Não
se ouvem passos na rua
mas
há um ronronar sereno
do
mundo que ainda teima em dar giros.
E
eu, ao estender as pernas combalido,
traduzo-me
a mim mesmo
no
desnovelar de apenas tentar existir.
Cerro
os olhos, descanso a voz
e
manteio-me da escuridão.
Mas
ainda assim
por
mais que me afogue
me
rasgue
angustie-me
ainda permaneces.
Tal
ponta de agulha, profana e profunda,
perdida
imunda
após
um procedimento bem-malsucedido.
Congratularam-me,
chamaram-te de dom.
Meu
inato salvo-conduto
beneplácito para costurar o discurso
das almas.
Mas
só eu te conheço.
Carreguei-te e senti teu
peso e,
ao invés de calejar-me as mãos,
calejou-me a alma.
Não.
Não
és um dom.
És
maldição, maldizer, dissabor, compulsão.
Enfiei
tua cabeça embaixo da água, no lodo da rotina,
na putrefação dos outros
vícios
mas
permaneceste.
Nem
mesmo errando consegui te acertar.
Ainda
nesse mísero aspecto venceste de mim.
Se
sou delével, sobrarás após minha carne.
Meus sete palmos serão
teus sete prêmios.
Pois
que te sirvam de desconsolo
meu uivo e meu silvo
(o fruto do teu
escárnio)
para que eu possa me vingar
e
sufocar também o sono que me roubaste.
Caio
Bio Mello
17/05/2020