quarta-feira, 16 de março de 2016

Erva daninha

Isso que no meu jardim
não me pertence
                        me apetece
            me enlouquece.

É fruto, revolução,
o claustro despudorado
                        essa nova sensação
(não vejo nada de errado)
o sabor da negação
                        que cresce aqui do meu lado.

Venho carpir com paciência
o dia – no labor comum da pessoa-padrão...
Eis que me surge, de supetão,
o detalhe proibido, a armadilha.

E como brilha.
Essa beleza recôndita que se diz séria
é tão rara quanto a arara-azul.
Andam as duas vidas em pares,
mas deixam em seus rastros,
assim pelos ares,
            um sentimento de permanência.

De soslaio a potência
vejo brotar em ramos no meu jardim.
Com correspondência
não me importo, estou despido                     do sentir
            despedido das funções humanas.
Tenho carnes, tenho ganas.

Tenho calos em meus dedos de arar o solo
do dia a dia. Um café e olhos furtivos
balançam na fumaça suave.
                        (sinto o cheiro das manhãs)

Elas correm sempre com ar de deboche
            (uma flor que cedo desabroche
verá o término de uma era antes de mim)
como se tivessem longos compromissos
com os galhos, os caules, as chuvas.

Mas eu sou o sereno da manhã.
Discreto. Paciente.
Furtivamente desnecessário.

Não ouso cortar-lhes as folhas, muito menos as rosas.
            Não posso, sou humilde jardineiro.
As plantas crescerão fora de meu comando:
a mim não cabe decidir o que floresce
e nem vai se decidir ao meu mando
                        o que perece.

Noto, com assombro, como se avolumam.
            Que erva daninha!
Por que insistem em invadir a vida minha?
                        Só quero poder cuidar de meu jardim
porque, no final da tarde,
quando volto trôpego de cansaço,
é só ele quem cuida de mim.

Caio Bio Mello
16/03/2016

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