Eu buscava as luzes.
Eu as desejava.
Sem saber por que,
nem mesmo pensar sobre isso.
Queria dizer pro mundo
milhões de meias verdades
que só nós carregaremos
e ninguém vai descobrir.
Eu não sei por que me fui,
juro, prometo e repito.
Eu só sei que fui andando,
passei paralelepípedos.
Os mamutes mastodontes
bem de tarde e de manhã
pensavam em dar bom dia,
mas, tristes, seguiam reto.
E eu continuei essa busca pelas coisas
nesse porvir que a gente encontra
bem debaixo assim da nossa pele.
No mundo indizível das cores paralelas
pretas verdes rosas azuis monarcas.
Eu busquei as luzes, procurei todas elas
com intensidade que elas mesmo me aqueceram.
Persegui todas elas, uma por uma
na imensidão do céu azul e do oceano sem fundo.
como se eu fosse criança de novo.
E fui dizendo a mim mesmo ao longo do caminho
você vai conseguir
você vai conseguir você vai conseguir
e não sei bem se conseguia.
As luzes, distantes e difusas, cruzavam a rua e subiam no
palco.
Eu? Eu... Permanecia. Ali, fraco e indefeso.
Quem seria eu para querer alguma coisa?
Eu vivia de fracas metáforas, um moço de poucas carnes e muitos
obrigados
e os por favores que ninguém quer pedir.
O palco distanciando-se e as luzes de seu modo sendo tudo
e sendo nada e sendo o globo.
Sim, globo, a esfera azulada
pequenina como se eu fosse o saudoso poeta
cruzando as pequenas ruelas de Pernambuco também.
E busquei lá em Recife,
bem debaixo das areias.
Para encontrar luz que fosse
que pudesse me orientar.
E eu me trouxe de volta
do fundo do túnel obscuro e abstrato
da metafísica dos homens e das plantas
e também das mulheres
(oh, quem as conhecem que o digam)...
Me trouxe puído. Roto. Velho.
Um ar gris por cima dos pulmões
já abafados pela fumaça.
Sim! E as luzes lá no fim.
No final do corredor,
no final da sentença,
na loucura dos humanos
e na incompletude dos números.
Eu era incompleto. Sou ainda. Preciso das luzes.
São meu vício, meu alucinógeno necessário de homem sóbrio
que, sorumbático, soturneia as madrugadas de olhos abertos.
Eu não dormia. Não consegui dormir.
Acordava, louco, em busca delas.
Luzes? Que luzes? Que
se percam as luzes.
Perdidas já estavam, assim como eu.
Talvez eu num carro apertado no trânsito
aumentando minha gastrite e meu peso,
enquanto elas na porta lateral do Universo.
O meu Globo era menor.
Sim... Mais reduzido, prático e coeso
como aqueles pequenos gibis
que a gente precisa ler de cabeça para baixo.
Nem as minhas mãos já não podiam fazer poemas
e eu já não era um poeta.
Eu era só um teclado
uma caixinha de ferro
que vive girando coolers
mas que se tome nos coolers
todos eles.
E a jornada não mudava de lugar,
nem mesmo alterava seus parâmetros.
Era um quadrado. Isso.
Não, melhor ainda. Um círculo.
Um círculo é sempre idêntico.
Um círculo é sempre
igual
e isso
era muito importante naquele momento.
Porque
eu não conseguia ver o fim de nada.
Por
isso, tudo sempre parecia novo,
mas
também parecia velho ao mesmo tempo.
E meus
dedos... Estúpidos!
Meus
versos perdiam o sentido
e
ficavam moídos por debaixo da carne
como se
houvessa carne alguma
e como
se tudo fizesse sentido...
Mas não
fazia!
Não!
Ah, claro que não!
Não
faziam o MENOR sentido,
entre
suas dementes idas e vindas
e
pervindas e televendas.
Eu
ali
no
nó
da
gravata
Tentando
fazer o magma existencial a me obedecer
para
que me desse o que eu precisava. Sim, precisamos.
Nós
todos. Alimentados pela sopa primordial,
criamos
montros imensos
e
derradeiros suspiros solitários em camas decrépitas.
E
nossos corpos rotos serão enterrados
e
devorados pelos vermes. Ou cremados e
servidos
como prato cheio de adubo para plantas.
E todos
os bastardos que restarem no mundo
passarão
anos a fio
só
discutindo quem vai ter o direito na justiça
de
ficar com aquele maldito apartamento na praia.
E
nenhum deles gostava de praia! Um absurdo...
Quem
sabe a luz solar?
Um
remédio estático para um corpo distraído
que se
alimenta de uma tela sem sentido.
Nem tinta nós temos mais hoje.
Eu não posso sequer queimar meus próprios poemas.
Antigamente
isso era mais divertido.
Ah, as
pessoas tinham páginas e páginas de falta de luz
que
seriam posteriormente queimadas. Hoje, não queimamos.
Isso
não seria eco-friendly. E as luzes,
então?
Seriam
o que nesse momento contemporâneo?
Àquela
época, eu jamais saberia dizer.
Era um
absurdo o que faziam com o mundo.
Ele, tonto, hoje e amanhã e não sei mais quando.
Ele, tonto, hoje e amanhã e não sei mais quando.
Os
apolíticos sem sentido. Os preconceituosos,
os
odiosos, os sombrios.
Sim, as
sombras. Elas talvez...
Foi
então que as reparei: recônditas, bizarras, grotescas...
As
sombras me cercavam por todas as partes.
E nelas
o pensamento fluía como sangue.
Um
impulso, um soco na boca do estômago.
Ansiosas,
elas formigavam minhas mãos e meus pés.
Apontavam
minhas chagas, minhas feridas abertas
onde os
mosquitos faziam seu melhor desjejum.
Eu as
desprezei, de início.
Mandei
elas irem embora.
As sombras.
Sombrias,
entende?
Assombrosas.
Sombreiras.
Não as
desejei. Não as quis. Não me interessei.
A gente
nunca sabe o que vem de dentro,
naquele
canto escuro que ninguém sabe o nome.
Um novo
órgão que a medicina ainda não teve a capacidade
de
descobrir no corpo humano.
Um
metaórgão. Pseudocarne. Além da física dos nervos.
E foi
lá mesmo que cresceram as sombras.
Não em
mim, porém. Mas um pouco em tudo. Em todos.
Nos
crentes, nos descrentes, nos devedores e nos credores também.
Na
máquina louca do mundo como um todo.
Cresceram
diversas sombras. Uma por uma, as pessoas ganharam sombras.
Para acompanhá-las
onde quer que fossem. Sempre.
Houvesse
luz, haveria sombra.
E,
nelas, disforme e medonho, vi-me completo de novo.
Torto,
desconexo. Letras dispersas e sístoles espasmódicas.
Em meio à grama os grilos se divertem.
E os
olhos inundaram-se mais uma vez. Naquela maravilha.
Na certeza
de ter.
Eis as
sombras. A mais nova loucura da vida num frasco de vidro.
Caio
Bio Mello
28/07/2013