A
humanidade já existia dentro de Deus antes da criação do universo. Não foi um
simples momento de inspiração que levou o Criador a bolar tudo o que nos cerca.
O que há de busca, o que há de metafísico no homem é parte de Deus na Terra.
Tudo o que Ele fez foi juntar as várias peças que viviam dentro dele, unir com
o barro e soprar.
Há
uma parte de Deus que também é falha, uma parte imperfeita, uma parte que foi
feita para ser incompleta. Há outras partes Nele que o fazem perfeito, mas
aquela região foi de fato desenhada para ser incompleta. É essa carne de Deus
que deu origem à humanidade. E nós viemos de dentro do Criador.
Deus
nos deu o sorriso, o abraço, as primeiras palavras de nossos filhos, a primeira
grande queda da bicicleta, o chocolate, as saudades, os avós, o nascer do sol,
o por do sol, a efemeridade dos momentos (leves como uma folha ao sabor do
vento), o amor, o riso de pequenos, a alegria de viver.
E, acima de
tudo, Ele nos deu a perseverança. Aquele desejo que nos acorda no meio da
noite, que nos arremessa para frente, que une nossos nervos, que nos faz de
aço, que nos revigora a cada dia que nasce, que enche o nosso peito, que engole
nossas lágrimas. A vida é falha, não há como negar. Ela também é feita de tristezas.
A perseverança é que nos faz passar dos limites, melhorar quem nós somos, lutar
contra nossas incertezas.
Todos
morreremos um dia. A terra nos é breve, muito breve. Então, o que desejamos
deixar para trás? Um saco de lágrimas? Um amor descuidado? A saudade que devora
nosso peito? Temos apenas uma chance para acertar, temos apenas um dia na
história de nós mesmos para provarmos nosso valor. E esse valor é simples. Esse
valor é feito de vários pequenos gestos que nos fazem maiores e melhores através
do tempo.
Deixaremos as
cores mais bonitas nos quadros mais belos que encontrarmos pelo nosso caminho.
Deixaremos os cantos mais sonoros nas músicas mais harmoniosas que ouvirmos.
Deixaremos o brilho nas estrelas porque somos feitos de estrelas.
Deixaremos gosto de tudo que pode ser
palatável, sentiremos o sabor da terra bem cuidada, o sabor do sereno que molha
nossos olhos logo cedo, o sabor do suor que nos varre o rosto e acaba por
mergulhar em nossos lábios, o sabor da juventude que se perde a cada beijo, o
sabor da experiência que se recebe a cada morte.
Somos e
seremos. A centelha máxima de nossas almas, a fugacidade de um lampejo, o raiar
de nossa vida. Buscaremos a virtude, o saber, o equilíbrio. Saberemos os nossos
limites, conheceremos nossas falhas, admitiremos os nossos erros. Amaremos.
Teremos no
amor uma certeza maior do que a própria carne. A metafísica negada pelo
calculismo. Cairemos dentro de nós mesmos, sentiremos o frescor das lágrimas
correndo por nossos rostos depois de nos abrirmos, não para o mundo, mas para
nós mesmos. Vamos nos encontrar nus, caídos de joelhos frente àquilo que
chamamos exatamente de “ser”. Ser nunca foi tão difícil.
Buscar em nós
aquilo que se perde, aquilo que não mais se vê é complicado. Fácil é medir,
calcular, balancear, comparar. Impossível é contemplar. Dissecar nossa própria
existência. Sim, estamos vivos e respiramos.
E o surgir de
cada nova manhã será uma explosão de novas cores ainda por serem descobertas
pela pintura, será uma sinfonia perfeita de mil acordes concatenados, será o
renascer de nós mesmos. E, enquanto morremos lentamente, estaremos cientes de
nossa eternidade. Saberemos que nossos olhos não captam tudo aquilo que nosso
coração sente. Entenderemos que nossa mente é limitada, sentiremos no fundo de
nossas entranhas que isso não é o fim. De fato, nada tem fim. Os limites não
são barreiras, são entendimentos obtusos.
A carne será
mera carne. O corpo será mero corpo, a terra pode comê-lo, a terra pode
devorá-lo, pode fazer de nós cada vez menos humanos. Mas não deixaremos de ser
amor. Seremos o amor e o amor sereno, transcendental, ilimitado, brilhante,
alegre, infinito e inquestionável. Não poderemos negar em nós mesmos a nossa
imperfeição, o nosso incalculismo e estaremos em paz.
E, depois de
brotar de dentro de Deus o homem, encontraremos dentro de nós o que nos é
eterno. Atingiremos o entendimentos máximo de nós mesmos. A união, o suspiro, a
loucura revisitada, a verdade a olho nu. Seremos os sentimentos cobrindo o
corpo. Cresceremos de dentro para fora. E o fora será dentro e o dentro será
fora. Brotará, de dentro do homem, o Deus.
Ele é só um
menino.
Caio Mello
25/12/2011