sábado, 24 de setembro de 2011

Poema das vontades


Que se comece em mim
o princípio que há muito já existia.
Que floresça o que há de se florescer
e que não faz sentido.

E que continue sem sentido essa sensação
esse sentimento que vem de longe
que me enche o peito
e me esvazia o desespero.

Que nunca falte essa sensação,
que não se afogue o que sou
no mar das coisas que
devem ser feitas.

Que se façam as coisas, enfim,
no seu vagar necessário e quotidiano
(no badalar simples e reflexo
dos sinos da Sé).

Que eu seja o meu desejo
a minha carne
o meu erro
o meu erro, sim, o erro.

[o erro, erra, erro. o erro. erra o erro berro. berra
o berro erro berra perto de quem se berro.
borra a tinta que berra berre berro o borro]

Que eu seja o futuro presente
no dia de ser eterno
quando nunca mais me faltarem
todos os dizeres.

Que meus versos não alcancem ninguém!
Nem mesmo as paredes os leiam.
Nem mesmo as próprias páginas que os colorem,
nem as telas que os brilham.

Que morram ignotos, esquecidos,
que morram nesse estado de infinitude
quieta e serena.
Porque me são como raio da manhã.

Que seja em mim essa descrição
que não pode ser descrita
esse meu distanciamento presente
de quem sente bater o coração.

Que a obrigação seja apenas a
simples farsa do prazer.
Que o prazer continue
sendo prazer.

(Lembro-me, não sem dor,
daquela tarde na casa de praia.
O mar, salgado e doce,
nos pranteando a alegria de viver.

A casa, quase vazia,
lotada apenas pelos nossos atos.
E a água descia pelo ralo,
pintada de nossas loucuras)

Que seja imortal!
[(aquilo que é infinito e nunca deixará de ser nem sempre é imortal)]
Que seja inerte!
Que seja louco! Louco!

Que morra aos poucos
aquilo que deveria existir para sempre!
Que seja divisível aquilo que foi feito
para ser uno.

Que não faça sentido!
Nunca!
Que seja apenas a futilidade
de algum imbecil decidido a versar.

Que morra, putrefeita,
num canto de sepultura mal sepultada.
Que o mal impere,
inundando o mundo com suas águas de veneno.

Que morra o céu,
mas que permaneçam as estrelas

[Temos o céu à noite
para podermos compreender
que somos feitos de estrelas.]

Que morra o vento!
Morram, morram todos!
Morra o mundo e
suas lágrimas.

Que a utilidade da máquina
seja muito mais imperiosa
do que qualquer nuance em laranja
que me pinte o entardecer.

Que a normatividade impere
nesses buracos que há pelo mundo.
(os buracos não foram feitos para serem preenchidos,
são falhas da mente humana).

[O silêncio invade-lhe hoje a mente.
Deus, imploro-lhe que as palavras
brilhem de novo em seus lábios.
Por favor, por favor...
Impeça o choro]

Que eu seja o nada
o vácuo
a vaca pastando
sua grama qualquer.

Que a deglutição seja
lenta
e majesto
sa.

Que se per
ca a vonta
de que se foi num mo
mento que perdemos
naquele passa
do por al
guma pessoa en
contrada.

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Que eu seja o dia-a-dia.
O vai e volta do leite.
A camada ressecada que cobre
o queijo velho.

Que o cão volte a latir de madrugada.
Que o mundo gire em sentido horário,
diagonal, perplexo, convulso, norte-sul.
(O cão é o melhor amigo do homem)

Que seja a poesia.

Caio Mello
24/09/2011

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