terça-feira, 15 de julho de 2014

A desarte de viver



Eu
o demônio recôndito em mim.
O eterno pesadelo preso em uma miríade de sentimentos
sem significado
sem início e sem fim.

Um ser errante, fraco – incompleto.
Controverso fracasso
sem bordas, sem sol raiantes
sem sucessos.

Eu.
Infinito sentimento do topo das montanhas
às profundezas do inferno.

O que não conheço, o que não vejo,
o que não aceito, o que não quero aceitar.

A injustiça do mundo que me perfura a pele.
Olhos perfurantes que me irritam, que me causam ódio.

Deus, por que és Deus? Quem foi que deu a ti este direito?
Estás por toda parte e, ainda assim, em lugar algum.

Sei que me desfaço. A cada dia mais, sei que sou menos.
Tenho a consciência de que sobro em farrapos.
Não tenho ambições, não tenho desígnios.

Estou debaixo da água. O mar é profundo e verde.
Ao longe, minhas débeis mãos agarram-se fracamente a uma corda.
Solta, Bio, solta a corda.
E eu solto. Meu corpo, pesado feito uma rocha,
afunda pela imensidão das águas escuras.
Posso sentir o frio rasgando meu corpo.
Fecho os olhos. Meus pulmões enchem-se de água
numa última tentativa desesperada de sorver um pouco de ar.

Mas ar não existe. Não existe mais o mundo.
Há janelas e cálculos.
Ocorrem eventualmente bolhas de consciência.
Aqui e ali – ainda me encontro.

Estupefato, vejo-me no reflexo do vidro do carro.
A besta encontra o homem. (qual deles é a besta?)
Ali, naquele exato momento,
tudo desaba como mil paredes e mil cores
e mil universos concatenados.

O gigantesco castelo de cartas do eu-lírico.
O eu-soterrado.
A sete palmos de terra continuo preso.
(aqueles versos ainda não me deixaram)

Resta-me, ao canto do prato, a indecisão.
A incerteza. Uma dor no estômago.
Não há mais caminhos, nem realidades,
muito menos realizações.

O tempo passa. Ou melhor: salta.
Encara-me o calculista relógico digital.
Não me resta muito.
Não por falta de tempo! Mas pela consciência de
saber que o quanto me pertence
é pífio se comparado à quantidade de batidas de coração
que ainda tenho.

Do tudo que tenho sei que me restará pouco.
Poucas risadas. Poucas tardes de sol.
Poucos abraços de amor. Poucas cartas de saudade.

Mas as cicatrizes, guardo-as aos montes.
São meus troféus. A cada dia pioram
a cada dia mais dilaceram minha carne.

Aos poucos, percorrerão todo meu corpo.
Deformar-me-ei de tal sorte que
ninguém mais poderá me reconhecer.

E, eu, o ignoto monstro horrendo,
poderei – na beleza do desconhecimento –
começar de novo. (quem sabe?)

Caio Bio Mello
15/07/2014

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