Eu
sou o fim dos tempos
a
ampulheta de areia inentornável
as raízes do silêncio
Eu
sou a barata
a falta de fôlego
a casa vazia
espírito
solto
a comida
podre
a
sombra raquítica
ideia
vergada
a pele queimada
o
corpo sangrento
[Ela
gostava muito de rosas. Lembro-me de como
ela
sorria ao receber cada buquê. Esta é a última que poderei entregar.
Esta
rosa, sim. Deixo-a aqui, em cima de seu caixão,
e
serão ambas, a mulher e a flor, devoradas pelos vermes.]
Sou
o sopro abafado de um pensamento perdido.
Aquela ideia recente, soberana, que deixou-se
diluir
em um mar de sangue.
Nadamos no dilúvio.
O
pirúvico, olhos semicerrados que não veem.
Desenxergam.
São
os ferros retorcidos
Todos
os cacos de vidro
Todas ideias perdidas
Todos os sonhos desfeitos
As sem-razões de existir
São os ossos perfurados
São os corpos metralhados
Os nossos filhos bastardos
Os nossos tristes
retardos
Essa colcha de retalhos
São os nossos atos falhos
A minha falta de fé
Esses nossos nãos sem é
Eu não saberia dizer, nem contar, nem
recomeçar. Sonhei com uma pilha de cadáveres putrefeitos. A menina dos olhos
embaçados levanta-se e entrega em minhas mãos esse caderno sem palavras. O que
eu via eram borrões enormes de sangue ainda não coagulado. Guardei o caderno em
minha camisa e acordei sangrando. Morrerei também.
Vai
o lapso pela falta de tempo
viver
sem razão por mais um momento
para,
só depois, morrer no ensimento,
Eu
já não posso ver no mar cinzento
o
que há trás de mim, de meu pensamento...
Pois
eu só vejo o envelhecimento
Vejo, com
clareza, um pássaro negro que esvoaça por entre os prédios. Não o enxergo de
frente. A silhueta desliza como sujeira pelos vidros espelhados dos edifícios
hermeticamente clausos. As pessoas, todas fechadas, em seus pequenos quartos,
minúsculos compartimentos com estreitos espaços de mente. Devoram-me as
páginas, o sangue borbulha.
O
pássaro está em chamas. Ele brilha.
Parcas cinzas dançam no frenesi do
vento.
Elas
não sabem
para onde
estão
indo.
Caio
Bio Mello
03/04/2016