós.
Estilhaçada em um milhão de pedaços
que correm serenos por nossas veias,
receosos de um dia encontrarem libertação.

Caio Mello
19/01/2013

domingo, 13 de janeiro de 2013

O elenco



Ali no mastro, um cheiro de estrume.


Bacia solitária no gotejar das manhãs.


A puta velha se ri do mundo.


Camisas rasgadas e olhos com sangue.


A máscara perdida de um rosto gordinho.


As panelas sujas empilham-se.


O corpo decapitado samba.


Debaixo das terras se escondem as vozes.


Um caroço preso na garganta dentro da árvore.


O palhaço aposentado com a maquiagem borrada.


Diarreia e vômito.


Atrás da banca o mendigo defeca.


O gosto velho de café requentado.


A gordura do corpo entra pelos ouvidos.


Não fazer pelo gosto de reclamar.


O tédio e a curva.


A velha-nova esquina do que se foda.


Os meninos mentem meninas.


Uma triste constatação de inverdades.


O cachorro sem pernas não pode latir.


O corpo flácido retumba na madrugada.


Carne moída no fundo do copo.


Lampreia, lombriga e lorota.


Cuspe sangue depois do cigarro agramático mal lavado.


A certeza da feiúra e a consequência da solidão.


O belo falso suicidade.


Um bilhão de pessoas. Ninguém se conhece de verdade.


Debaixo da mesa de jantar, namoradinhos desvirginam-se.


A hipocrisia das boas vestimentas.


Anéis em dedos e línguas.


A opa cidade gris.


Bipolaridade coletiva.


Bitolas incorretas incapazes de circular carvões.


A inutilidade grisalha.


Olhos que não cheiram as cores da morte.


O álcool nos tanques do fígado anidro.


Raquitismo poliglota e imberbe.


A solidão faz novos amigos.


Aquele último baile para se sentir repassado.


Homens que não nasceram para hominar, antes ruminar.


De segunda a segunda um peido por dia.


E, depois das pílulas, mais porra nenhuma.

Caio Mello
13/01/2013

sábado, 12 de janeiro de 2013

Cinquenta centímetros de terra



Ele está enterrado.
Não tem cova.
Não tem caixão.

Semeado em vala comum,
que a terrra lhe parta em vários.
Do outro lado do mesmo chão,
suínos putrefazem-se.

Não teve direito a rezas de última hora.
Não recebeu extrema-unção.
Nem mesmo uma flor sequer
brotou por cima de seu moribundismo.

Triste. Roto. Feio. Cancro.

Seu corpo-defunto
não sabe se é corpo
não se sente morto
não sabe do assunto.

Ali, debaixo da terra, já não há mais dia
nem noite. O tempo não se conta.
Ele sente as larvas crescendo pelo que foi um dia
a sua existência.

Como pensa, se já não tem mais tanto cérebro?
Como sente se já não tem sequer mais carne?
Ele realmente pensou que morrer fosse bem mais simples.
Um rápido fechar de olhos e cessar de coração.

Mas, ao que parece, estava enganado.
Será que todas as pessoas passam pelo mesmo processo?
Será que, quando todos morrem, devem passar pelo estado
de putrefação?

Tanto faz. Agora já não tem mais diferença.
Pelo visto, ele não vai conseguir falar com ninguém.
Não tem mais língua para falar.
De novo, um inseto entra em sua boca.

Mas que sensação horrível!
Um verme devorando-lhe o rosto...
Ele sente sua bochecha sendo mordida...
perde nacos de sorriso vagarosamente...

É preciso tentar manter certa ordem mental nessas horas.
Mas, afinal... Será que ele ainda estava vivo e enlouquecera?
Será que tudo isso não passa de uma crise psicológica?
Tenta se lembrar do seu último dia de vida...

Estava na estrada, andando de bicicleta.
Sim, isso. Ele foi um atleta em vida.
Morava em São Paulo, mas gostava de subir
a serra com sua bicicleta.

Atropelado! Que sensação horrível.
Depois... Enterrado no chão, a menos de meio metro.
Se fizesse uma força um pouco mais séria,
conseguiria sair da terra.

Força? Como assim força?
Como conseguiria mexer um músculo que já não existe?
Mas, se nada mais funciona, por que a mente não morreu?
Sim, ele teria que aceitar a metafísica.

Ateu convicto agora no pós-morte. Que absurdo.
Enfim, os religiosos estavam certos.
Não, mentira. Até agora nem sinal de Deus.
Nem mesmo um sinal de alma. Ele não tem alma.

Está simplesmente preso a uma carcaça enterrada.
Mas isso não quer dizer que os católicos, judeus,
muçulmanos e protestantes estavam certos.
Até agora, todos eles haviam errado.

Aquele verme devorando-lhe a bochecha lhe assustava.
Ele queria chorar, mas não podia.
Seus olhos ficaram secos e suas pálpebras sumira.
Ele podia... Sentir. Isso ele podia.

Sentia seu corpo e pensava.
Não conseguia reagiar, não tinha reflexos.
Era como se tivesse perdido a humanidade.
Mas ele continuava ali.

Tudo tem uma explicação.
Isso deve ter uma explicação também.
Talvez a metafísica o ajudasse.
Mas ele nunca fora muito de estudar.

Lembrava vagamente de umas ideias
que teve quando jovem.
Pensou inclusive em prestar teologia.
Mas descobriu-se um imprestável.

Tudo bem... E agora? E agora?
Melhor tentar dormir...
Mas dormir significa estar cansado
e estar cansado significa estar vivo.

Ele não está vivo. Nem morto.
Está. Simplesmente.
Não consegue explicar, nunca pensou nisso.
Aliás, talvez, ninguém jamais pensara nisso.

Que coisa mais chata. Morrer sem funeral.
Que infelicidade para seus pais,
chegar agora no fim da vida com o filho sumido.
Ele queria ter mais uma chance.

Só mais uma chance...
De poder levantar e tentar de novo.
Aquele filho da puta te atropelou.
Que mundo sem sentido.

Você acaba sendo atropelado
numa estrada de tarde,
param pra te socorrer, mas...
Na verdade, só te enterram morto.

Tem um fator que ele ainda não considerou.
Ele pode ter tido um trauma muito forte,
mas não chegou a morrer completamente.
Afinal, que horas se morre?

Mas isso também não fazia o menor sentido.
Morrer era parar de respirar.
De fato, ele não respirava.
Que experimento medonho ele tinha se tornado.

Já lera alguns contos de horror e
vira pessoas enterradas vivas.
Sofrendo, morrendo...
Um sem-fim de histórias macabras.
Mas essa era só a história dele...

Ele era um cara normal,
de uma família normal.
Não era milionário, não era maluco,
nem psicótico. Tão normal que irritava.

Ele queria uma explicação que fosse!
Por que tinha que ficar sozinho ali?
A solidão começa a invadir sua alma.
Alma, consciência, pseudo-vida.
Tanto faz.

Desespera-se. Grita por dentro.
Chora por dentro. Treme.
Rasteja. Roda em círculos
em seu próprio existir.

Porém, não obtém resposta.
Nem reflexo, nem abandono.
Não acorda, não morrer de vez...
Não é mais ninguém.

Não vai para lugar nenhum.
Atingiu o pior estado possível.
Está vivo sem existir,
preso a um corpo em decomposição.

Nada acontece. Nada se move.
Nada muda. Nada.

Nada.

Caio Mello
12/01/2013

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O rio da vida



Lá está o novo dia,
a nos espreitar
do outro lado da ponte.

E nós, talvez livres por fora,
mas presos por dentro,
inicialmente permanecemos
estáticos.

Em cubos, caixas, fios.
Não sabemos exatamente onde começar,
nem onde dar partida, nem onde ter fim.
Somos, apenas.

Ficamos, por instantes,
naquele ambiente apertado e frio
enquanto cai a chuva
como se fosse lágrima da lua.

E nossos corpos tomam vida,
dançam pela noite, giram pelo dia.
Deixam-se estar, pipas enpinadas pelas estrelas.

Vencemos o frio, o medo, a chuva.
Invictos, ganhamos as ruas.
Tomamos as praças, tombamos os monumentos,
glorificamos as conquistas.

Montamos nossa própria revolução,
hasteamos nossas bandeiras.
As batalhas nos calejam
para que nossas mãos possam sustentar o mundo.

Esse próprio globinho azul, então, fica pequeno.
Do tamanho de um dedo, fino como fio de cabelo.
Pouco, quase nada.
Ele se reflete de leve em nosso próprio raiar.

Enfim, já não precisamos mais de pontes.
Somos leves o suficiente para flutuarmos até a outra margem.
Assistimos silhuetas de castelos, majestades, anjos!

Lá, em festa, nos espera o novo dia
de mãos dadas com nosso sonho de algodão-doce.

Caio Mello
03/01/2012