Saem
os mortos da cova.
Conheço
o cheiro, já vi, já conheci.
Eles
mantêm os mesmos modos
de
quando vivos.
O
primeiro senta-se à mesa comigo e
tomamos
uma caipirinha de cachaça com limão.
Pergunto-lhe
por que tivera tantas restrições comigo.
Ele
não soube, não quis me responder.
Aquele
era um assunto entre vivos
do
qual ele não poderia participar. Mas eu ainda o culpo.
Culpo-o
por momentos de solidão, de assombração, de incompreensão.
Ele
não tinha o direito de manter aquele discurso.
À
segunda, peço perdão. Falha minha.
Eu
ainda era jovem naquela época, eu não saberia o que dizer.
Também
digo que a memória refresca mais
quando
eu lembro de um sabor. A associação é reconfortante.
Com
o terceiro, tomamos uísque, pelos velhos tempos.
Nós
rimos por muito tempo. Ele sempre fora bom de piadas.
Digo
a ele, também, que os vivos lhe têm saudades.
Eu
tenho saudades. Mostro-lhe aquele outro poema que escrevi. Ele gosta.
O
quarto me pergunta, curioso, como é a vida de adulto.
Eu
rio, digo que é bem pior do que a juventude mais tenra.
Sabe,
a grama do vizinho sempre parece mais verde.
Ele
sente falta dos esportes.
No
final do diálogo, dou-lhe um gentil abraço naqueles alvos ossos
quase
sem carne. Bom amigo.
Mas
é o quinto quem mais me impressiona.
Ele
senta-se à mesa comigo.
Em
mim já correm na nuca o uísque e a cachaça,
mas
ainda posso notar
que
seu rosto é rubro e que, em seu peito,
ainda
pulsa um coração.
Eu,
cético, não quero diálogo com ser vivo.
É
a Noite dos Mortos. Ele ri e debocha:
Eu
ainda vivo, mas foi sua vida quem me enterrou
naquela
cova rasa com pouco ar para respirar.
Há
mortos que não devem voltar à vida.
Caio
Bio Mello
09/04/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário