sábado, 11 de dezembro de 2010

Uníssono

Mantinha seus pés fixos com medo de separá-los. Mantê-los descoesos era segregar mais um detalhe desconexo de sua vida. O topo do prédio era fosco e vazio. E ele, ali, numa vontade de continuar vazando pelos cantos. Ele, pouca vida, pouco homem, pouco Rafael. O cimento imperava-se como uma batalha sem fim que lhe cobria os escrúpulos. Pensar era um necessidade e, ao mesmo tempo, pensar era um mero fim em si mesmo, como se a vida fosse um reflexo do que ele era agora.

Eu quero te crer
a volta-morrer
num perdido canto
do homem de descanto.

E Rafael. Sim, Rafael. Parara refletindo-se sobre isso. Meramente isso. Seu nome. Como uma dominação. Como sendo ele, sendo sobre ele, sendo ele mesmo em um mero papel. Uma cascata de experiências que poderiam ser exprimidas num simples juntar de letras. E ele era. Talvez nada mais do que isso. O cimento, não. O cimento era mais. O cimento era tudo. Este cimento estava coeso, duro, presente no mundo todo sempre como cimento. Havia vários Rafaéis no mundo, mas somente um cimento.

Para botar casa de pé, cimento
Para por fogo no chão, sentimento.
Para por chasa de fé, centimento.
Para botar chogo no fão, simento.

Era tudo duro. Tudo havia sempre assim? Ele não sabia. Não vivera tanto tempo para poder sentir o mundo em sua plenitude, como se fosse um cálculo gigantesco, hipérbole metafórica do homem. Ele fora pouco. Sim, pouco. Talvez até mais para parco do que para pouco. Ser parco era o ser para poucos. Ser... Para quê?

Ali de cima,
azulava o horizonte com seu sorriso.
Rafael não sorria.
Podiam outros detalhes sorrir.

E só.

Mantinha-se ele naquel dúvida que só o silêncio podia sustentar. Subisse alguém ali e ele até desistia da ideia. Mas o não-dizer fomentava aquele entusiasmo. Não, talvez não era um entusiasmo. Era um cálculo errôneo de alguém que queria simplesmente verter na Terra um detalhe a mais de tinta. Uma linha a mais na fala de alguém. Quebra de monotonia necessária num mundo desnecessário. Mas, talvez, ele estivesse se dando importância demais. Era uma vontade inerente ao seu ser, um querer desejoso de ser concretizado. Mas, de novo, isso o deixava mais tranquilo. O querer querido por tanto tempo só podia fazê-lo menos desejado. Ele, ali. O asfalto, ali. Os dois. Dois. Um. Undoissó. E daí?

O medo de um homem dali refém.
Não coubera ali um mais além.
Começo de fim, o fim de mais cem.
A vida com tudo, com tudo sem.

Sem os cem. Por mais além das cem páginas de mais um livro de vida disposto a ser mais. Era agora um riso júbilo escárnio vontade de, no canto de uma nota, continuar. O asfalto era só mais um. Solitário, unido, uníssono, já complexo demais em seu próprio desespero.

Ele
sereno
desceu
de seu feito.

Caio Mello
10/12/2010

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