terça-feira, 19 de abril de 2016

(Sem título)

Eu queria ser como você 
Assim tão forte e,
Ao mesmo tempo,
Tão delicada.
Queria ter essa sua força,
Sua vibração. 
Essa sua gravidade 
Que me atrai, me puxa,
Deturpa meu olhar. 
Queria saber onde você 
Consegue guardar 
Isso tudo que você é,
Condensado de nações,
No espanto da vida,
No grito do cotidiano.
Eu queria saber intimidar 
Os outros assim como você 
Intimida o mundo:
Com esse sorriso maravilhoso 
Estampado nas bochechas. 
A intimidação pela intimidade. 
Você me aproxima no afastamento
Do seu nobre ar de mistério. 
Quisera eu saber lidar
Da mesma forma que você 
Lida com o universo 
A cada novo dia. 
Vou enfiar esse meu apreço 
Por você 
No bolso esquecido da calça 
Pra quem sabe um dia 
Eu aprenda a teatrar essa sua
Personagem do mundo real. 
Até lá, sigo como o mesmo 
Palhaço de tons esmorecentes
Que tenta imitar 
O riso dos outros. 

Bio 
19/04/2016

terça-feira, 12 de abril de 2016

(Sem título)

Eu costumava acreditar
Naquilo que faço 
Mas a vida destilou 
Incompletudes
E verteu em minha boca 
O gosto amargo 
Do eterno desconcerto 
Que me corroeu o estômago 
E diluiu minha alma
Hoje sou sombra
Que atravessa cômodos 
E vive de silêncios 

domingo, 10 de abril de 2016

Bandeilirante

Essas dez mil cores indecifráveis
Nas montanhas de arco-íris-caju.
O estupendo verdejar inda cru
De trilhas nunca dantes naufragáveis.

Onde se alimenta o homentabu:
As novas veredas, irrefreáveis,
Cumes de morros inimagináveis
Onde pode cantar o uirapuru.

Esse chão corrido do murundu,
Desbravados caminhos bandeirantes,
A terra em que nunca se pisou antes.

Viajar desde a mais espessa selva
Até, logo depois da curta relva,
O deitar descampado, traço nu.

O breve polpa sabor
Da fruta deliciosa!
Assim como o beija-flor

beijafloreia

a sua flor cor-de-rosa,
também é merecedor
esse da trilha teimosa
de ganhar prêmio que for
da beleza esplendorosa.

É peixe que desliza pelo mar
flora de reinvenção
atlacorreprodução
que se vê em sol, em lássaro, em ar.

Essa, com certeza, é uma boa forma de viajar.

Caio Bio Mello
10/04/2016

sexta-feira, 8 de abril de 2016

segunda-feira, 4 de abril de 2016

O poema que ainda será escrito, mas que já vive

Garota,
tu me decepcionaste.
Perdeste, em ti, o que foste.

Sim, aterrorizarás, ainda, meus poemas.
Mas hoje, não. No momento, basta.

Outro dia, quem sabe,
permito que teus demônios
perturbem meus versos.

Caio Bio Mello
03/04/2016

domingo, 3 de abril de 2016

O sabor dos cadáveres

Eu sou o fim dos tempos
a ampulheta de areia inentornável
            as raízes do silêncio

Eu sou a barata
            a falta de fôlego
                                                                       a casa vazia
espírito solto
                                   a comida podre
a sombra raquítica
                                                                                              ideia vergada
                        a pele queimada         
                                               o corpo sangrento

[Ela gostava muito de rosas. Lembro-me de como
ela sorria ao receber cada buquê. Esta é a última que poderei entregar.
Esta rosa, sim. Deixo-a aqui, em cima de seu caixão,
e serão ambas, a mulher e a flor, devoradas pelos vermes.]

Sou o sopro abafado de um pensamento perdido.
Aquela ideia recente, soberana, que deixou-se
diluir em um mar de sangue.
            Nadamos no dilúvio.

O pirúvico, olhos semicerrados que não veem.
Desenxergam.

São os ferros retorcidos
Todos os cacos de vidro
Todas ideias perdidas
Todos os sonhos desfeitos
As sem-razões de existir
São os ossos perfurados
São os corpos metralhados
Os nossos filhos bastardos
Os nossos tristes retardos
Essa colcha de retalhos
São os nossos atos falhos
A minha falta de fé
Esses nossos nãos sem é
Eu não saberia dizer, nem contar, nem recomeçar. Sonhei com uma pilha de cadáveres putrefeitos. A menina dos olhos embaçados levanta-se e entrega em minhas mãos esse caderno sem palavras. O que eu via eram borrões enormes de sangue ainda não coagulado. Guardei o caderno em minha camisa e acordei sangrando. Morrerei também.

Vai o lapso pela falta de tempo
viver sem razão por mais um momento
para, só depois, morrer no ensimento,
Eu já não posso ver no mar cinzento
o que há trás de mim, de meu pensamento...
Pois eu só vejo o envelhecimento
                                   Vejo, com clareza, um pássaro negro que esvoaça por entre os prédios. Não o enxergo de frente. A silhueta desliza como sujeira pelos vidros espelhados dos edifícios hermeticamente clausos. As pessoas, todas fechadas, em seus pequenos quartos, minúsculos compartimentos com estreitos espaços de mente. Devoram-me as páginas, o sangue borbulha.

O pássaro está em chamas. Ele brilha.
            Parcas cinzas dançam no frenesi do vento.
                                               Elas não sabem
            para onde
                                   estão   


indo.

Caio Bio Mello
03/04/2016

Desabafo

“Mudar o mundo do sofá da sala e postar no insta
E se a maconha for da boa que se foda a ideologia”

Criolo – Convoque Seu Buda

Tu me procuras e me falas
sobre teus sonhos,
tuas ideologias e teus planos.

Há redes complexas de dados
estatísticas, informes,
leis e incumbências.

Conheces os nomes, os jargões,
as teorias mais profundas.
A política da salvação.

Sabes, óbvio,
muito mais que eu jamais soube. É tua profissão de fé.

Mas, ironicamente, estás enfiado
num cosmo sombrio da burocracia rentável,
és epicentro do sistema monopolista privado.
Mestre da deturpação legislativa.

E, mesmo assim, analisas as minhas posturas,
aquilo que faço, encontras desrazão em meus caminhos.
Indicas, a cada milímetro, meus erros
e defines os traços que eu deveria adotar.

Não sou perfeito, muito longe disso.
Sou uma pessoa que busca limpar a opacidade,
que vaga pelo asfalto tentando ser o melhor de si.
Há lama naquilo que sou. Não nego.

Mas tu.... Não vês que és uma contradição ambulante?
Buscas em mim aquilo que não tiveste a força de buscar.
Estagnaste.

Por isso mesmo...

Se não tens coragem para fazer, não me importo.
Mas não me julgues pelo que faço.

Caio Bio Mello
03/04/2016