sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O enigma das cores


Ele vinha com o seu chapéu colorido.
Muitas, muitas cores...
Vermelho, verde, rosa, amarelo, branco...

Tudo
            que
                        se
                                   quer
                                               ver
                                                           na
                                                                       vida.

Tinha calças compridas.
Por cima, uma meia bem alta
que variava por cor também.

Ele ria. Ria de tudo.
Das pessoas, dos homens, das carreiras, das alegrias...
Ria até chorar.

Mas
ninguém via ele chorando.
Isso porque usava um óculos muito grandes,
que cobriam quase seu rosto inteiro,
escuros como a noite.

Mas os dentes eram destacados.
Brilhantes, fortes, compridos,
sempre abertos numa bocarra
que pare
cia que
rer engolir o mundo.

Suas luvas brancas
Deixavam os dedos
Cobertos de dia
Cobertos de noite
Cobertos pra sempre
(tinha mesmo dedos?)

Andava com seu paletó roxo
e com sua loucura pelas ruas estreitas.
O verde pairava no ar, bailando junto ao seu gingado.

Era esguio, esperto, macabro.
Parecia não ter sequer um fio de barba.

O pouco de pele que mostravam as bochechas
em mais brancos do que o dia.
O pescoço era fino e comprido.

                                     pelo
                        andou              telhado
            vez                                            das
Uma                                                               casas.

Quem será?
Quem se
rá? Quem?

Pulava rápido, saltava infinitos com suas pernas longas,
parecia voar desconexo pela imensidão.

E de repente... Alguém parava de respirar.
A criança doente, o velho cardíaco, o jovem descuidado...

Era uma choradeira que não tinha fim.

Meu Deus!
Por que?
Não ele!
Não hoje...

Mas era assim mesmo que acontecia, sem tirar nem por.
Era uma tragédia catatônica sem limites
que só Deus sabe de onde vinha.

E, quando os pequenos dormiam de noite depois de muito chorar,
ele voltava para as casas e bebia o choro
que corria pelas bochechinhas pequenas.
(choro de jovem é mais doce do que de velho)

Às vezes deixava bilhetes...
A saudade é apenas o prelúdio.
A grande obra ainda está por vir.
A palavra fim foi criada pelos homens.

[perder todos perdemos
a falta que sentimos,
ó tristeza que corre o peito,
deixa teus filhos andarem tranquilos.
Entende que o mundo precisa correr.
A planta precisa de água,
o governo precisa de impostos,
o gato precisa de comida,
o metrô precisa de gente.]

Ele não desaparecia com o dia.
Muito pelo contrário:
adorava ficar reluzindo suas cores
aqui e acolá.

Começava como uma dor no peito, dor de cabeça...
Ou um motorista de ônibus que não tinha dormido direito.
Em pleno sol de meio dia... Aquele calor... A distração.
E zub. Alguém truncado debaixo do ônibus.

A poça vermelha
Jazida num canto
O corpo morrido
A mente sumida
Sirenes chegando
Povo aboletando
Tanta, tanta gente
Que o morto sumia
Grande multidão
Mas os motoristas
Só querem saber
De tanta demora
Tenho meus horários
(enfadonha labuta)
Tenho meus deveres
Como faz? Fugir?
A mão na buzina
O caos na terra.

Fileiras gigantescas de carros verdes, vermelhos, amarelos, brancos, pretos...
Muita gente que passa pouco repara.
Sapatos marrons, guarda-chuvas laranjas...

Basta um sorriso
para
tanto tanto colorido
acabar na escuridão...

Caio Mello
30/09/2011

Metropolitano


Ele deveria estar morto,
mas cá está, ainda vivo.
Seus olhos parecem sofrer por dentro.
Mas riem por fora.

Sua boca é recheada por poucos dentes.
Seus lábios mexem-se constantemente, frenéticos.
Queixo fino.

A pele vinca
da pelo sol.
Os bra
ços finos parecem não
conse
guir sustentar o peso do mundo todo.

Mas sustentam.

Carregam peso, carregam gente, carre
gam sacolas supermercado.
De super te
mos todos.

A camisa, azul e preta, parece um grande manto
largo e recostado num
esgui proje
to do que já foi um dia uma pessoa.

Barba cerrada e branca.
Cabelo pouco, bem curto também
branco como a neve.

Sua finu
ra balança
com as curvas do metrô.

Antes fosse ôni
bus, mas a linha nova ainda continua cheia.

Cheia de gente, muita gente! Um mar de pessoas que parecem preocupadas com o relógio bates seis, sete, oito horas... Os ponteiros continuam correndo! Milhões de pernas... E ninguém se conhece.

Ele não... Ele parece conhecer todo mundo.
Pelo menos de soslaio.

Não se sen
ta. Talvez também
não sin
ta. 

Mas está bem desse jeito.
Vai durar até quando quiser.
Ou até ter um derrame e não conseguir ser atendido no serviço público.
(vai morrer de desgosto, quem sabe)

Mas, por en
quanto, todos vi
vem.

Para o trem.
Ele desce da estação, molejando o corpo.

Caio Mello
30/09/2011

sábado, 24 de setembro de 2011

Poema das vontades


Que se comece em mim
o princípio que há muito já existia.
Que floresça o que há de se florescer
e que não faz sentido.

E que continue sem sentido essa sensação
esse sentimento que vem de longe
que me enche o peito
e me esvazia o desespero.

Que nunca falte essa sensação,
que não se afogue o que sou
no mar das coisas que
devem ser feitas.

Que se façam as coisas, enfim,
no seu vagar necessário e quotidiano
(no badalar simples e reflexo
dos sinos da Sé).

Que eu seja o meu desejo
a minha carne
o meu erro
o meu erro, sim, o erro.

[o erro, erra, erro. o erro. erra o erro berro. berra
o berro erro berra perto de quem se berro.
borra a tinta que berra berre berro o borro]

Que eu seja o futuro presente
no dia de ser eterno
quando nunca mais me faltarem
todos os dizeres.

Que meus versos não alcancem ninguém!
Nem mesmo as paredes os leiam.
Nem mesmo as próprias páginas que os colorem,
nem as telas que os brilham.

Que morram ignotos, esquecidos,
que morram nesse estado de infinitude
quieta e serena.
Porque me são como raio da manhã.

Que seja em mim essa descrição
que não pode ser descrita
esse meu distanciamento presente
de quem sente bater o coração.

Que a obrigação seja apenas a
simples farsa do prazer.
Que o prazer continue
sendo prazer.

(Lembro-me, não sem dor,
daquela tarde na casa de praia.
O mar, salgado e doce,
nos pranteando a alegria de viver.

A casa, quase vazia,
lotada apenas pelos nossos atos.
E a água descia pelo ralo,
pintada de nossas loucuras)

Que seja imortal!
[(aquilo que é infinito e nunca deixará de ser nem sempre é imortal)]
Que seja inerte!
Que seja louco! Louco!

Que morra aos poucos
aquilo que deveria existir para sempre!
Que seja divisível aquilo que foi feito
para ser uno.

Que não faça sentido!
Nunca!
Que seja apenas a futilidade
de algum imbecil decidido a versar.

Que morra, putrefeita,
num canto de sepultura mal sepultada.
Que o mal impere,
inundando o mundo com suas águas de veneno.

Que morra o céu,
mas que permaneçam as estrelas

[Temos o céu à noite
para podermos compreender
que somos feitos de estrelas.]

Que morra o vento!
Morram, morram todos!
Morra o mundo e
suas lágrimas.

Que a utilidade da máquina
seja muito mais imperiosa
do que qualquer nuance em laranja
que me pinte o entardecer.

Que a normatividade impere
nesses buracos que há pelo mundo.
(os buracos não foram feitos para serem preenchidos,
são falhas da mente humana).

[O silêncio invade-lhe hoje a mente.
Deus, imploro-lhe que as palavras
brilhem de novo em seus lábios.
Por favor, por favor...
Impeça o choro]

Que eu seja o nada
o vácuo
a vaca pastando
sua grama qualquer.

Que a deglutição seja
lenta
e majesto
sa.

Que se per
ca a vonta
de que se foi num mo
mento que perdemos
naquele passa
do por al
guma pessoa en
contrada.

[Consta aqui na ficha que o senhor nunca passou pela nossa loja antes. É verdade? O senhor gostaria de fazer um cadastro? É rápido, é gratuito e vai te dar muitos descontos.]

Que eu seja o dia-a-dia.
O vai e volta do leite.
A camada ressecada que cobre
o queijo velho.

Que o cão volte a latir de madrugada.
Que o mundo gire em sentido horário,
diagonal, perplexo, convulso, norte-sul.
(O cão é o melhor amigo do homem)

Que seja a poesia.

Caio Mello
24/09/2011

Recomeço

À toda poesia do Universo,
para que se deixe nascer
um novo raiar.

Caio Mello
24/09/2011