De início,
apenas eram
notícias nos jornais,
cifras e números.
Não se temia
aquilo que era silêncio
e invisão,
abiótica capa lipoproteica.
Mas, de um bote feroz,
sem aviso nem pudor,
a moléstia pandemizou as vidas.
A palavra era precau-solidão.
Como se isolar, se cada humano é arquipélago?
Consobreviver era preciso.
Os números tornaram-se rostos
amigos
memórias.
O vírus inumano
inumou.
Portas fechadas e covas abertas
de raso silêncio.
Não nos deixaram sequer lamentar nossos mortos.
Contudo,
tempos depois,
romperam fármacos.
A posologia da esperança.
Finalmente vacinada,
voltou a vida a viralizar.
Foi possível, então, retomar as ruas.
Os vivos inalaram a existência
como se fosse ópio o próprio ar.
Existir era júbilo.
E, depois de satisfeito o regozijo,
aos poucos a rotina
urdiu os ânimos
dia por dia
mês por mês
até
que os imunizados esqueceram
que sofreram tanto
e que puderam enxergar, ao menos por um minuto,
que a
vida é linda e estar vivo é estado de exceção.
Caio Bio Mello
05/04/2020