O processo de escrita da prosa é uma linearidade
de pensamentos que se constroem com o tempo. Um enredo exige reflexão,
construção, desconstrução e reconstrução. O leitor precisa sentir que o texto é
coeso, que os personagens são reais e que de fato têm pensamentos. A poesia,
por outro lado, é um processo mais intuitivo. Os poemas envolvem o âmago, revolvem
a alma. A criação poética é permeada de inspiração e de espontaneidade.
Fernando Pessoa escreve em seu poema
“Autopsicografia” que a criação poética envolve quatro versões de uma mesma
ideia (ou sentimento): a primeira ideia que é concebida na mente do poeta, a
segunda ideia que é a transcrição do pensamento do poeta para a forma de
versos, a terceira ideia que é a interpretação do leitor das palavras do poeta
e a quarta ideia que é a fusão entre aquilo que o leitor sente com os
pensamentos do poeta transcritos em versos.
Além do processo de interação
poeta-leitor, é interessante também buscar entender a forma com que os poemas
surgem para o poeta. Talvez o foco mais explicativo seja o surgimento da
primeira ideia descrita no parágrafo acima, aquela que serve de base para que
as outras três se desdobrem. Essa primeira ideia será chamada de concepção
poética, que pode ocorrer de três formas.
A primeira forma de concepção
poética é aquela criada no momento da escrita. O poeta pretende escrever, ele
se dispôs a fazer um poema naquele exato momento, mas não tem nenhuma ideia consolidada
em sua mente. Esse tipo de concepção poética é mais reativa, busca imagens e
formas momentâneas, surge de ideias não tão reflexivas. É uma poética mais
selvagem, pode ser vista como uma boa forma de exercitar a criação em versos
porque ajuda a moldar o raciocínio artístico e a busca pela forma, métrica ou
estilo de escrita. Mas o poema, em si, na maioria das vezes não se completa da
melhor forma esperada, pelo fato de que não havia forma nenhuma pretendida.
Isso pode ser prejudicial à escrita.
Chegamos, então, à segunda forma de
concepção poética: aquela criada antes do momento em que o poeta se propõe a
escrever o poema, mas num intervalo de tempo não muito grande. Por exemplo, ter
a ideia de um poema durante a tarde e escrevê-lo ao final do dia. Essa segunda
forma é mais trabalhada, pois deriva na maior parte das vezes de uma inspiração
dissociada do momento da escrita, o que pode fazer com que o texto ganhe força
e reflexão. Essa reflexão anterior à escrita facilita o manejo das palavras nos
versos porque o poeta já sabe o conteúdo (ou até a forma e o conteúdo) que
pretende.
Por fim, a terceira forma de
concepção poética envolve um processo mais longo de criação. O tempo entre a
formação da ideia e a escrita é extenso. Por exemplo, ter a ideia de um poema e
escrevê-lo meses depois. Esse prazo é flexível e pode chegar a um período
superior a anos. Isso significa que o poema vai coexistir com o poeta por um
prazo considerável antes de ganhar vida própria. Ele vai ser pensado, repensado
e idealizado de diversas formas. O poema amadurece sozinho. Isso é muito importante
porque há ideias que se perdem com o tempo e nunca é bom retomá-las. É como diz
Carlos Drummond de Andrade no poema “Procura da Poesia”: “Não colhas no chão o
poema que se perdeu”.
Ou seja, na terceira forma de
concepção poética, é possível se verificar um método de seleção natural das
ideias que têm potencial para a arte: a concepção que sobreviveu por muito
tempo na mente do poeta é forte, marcante e consolidada. Assim, ganha mais
corpo e mais atenção. O que permanece é arte.
É claro que, após a escrita, os
poemas passam por uma fase de releitura e podem ter trechos reescritos. Mas,
uma vez consolidada, a concepção poética é marcante, é como a personalidade do
poema, que muito dificilmente vai ser alterada com as possíveis mudanças e
adaptações que o poeta fizer.
Não se duvida que as três formas de
concepção poética têm seu mérito. A criação artística nunca pode ser mensurada
por estatísticas e deve ser entendida como um fluxo variável. Mas é importante
notar que o poeta deve manter atenção e respeito por seus poemas. Jogá-los no
papel sem um período de apuração ou de reflexão pode ser prejudicial, o que faz
surgir o risco de que uma inspiração boa seja encaixada numa concepção poética
ruim e, talvez, o poeta não seja capaz de readaptar a mesma inspiração para
uma posterior concepção poética mais robusta. Portanto, para fazer poesia, é indispensável
dar disciplina aos poemas, para que ganhem a maturidade ideal na hora da
escrita. Poesia, como dito na introdução, é um processo intuitivo, mas não deixa
de ser um exercício de observação e de paciência.
Caio
Bio Mello
04/09/2016