sábado, 19 de novembro de 2011

A Caixa


Lá estava ela, em cima da mesa de mármore.
Tamanho parecido com uma caixa de sapatos.
As bordas, de um metal enegrecido, corriam
como ossos pelos cantos.

Uma grade de fios finos, porém inúmeros,
cobria toda a supertfície.
Debaixo da teia de ferro,
a caixa era laranja.

Laranja porque queimava em brasa.
Talvez um metal, talvez fogo mesmo,
não se sabia ao certo.
Mas ela ardia constantemente.

À noite, era possível vê-la de longe,
brilhando na escuridão.
No passado, os povos temiam uma luz tremulante
que reluzisse o laranja nas retinas desavisadas.

Isso tudo porque a caixa guardava
as memórias do herói.
Não os males do mundo, não o desfecho da sociedade,
não a solúvel vivência quotidiana. Apenas memórias.

Porém, eram memórias tristes. Ruins. Tétricas.
Mortes, torturas, fugas, incêndios, gritos de pavor...
Tudo ali, lacrado para que o mundo
nunca mais ouvisse um eco do passado.

[O passado, a máquina humana dos sonhos
recônditos nos meandros da memória.
O que passou se perdeu,
o vácuo triste de um presente recheado de brechas.
Os olhos místicos que espreitam os nossos passos,
que julgam quem somos hoje.
Negamos no presente o mesmo conteúdo
que nos tempos idos nos definia como indivíduos]

Que o tempo me diga
Se fui mais feliz
Se fui lutador
Mas que A Caixa oculte
Nas grades de ferro
Nas chaves passadas
O medo da noite
A saudades do dia
A morte-criança
A morte-velhice
Os homens sozinhos

Que seja o conteúdo da caixa silêncio. Ela, um hiato inexorável no que sou hoje. As fibras, mesmo as heróicas, não aguentam tamanha dor. Que seja um silêncio tão pesado e tão profundo, que faça doer a boca do estômago. Faça os cabelos grisalhos. Faça a solidão imperante.

E, assim
montou-se A Caixa.
O imperativo da insanidade,
a beira da loucura,
a falta de humanidade no homem.

Seu maio
r sí
m
bolo
era

O SILÊNCIO.

Séculos e séculos de vida acumulavam
desejos incompreendidos.
E A Caixa os calava. Amores perdidos? A Caixa guardava.
Sentimento de culpa? A Caixa guardava.

O assunto era amordaçado e preso a uma cadeira,
enclausurado em uma redoma de vidro,
para que nunca mais pudesse falar. Sequer manifestar-se.
A Caixa era a antítese da vida.

Em certo momento
O metal cedeu.
Em certo momento
E foi-se esquentando
Em certo momento
Cedeu à pressão
Em certo momento
Ardeu como fogo

E arde até hoje. Arde como ardia o peito heróico.
Arde como ardem os homens por dentro.
Arde como arde a ferida de corte profundo.
Arde como (o silêncio).

Rezemos para que o herói
guarde-a bem e impeça qualquer ser de querer furtá-la.
O mal bom é o mal ignoto.
Porque o mau só pode ser acessório, jamais acesso. Furtá-lo é vivenciá-lo e vencê-lo.

Caio Mello
19/11/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário