terça-feira, 25 de novembro de 2014

Mareumoto



A chuva negra me escorre pelos cabelos
e eu sendo triste e pouco e parco
já no primeiro ato
sou o silêncio da garganta rouca.

Os dedos engarreados que riscam a alma
no plano do mundo
onde pequenos ovos densos
povoam a pele com o frio da madrugada.

Na imensidão do nada, eu fui vazio
Trapo jogado no chão da cozinha
Ter o meu nada era só o que eu tinha
Enquanto arfava o meu peito no frio

Pois razão não há na vida sozinha
Peixes sufocados fogem do rio
E se debatem pelo olhar sombrio
Nessa vida que quis chamar de minha

Epiléticos músculos defuntos
A podridão densa desse meu verme
Me habita por debaixo da epiderme

Inúmeros globos, muitos conjuntos
O meu cadáver de temperatura
Única carne que ainda me atura

Enveredam desjuras pelas minhas veias.
O verbo que não segredei no momento oportuno.
A profana responsabilidade de um único fato,
imensidão contígua de minha existência.

O crânio oculto que me resta – que se ressalta.
Sereno e oblíquo, projeta-se neste meu antiquerer
perpetuado pela condição enferma do lirismo.

Olhos abertos na noite. Primeiro a vista. Depois o açoite.
Minhas profundezas, meus oceanos, quem os conhecem de fato?
Sou mero boato de cores quentes. Primário réu em forma de feto.

O umbilicalismo profundo. Sustento-me ainda.
Nada de cigarros, não os fumo.
Mas há nicotina o suficiente por detrás das orelhas.

A pele dura. O homem flácido.
O coraconstelação infinito que se desdobra e se perde.
A supernova possante do vindouro buraco-negro.
Não nego.

Me sobram as cinzas
Assim tão depressa
Como se meus dias
Fossem a mentira
Muito bem contada
Pelas mãos da bahiana na maestria da concepção do acarajé.

Restam-me os mareumotos, e eu em uma nau ao deus-dará,
desviando dos penhascos e dos excessos sentimentais.
Porque ainda sou.

Caio Bio Mello
25/11/2014





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