segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O Vidente

Era tudo uma grande mintchira!
I o céu rachô in dôis.
E nóis aqui di paspaio,
tentando achá o qué mió
nesse todo dôido qui só.

I us Infernu brotô
cas mão pra fora.
Us hómi todo
si borrando nas carça!

Escut`o queu digo!
É verdadi!
Essa vida aí que
vai levandu nóis pra frenti
é a meisma qui leva nóis
pra trááás! Pra trááás!

I us infernu vem pra terra!
I us internu vem pra terra!
Aleluia! Meus irmão!
Qui Deus seja louvadu!
Qui ele mi carregue desse brocotó tôdo,
não tá dandu mais...
Pelamor di Nossa Sinhora,
Mãe di Deus, nossu Sinhô.

Mi ouve!
Não passa retu!
Mi ouve!

É tudu erradu.
Tudu, tudu, tudu...

Caio Mello
20/12/2010

The American Song

Whad`ya wanna buy?
Ai, meu pai, não fica nesse entra e sai...
Wha`? So, ya wanna stay?
Ai, meu rei, fala assim não que eu nem sei...

Jus` tell me an straigh` answer, ok?
Não sei, já falei!
Oh, fuckin` Brazilians...

Caio Mello
20/12/2010

domingo, 12 de dezembro de 2010

Gruta

Seu corpo inteiro doía. Ele rastejava. A água fria parecia entrar-lhe na pele, silenciosamente devorando sua carne. Ele tremia. Perdia-se entre o que via e o que poderia ver. Sentia-se grudar em si mesmo, como se fosse uma pasta homogênea sob a silhueta de um ser vivo. A gruta era forrada por pedras pontiagudas. As pontas estavam em todo lugar: onde ele apoiava as mãos, onde apoiava os pés, onde rescostava-se, onde tentava freneticamente dormir. Ele só podia ver a saída no fim das pedras. No fundo, bem no horizonte, o oceano tocava o céu delicadamente. Mas ele não podia ir até lá.

Escrevera seu nome diversas vezes nas paredes.

João João
João João João
João Ninguém

João tinha vários pequenos cortes em seu corpo. Sua roupa esfarrapada mal conseguia cobrir o que o pudor esconde. Seu rosto não era muito vincado. Ali dentro não havia muito sol. Era um rosto amassado, mal construído, perdido na loucura de um homem solitário. Ele arfava.

Tentava se levantar.

Osso sobre osso

poço fundo poço

fosso sobre osso
poço fim colosso

Arquejava, envergava o corpo, grunhia e caía ao chão novamente.

De repente, ouviu alguém.
Estranho.
Não fazia sentido ter alguém ali. Não mesmo.

“João, João, o que procura?
Você, nessa gruta tão escura.
João-menino, olha o mar ali fora.
Há tempos você devia ter ido embora.
João-moço, carrega culpa demais.
São tristezas de tempos atrás.
João-velho, joão-ninguém,
joão-fraco, joão-refém.
Deixou-se cair aqui depois de tanto
e espera da vida mais nenhum canto.
joão-cego, os olhos force!
As entranhas agora você torce.
joão-perdido, joão-sem-rumo
homem fraco, sem força nem prumo.
Eu que te vi nascer
estou aqui e não posso crer.
João, e agora?
Vai esperar a morte que demora?
Vai esperar vazar de seu corpo a hora?
Vai relapidar a gruta que chora?
Não, João, com certeza não.”


João prostrou-se no chão. Seu corpo mal se encaixava nas frestas da rocha recém desnuda. Decidiu jogar um ar mais resoluto para a voz que o interpelava. Fixou a vista com mais calma. Um homem, sentado em uma das pedras confortavelmente o encarava, tranquilo. Usava um terno cinza, bem talhado, camisa branca com abotoadeira, gravata vermelha (um vermelho suave, discretamente rubro). Rosto esguio, queixo largo, barba feita recentemente. Ele encarava João com olhos devoradores. Pareciam consumir as pessoas ao simples relance soslaiado.

“Ei, você é Deus?
Cuida de outros filhos seus.
Esse aqui está em bem.
Não quer ser mais um quem.”

“Não, Deus tem lá um outro jeito.
Eu sou mais eu, jogo simples e feito.
Eu estava lhe procurando há alguns momentos
entre pedras, tristezas e pensamentos.
Mas, do mundo todo, não pensei em procurar aqui.
Fiquei surpreso quando lhe vi.

Oh, João, pronúncia do passado,
loucura de um ser errado.
Deixou-se levar pelo acaso
esse que come carne e deixa atraso.
Vamos, levanta.
A dor será para sua carne manta.”


João estava puto. Tudo estava ótimo. Ele, sozinho, sem ninguém, jogado ao léu sem medo de ser nada. Agora, surgira aquele homem. Cheio de comandos, cheio de dizeres, cheio de querer mudar as coisas. As coisas eram coisas e pronto. Não deviam ser mudadas. Se elas não quisessem ser coisas, teriam surgido de outro jeito. Mas eram coisas! Saco. Mas o homem insistiu em ajudar João. Levantou-o pelo braço, suavemente içou-o até que ficasse ereto. João era fraco, o homem era forte. Carregava o corpo desfalecido como se caregasse um peso de papel.

João aproximou-se da saída.
Tremeu.
Seus cortes arderam.
Não. Não... Não! Nãonãonão...

Estuporou a saída.
Seu corpo explodiu em um milhão de sensações conjuntas,
como se ele pudesse cobrir a Terra inteira.
Arreganhou os dentes.

Conseguiu ficar de pé por poucos segundos.
Seu corpo ardeu em chamas,
vomitou.

Falseou, desequilibrou-se.
Caiu no chão e perdeu os sentidos.

Caio Mello
12/12/2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

Uníssono

Mantinha seus pés fixos com medo de separá-los. Mantê-los descoesos era segregar mais um detalhe desconexo de sua vida. O topo do prédio era fosco e vazio. E ele, ali, numa vontade de continuar vazando pelos cantos. Ele, pouca vida, pouco homem, pouco Rafael. O cimento imperava-se como uma batalha sem fim que lhe cobria os escrúpulos. Pensar era um necessidade e, ao mesmo tempo, pensar era um mero fim em si mesmo, como se a vida fosse um reflexo do que ele era agora.

Eu quero te crer
a volta-morrer
num perdido canto
do homem de descanto.

E Rafael. Sim, Rafael. Parara refletindo-se sobre isso. Meramente isso. Seu nome. Como uma dominação. Como sendo ele, sendo sobre ele, sendo ele mesmo em um mero papel. Uma cascata de experiências que poderiam ser exprimidas num simples juntar de letras. E ele era. Talvez nada mais do que isso. O cimento, não. O cimento era mais. O cimento era tudo. Este cimento estava coeso, duro, presente no mundo todo sempre como cimento. Havia vários Rafaéis no mundo, mas somente um cimento.

Para botar casa de pé, cimento
Para por fogo no chão, sentimento.
Para por chasa de fé, centimento.
Para botar chogo no fão, simento.

Era tudo duro. Tudo havia sempre assim? Ele não sabia. Não vivera tanto tempo para poder sentir o mundo em sua plenitude, como se fosse um cálculo gigantesco, hipérbole metafórica do homem. Ele fora pouco. Sim, pouco. Talvez até mais para parco do que para pouco. Ser parco era o ser para poucos. Ser... Para quê?

Ali de cima,
azulava o horizonte com seu sorriso.
Rafael não sorria.
Podiam outros detalhes sorrir.

E só.

Mantinha-se ele naquel dúvida que só o silêncio podia sustentar. Subisse alguém ali e ele até desistia da ideia. Mas o não-dizer fomentava aquele entusiasmo. Não, talvez não era um entusiasmo. Era um cálculo errôneo de alguém que queria simplesmente verter na Terra um detalhe a mais de tinta. Uma linha a mais na fala de alguém. Quebra de monotonia necessária num mundo desnecessário. Mas, talvez, ele estivesse se dando importância demais. Era uma vontade inerente ao seu ser, um querer desejoso de ser concretizado. Mas, de novo, isso o deixava mais tranquilo. O querer querido por tanto tempo só podia fazê-lo menos desejado. Ele, ali. O asfalto, ali. Os dois. Dois. Um. Undoissó. E daí?

O medo de um homem dali refém.
Não coubera ali um mais além.
Começo de fim, o fim de mais cem.
A vida com tudo, com tudo sem.

Sem os cem. Por mais além das cem páginas de mais um livro de vida disposto a ser mais. Era agora um riso júbilo escárnio vontade de, no canto de uma nota, continuar. O asfalto era só mais um. Solitário, unido, uníssono, já complexo demais em seu próprio desespero.

Ele
sereno
desceu
de seu feito.

Caio Mello
10/12/2010

Perplexidão

Os sons do curto no espaço.
Um caminhar destemido e nenhum destino,
como se a relva fosse uma necessidade.

Reve, reve, reve.
Deslizando seu momento, caminhava.
Ali, na umidade
e no cantar de algum pássaro que desconhecia.

Verde infinito.
Verdejando estreitamentos no horizonte,
não-se podia caber em sua visão reta.
Era oblíquo demais para isso.

Reve, reve, revezando
alguns poucos passos destemidos
como se o chão fosse uma delícia degustada aos lábios.

Desgosto deixara para trás.
Era. Era ali. Um silêncio.
Como uma vontade verdada de verdades reconstruídas.

Fora em outros espaços.
Mas estava entediado.
Fora o tempo de tempos atrás.
Agora sorria mais uma vez.

E queria. Almejava o verde no fim do mato.
Matejava o verdume de um homem qualquer
que busca um ignoto motivo para seguir adiante.

E seguia! Naturalmente.
A vida agora lhe parecia um simples
cadenciar de certezas.
Era. Podia ser. Fora. Seria. Será.

Seria o for, força do ia, for-se-ia,
homem comum.
Sim, homem qualquer.
Qualquomem.

Entendia agora a vida como um horizonte fixo.

Caio Mello

10/12/2010

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sobre Direito e coerção

Zeteticamente, para que serve o Direito? Se pensarmos numa sociedade ideal, dotada de harmonia infinita entre as pessoas, não haveria conflitos sociais. Sem conflitos, não haveria necessidade de decisão entre partes para gerar estabilidade social. Sem essa necessidade, não haveria o Direito. O Direito, no seu sentido mais amplo, é um paradoxo em si mesmo: ele age coercitivamente na sociedade para impedir que ajam outros atos coercitivos (estes entre indivíduos). É o monopólio da coerção. Portanto, o Direito é um câncer social, uma tristeza agressiva imposta a todos porque nós, simplesmente, não sabemos como limitar nossos impulsos de outra forma. Nesse sentido, o BOPE simboliza esteriotipadamente tal poder de coerção do Estado. O BOPE tem competência para atirar e para matar. O sargento é um braço do Estado, um limitador da Contingência social. Mas, ao ser ele mesmo um ente subjetivo, ele mesmo é contingente. Ou seja, até que ponto vai o “estrito cumprimento do dever legal”? Cabe ao sargento do BOPE decidir isso? Cabe mesmo a quem está com a arma na mão decidir quem deve viver e quem não deve? O julgamento perde quase por completo seu caráter objetivo. O sistema brasileiro é falho, sua complexidade cai por terra quando o Direito tem que encarar de frente o Morro. Lá em cima, a situação normada juridicamente não alcança a realidade. O poder do Estado está longe de ser eficaz. As milícias compostas pelos cidadãos representam um poder coercitivo paralelo ao do Estado, mostrando a fraqueza do ordenamento frente a tal situação. Se pensarmos no modelo kelseniano, o nosso ordenamento, por não ser eficaz, deixa de ser válido ali. É um Estado dentro de um Estado, com suas competências e suas decisões desvinculadas da realidade nacional. É uma bolha jurídica independente. E quem irá dizer que o sistema deles não é jurídico também?

Perdoem os termos técnicos de Direito, mas eu tive que responder isso em aula e achei interessante colocar isso no blog. Qualquer dúvida, é só falar comigo.

Caio Mello
03.12.2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ser-se

Ser,
simples fato.
Ser,
por que não?


Ser,
meu louco nato.
Ser,
se for razão.

Ser,
senão me mato.
Ser,
no coração.

Ser,
o verde mato.
Ser,
no aluvião.

Ser,
o ser dum rato.
Ser,
por compulsão.

Ser,
viver num ato.
Ser,
uma encenação.

Caio Mello
01/12/2010