domingo, 9 de junho de 2013

Os novos no mundo



Eu quero a alegria pueril das crianças.
Essa alegria doce, transparente.
Não quero a alegria dos adultos,
permeada por dívidas e impostos.

Eu preciso de uma alegria inocente,
ainda pura.
Uma expansão do corpo e da alma
que desafia o mundo inteiro, sem o conhecer de fato.

A idade amolda o homem. Faz-lhe ajustável.
O tempo, famélico condutor, tira nacos da nossa carne.
E então nos acostumamos.
Somo curváveis, factíveis e incontroversos.

As crianças não.
Pelo contrário: são incessantes, questionadoras, rebeldes.
Elas procuram a mais cristalina acepção do mundo.
Se as palavras desgastam-se na boca,
são recém-criadas para os jovens.

Qual o significado do mundo?
Por que somos assim?
Em qual ponto de nossas vidas aceitamos
a tristeza e fizemos dela um padrão?

As coisas só têm nomes porque
nós as nomeamos.
Antes de nós, não havia nada.
E os significados se distanciam.

Nós mesmos nos distanciamos.
Perdemos significado,
aprofundamos sempre nosso conhecimento
e perdemos a nossa originalidade.

Somos consumidos pelo padrão.
As obrigações do mundo encaixam-nos
como mais uma engrenagem,
nesse bater lógico de pinos solitários.

Mas as crianças não querem saber da lógica.
Não querem saber da objetividade e do sentido.
Elas mesmas têm sentidos para o mundo.
Possuem sua própria coerência.

E, quixotescas, enfrentam seus moinhos de vento.
Batem de frente com as provações que consideramos
as mais banais.

E o mais importante: o deslumbramento.
Quando foi que nos esquecemos da beleza do mundo?
Quando foi que perdemos o gosto pelo belo?

Os muito jovens, ao verem um evento pela primeira vez,
maravilham-se com o feito.
Nadar no mar pela primeira vez,
sentindo os pés na ponta do oceano!

Com o tempo, os velhos se esquecem do milagre da vida.
As obras fantásticas que nos circundam tornam-se cotidianas demais.

O deslumbramento é uma droga poderosa.
Quanto mais entramos em contato com momentos estupendos,
menos lhes damos valor.
E, dependentes, vamos nos tornando insensíveis.

E é por isso que existem as crianças.
Para nos chamar a atenção para os magníficos detalhes da nossa vida.
Elas nos apontam, mais uma vez, aquilo que já esquecemos de ver.
E esse olhar é carícia para a alma.

Que sejam ingênuas, então.
Quero ser desvivenciado também.
Desejo ter a possibilidade de encarar a cascata da existência
como se nunca tivesse vivido ainda nenhum dia nesse mundo.

E, então, verei de verdade.

Caio Bio Mello
09/06/2013

domingo, 2 de junho de 2013

Metáforas sobre a Influenza - Sexta noite



Terno.
                        Gravata.
Trânsito.
            Artigos.

Não sei se estou voltando à vida
ou deixando ela de vez.

Caio Bio Mello
02/06/2013

sábado, 1 de junho de 2013

Metáforas sobre a Influenza - Quinta noite



           Cara, como eles querem que eu passe por aquele buraco estreito? Não é possível. Não vai caber e não faz sentido. Poxa, eles podiam ter me avisado com um pouco mais de antecedência. Faz só algumas horas que me falaram e o meu mundo já virou de cabeça pra baixo! E eu que fiquei achando que as coisas iam ficar assim pro resto da minha vida. Fui ludibriado!
            Mas, quer saber? Talvez eles estejam certos mesmo. É, sabe como as coisas são? Nem sim, nem não. E aqui dentro já tava começando a ficar apertado mesmo. Só que tem um outro lado... O que será que tem lá fora? Não sei nem se eu to querendo muito descobrir. Como eu já falei: por mim, ficava tudo igual!
            No começo, isso aqui era um mundão! Sim! Vocês não fazem nem ideia. Parecia que eu tava nadando no infinito! Era água e escuridão pra tudo quanto era lado! Cabia eu e quem mais eu quisesse pra vir aqui. Se bem que... ninguém nunca veio – mas isso vocês não precisam comentar com ninguém, né?
            Ai! Que que foi isso agora, meu Deus? Senti uma pressão no meu ombro esquerdo. Eu sei, eu sei! Porra, será que ninguém me escuta? Eu já disse que vou embora, ou! Não precisa ficar me empurrando. Véi, na boa... A coisa aqui tá ficando feia. Não quero nem saber o que vai acontecer. Olha só o tamanho desse buraco, Minossinhora! Ave Maria, não vai passar nem o meu dedo por ali. Dedo, olha que coisa legal. Dá pra mexer e tals. Quantos será que eu tenho? Ai, de novo. Droga, não to vendo porra nenhuma e não consigo abrir meus olhos aqui dentro.
            Ai, ai! Ou! Para com isso! Ta me entendendo? Para com isso! Senão vai ter briga aqui dentro. E o que eu não gosto de ver é briga nessa vida! Onde já se viu. Eu já disse que ia embora, me dá só mais uns minutos pra eu poder me preparar psicologicamente pra isso.. Ave, buraco apertado. Meu Pai do Céu, me ajuda. Olha só pra essa situação. Não é possível. Aposto que ninguém mais nesse planeta inteiro teve que viver o que eu to vivendo agora. Eu sou muito azarado, é sério. Demais, além da conta!
            Eita! Agora ta ficando mais forte. Eles tão empurrando minha cabeça para mais perto do buraco... Num passa nem uma moeda ali. É bom abrirem um túnel aê que seja do tamanho dos da Imigrantes. Já pensou? Eu me espremer todo pra passar aí? Isso vai contra os direitos humanos, tão me ouvindo? Hein?! Eu mereço mais que isso. Qualquer um merece mais que isso. Isso é ultrajante!
            Opa. Minha bunda tá pra cima. Olha isso. Eu to parecendo o Ispáider Mein aqui dentro. Minha vida virou um circo. É sério, gente. Virou um circo mesmo. Me colocaram de cabeça pra baixo, agora tão me empurrando. E o pior: eu já sei o próximo passo. Eu vou sair por ali! Só pode ser. Quando te empurram numa direção e você não pode fazer força pra outro lado, não tem jeito. Eu vou passar mal, eu vou passar mal. Não to me sentindo bem. Alguém tem alguma coisa pra enjoo? Eu vou passar mal. Nossa, sério. Alguém vai gastar uma grana com psicólogo no futuro pra consertar isso. E não sou eu quem vai pagar. Joga nas costas de alguém.
            Opa, alguém tá falando. Eu consigo distinguir algumas vozes. Sim, essa mulher eu já conheço. Ela deve morar aqui do lado. Vive falando um monte de lorota. Bla bla bla bla.... Mulher fala demais. Onde já se viu. E tem outra coisa que eu ainda não tinha pensado: onde é que será que eu vou sair? Eu to pelado! E se for na Convenção Internacional das Senhoras Católicas? Eu vou sair assim batendo as seis horas no sino da igreja? Com tudo pra fora?
            Ai, tá pior. Tá pior! Aaaahh! Eu não consigo gritar, caramba. Não é possível. Isso não pode estar acontecendo. Calma, cara, calma... Pensa em outra coisa. Se imagina em outro lugar. Eu to na balada. Isso. Na balada. De boa. Com os amigos. A gente tá tomando uma breja bem gelada e tudo tá de boa... Isso.
            Ah, cara, não dá. Ai, tá doendo agora. Virge, mãe santíssima, o buraco tá crescendo! É, mestre, eu vou passar por lá. Aaaaahhhh! Óia que o meu cucuruto já tá sentindo o lado de lá. Nossa, tá muito frio. Sério. Eu juro. De verdade, gente, me põe de volta! Por favor. Já pensou se eu pego um resfriado? Cara, não quero nem imaginar. Essas gripes doidas que o povo tá pegando hoje em dia. E se eu pegar uma gripe Influenza e perder todo o meu feriado tomando remédio? Eu não, cê tá maluco. Não quero isso pra mim.
            Me põe de volta! Vai! Não, não, não. Cês tão me empurrando pra fora de novo. Ai, agora acho que não tem mais jeito. Vou ter que pular fora mesmo. Valeu, aê, seus bunda mole. É assim que cês se despedem de um velho amigo? Ficamo junto tantos meses e daí... Me chutam pra fora!
            Nossa, véi! Véi, na boa! To com a cabeça toda pra fora já. Mano, cê não vai acreditar! Tem um maluco aqui com luva branca. Mano! Luva branca, mano! Eu não to vendo direito, mas é sério. Ele deve tá doidão, não é possível. Jones, me deixa aê. Tá muito frio aí fora. Nossa, tem uma galera aqui. Opa, ai. Sim, agora já foram os braços. Falta pouco.
            Mano do céu! Eu saí! Olha o tamanho do buraco! E eu saí... Cara... Na boa, cês pegaram pesado comigo. Tá frio... Tá muito claro. E eu não consigo respirar direito. Tudo tava indo tão bem até que cês apareceram na minha vida. Quanto egoísmo, viu? Pera... Que isso? Eu to cheio de sangue! Nossa... Não posso ver sangue. Não posso, não posso, não posso. Tira isso de mim! Eu vou chorar, eu juro. Não aguento. Vocês venceram, tá? To chorando. Felizes?

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Minha senhora, parabéns! É um menino!

Caio Bio Mello
01/06/2013

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Metáforas sobre a Influenza - Quarto dia



Sinto, no fundo de meu coração,
que as coisas fazem sentido.
Se me perguntassem,
não conseguiria explicar a razão.

É que agora, nesse exato instante,
o mundo parece girar para o lado certo.
As pequenas fibras da existência
parecem unidas por uma mágica indizível.

Esse sentimento passa além de mim mesmo.
Vai além de meu corpo cansado e doído,
além da correnteza de sentimentos que
quase me afogam.

Para fora de meus olhos lunáticos
e de minhas lentes de vidro,
tudo parece numa irremediável harmonia
que não poderia ser contestada nem pelo meu sofrer.

E isso me alegra de um modo singular.
É como uma alegria fora da casca,
ouvida pela parede do ovo.
Uma alegria de existir.

Sinto como se eu tivesse perfurado
algum tipo de membrana
que separa o mundo comum
de um outro mundo, paralelo e poderoso.

Nele, as coisas andam às mil maravilhas.
Fogos de artifício explodem pelo céu,
crianças dançam alegres em praças,
idosos jogam dominó à beira da praia.

E não é só um ver e sonho.
Essa sensação vem da minha carne.
Vem de dentro.
Ironicamente, sinto dor e alegria.

Dor da minha carne doente.
Mas, nesse mesmo corpo ainda enfermo,
uma linha possante desregula minhas sensações.
Essa estabilidade em abstrato.

Sinto que meu sangue carrega algo
que pode mudar o planeta inteiro.
Sinto milhões de pássaros alçando voo
em meus braços e pernas.

Estou maravilhado.
E não sei dizer por que.

Caio Bio Mello
31/05/2013