terça-feira, 13 de outubro de 2015

O Lirismo eruptivo

Oh, poema
Raquítico,
Perdoa os versos 
De desencontros 
Que a ti semeio!
Por antes entendas,
Meu nobre,
Que derivas da poeira,
Do sol e da vida.
Pelo conteúdo parco 
Não culpes teu poeta 
(Defino-me assim 
Pelo vício - e não pela qualidade,
Não sou digno de tanto).
Meu poema esquálido,
Falta-me também a carne...
Sono troppo stanco!
Bate-me o peito 
Por entre as costelas
E soa a vibração nas vértebras 
Estou parapoégico 
(Sinistro estado de rouquidão).
Mas tu existes. És um (f)ato.
Entopes minhas veias 
E brotas em meus poros 
Por ânsia, fúria e necessidade. 
Não te impedir posso,
É necessário que ganhes o papel.
Imprescindível que venhas
Ao mundo!
A(o)berro(ção) que surge
Eclode e erupte
Sem nunca pedir licença. 
Poema magro
Se fosses um menino 
Serias Capitão da Areia 
Nas praias de Salvador 
No tempo de Jorge. 
Mas não és. 
Nasceste umbilical a mim
E hoje te concedo
Carta de alforria
A legorragia lirismáurea.
Estás livre para ser 
Qual verbo, cais ou pranto,
Verso nu de poeta preterido 
Vai: anda. 
Meu poema, és mais lirismo 
Do que eu sou homem.
E, assim, me salvarás.

Caio Bio Mello 
13/10/2015


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

(Sem título)

Estou farto 
de arrancar pedaços de mim 
no afã
de remanescer vivo. 
A cova erma, meu sepulcro,
convida-me.
Partir e abafar o barulho 
do sangue latejando 
no peito. 
Toda campa 
é surda. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O homem de gelo

As crianças
Amontoam-se 
Num canto da calçada
Pequenos pontos brancos 
Deslizam pelo vento
Faz muito frio 
O cinza das edificações 
Fecha a vista
Há uma solitária listra amarela 
Na faixa da ruela 

E ele manca

Ele desliza sua perna coxa 
E arrasta seu peso 
Um conjunto profano 

Ele é um sustenido 
Na harmonia de dó maior 
(O lá menor de
Sua incompletude)

Os membros de seu corpo 
São desproporcionais 

Mas ele persiste 
Busca sempre um tom 
De incólume 
Como se fosse um fidalgo 
Ao entregar à sua manquidão 
Uma discrição sonora

O peito oscila 
Num ar inconstante 
Porém permanece 
Como o último bastião 
De sua própria sombra 

As crianças se afastam 
Têm medo de serem contagiadas
Tomadas pelo mal súbito 
Que veio da carne ou da alma 
Não sei 
Mas que vergou aquele homem 

Ele não desiste. 
Ergue o queixo 
O mancognata 
Sem glória
Nem ostracismo
Sem medo nem apoio 
Nem perdão 

Ele vai
Pelo frio e pela neve 
De cabeça erguida
E um orgulho indômito  
De ser o que ele realmente é

Caio Bio Mello
05/10/2015

domingo, 4 de outubro de 2015

(Sem título)

Eu queria ser 
uma criança 
vendo a chuva
pela primeira vez. 

Paternal

Estás no caixão.
O teu corpo velho,
marcado de idade,
fica agora solto
(postura pacífica)
num sono profundo.

Assim é melhor.
Sempre me questiono
se tu me criaste
ou fui eu sozinho.

Agora estás quieto
sem última fúria,
lição de moral
ou acusação
para magoar
ou me machucar.

Tua boca sem verbos
um puro poema,
o néctar divino
que eu queria ouvir
mais cedo na vida.

Não és mais severo.
Teus olhos não abrem...
Tão inquisidor
foste por tão longo
que nem reconheço
a ti como pai.
 
Botaste no mundo
filho aparental,
ausente de afeto
duro como ti.
Eu já nasci duro?
Ou eu era tenro
e tu me duraste?

Eu não sei dizer.
Hoje não importa,
não podes me ouvir.
Mas, se tu pudesses,
não darias ouvidos
a nada que digo
como nunca deu.

A minha família
nunca foi normal,
jamais tive chance
de vida feliz
lá dentro de casa.

Quando tu bebias,
saía correndo
para qualquer lado
sem ter que apanhar
por qualquer motivo.

Olha para ti...
Agora estás morto.
Tu ficaste fraco,
velho moribundo.
Cadê a mão forte?
Não vais me bater?
Defunto patético.

O pior de tudo
não são os teus erros,
nem mesmo tua morte.
O que mais me irrita
é sentir saudades
de te ter em vida.

A raiva de mim
mesmo é gigantesca.
A garganta trava,
minha voz engasga
eu posso sofrer,
só não admitir
em momento algum
que, depois te tudo,
eu quero que voltes.

Eu não vou ceder.
Por ti? Nem um pouco.
Mas quero que saibas,
antes de enterrado,
que se houvesse chance
te teria aqui
junto do meu lado,
Pai.

Caio Bio Mello
04/10/2015

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

(Sem título)

I can hear
the thunders roaring 
inside my chest
and the lightnings
bursting behind my eyes. 
I am unique.

Caio Bio Mello
01/10/2015

Roubaram minhas botas

Eles levaram minhas belas botas.
Não quero deixar descalço o meu .
Levaram as botas – os idiotas!
Mas quem teria tamanha má-fé?

Os gatunos, da mais baixa ralé,
me deixaram essa amarga derrota...
Pensei em caçá-los todos, até,
mas logo minha coragem se esgota.

Sem minhas botas, como vou à caça?
Como sair à luta assim descalço?
Eles me deixaram aqui sem nada..

Este é um intransponível percalço
que me impede de seguir caminhada,
me faz viver na sombra da desgraça!

Caio Bio Mello
02/10/2015