domingo, 4 de outubro de 2015

Paternal

Estás no caixão.
O teu corpo velho,
marcado de idade,
fica agora solto
(postura pacífica)
num sono profundo.

Assim é melhor.
Sempre me questiono
se tu me criaste
ou fui eu sozinho.

Agora estás quieto
sem última fúria,
lição de moral
ou acusação
para magoar
ou me machucar.

Tua boca sem verbos
um puro poema,
o néctar divino
que eu queria ouvir
mais cedo na vida.

Não és mais severo.
Teus olhos não abrem...
Tão inquisidor
foste por tão longo
que nem reconheço
a ti como pai.
 
Botaste no mundo
filho aparental,
ausente de afeto
duro como ti.
Eu já nasci duro?
Ou eu era tenro
e tu me duraste?

Eu não sei dizer.
Hoje não importa,
não podes me ouvir.
Mas, se tu pudesses,
não darias ouvidos
a nada que digo
como nunca deu.

A minha família
nunca foi normal,
jamais tive chance
de vida feliz
lá dentro de casa.

Quando tu bebias,
saía correndo
para qualquer lado
sem ter que apanhar
por qualquer motivo.

Olha para ti...
Agora estás morto.
Tu ficaste fraco,
velho moribundo.
Cadê a mão forte?
Não vais me bater?
Defunto patético.

O pior de tudo
não são os teus erros,
nem mesmo tua morte.
O que mais me irrita
é sentir saudades
de te ter em vida.

A raiva de mim
mesmo é gigantesca.
A garganta trava,
minha voz engasga
eu posso sofrer,
só não admitir
em momento algum
que, depois te tudo,
eu quero que voltes.

Eu não vou ceder.
Por ti? Nem um pouco.
Mas quero que saibas,
antes de enterrado,
que se houvesse chance
te teria aqui
junto do meu lado,
Pai.

Caio Bio Mello
04/10/2015

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