domingo, 20 de fevereiro de 2011

Relato

20 de Fevereiro de 2011
Segundo posto avançado do terceiro batalhão

A Guerra segue rumo. Não há uma noite sequer que eu consiga dormir mais que quatro horas seguidas. O barulho das bombas, o silvo ríspido de balas: tudo me proíbe. Tenho sono, muito sono. As trincheiras me parecem hoje um mar de sangue, abarrotadas de corpos até o topo. Andar ali é como nadar num oceano de braços, pernas e lágrimas. Sinto-me louco. Perdido. Há dois meses que não tenho mais muito contato com qualquer outra pessoa, a não ser os que estão aqui comigo neste posto avançado. Vejo olhos do outro lado. E atiro neles. Simples. Eu, aqui, defendendo as terras da Alegria contra a invasão da Tristeza. Ouço dizer pelo rádio que três tropas da Solidão avançam também para as terras da Saudade. Sou mais um guerreiro só mais um em mil com tiro certeiro que sai do fuzil. Ver eu não consigo razão nisso aqui. Matei inimigos ou eu que morri? O Ódio tem canhões que queimam os corpos. Fogo em corações de guerreiros mortos. Saudade tem tanques de corpo de aço. Lembro-me de antes, atrás só um passo. Ninguém se matava, todos benvivendo. Hoje, cova rasa me espera morrendo. Deveria eu confiar tanto em Alegria? Estado-mor de defesa minha, com discursos enfaladores, gigantes provérbios de luta e pátria. Nospátria poderosa! Será mesmo? Malfadada aventura que vivo hoje. O que sobra de mim são esses sons. De noite, de dia, zumbidos. O açoite na fria, zumbidos. Zumbi dos meus sonhos, pesadelos. Me perco, meperco. Que seja Tristeza, então. Porque a certeza tenho não. E o fuzil me pesa nos braços. De dia fica mais difícil de matar. Eles olham de volta. Você, ali, de arma na mão. Quem ama arma arma ama? Mentira. Sofrer, isso sim. E, quando você dorme, eles voltam pra te matar também. O problema é que você continua vivo. Eles, pelo menos, podem ir para outro lugar. Você, não. Fica aqui, sofrendo. E de sofrendo vai o endo, vai doendo até não ter mais jeito. E, quando não tem mais jeito, você tem que continuar a matar. E quem sabe das altas políticas do palácios? O da Esplanada não explana nada. Tudo se mistura, num jogo de cores que desconheço. Hoje amo, amanhã odeio, depois sinto saudades. E os presidentes no dizem para atirar. Atirar. Tirar. E rangem os dentes. Acho que, logo menos, vou enlouquecer.

Sem mais,
Soldado João Alberto de Souza

(enviado ao repórter da rede Guerra de televisão)

Caio Mello
20/02/11

Nenhum comentário:

Postar um comentário