O que havia
sobrado era uma rouquidão. Uma dor forte no fundo da garganta avermelhada.
Depois de tantas canções, de tantos gritos, de tantas declamações... Aquilo
tudo perdera-se num canto malfadado da história da humanidade. Agora, ficava
apenas o bagaço. O resto indesejado de uma narrativa ainda incompleta. Nem
todas as etapas na vida possuem um fechamento.
Algumas apenas
dissolvem-se
em versos que um dia
hão de dissolver-se
também e nada mais
fará o menor sentido.
Mas a falta de sentido
talvez seja
o desejo único e
primordial
de um dado feito como
esse.
Afinal,
o que é o fim? O limite dos fatos? A inexistência? A desilusão? Talvez um
funeral enterre mais que um corpo. Enterre um nome, um rosto, uma vida. E lá se
vão recordações por completo, num triste cavar em jorros de matéria orgânica
semi-decomposta.
De
um jeito ou de outro, ele sentia que algo esvaía-se por entre seus dedos. Era
como se... Suas pernas já não fossem mais as mesmas. Mas não era só isso. O
mero cansaço físico conseguia ainda ser limitado pelo sono e pelo bom descanso.
Mas inclusive a mente falhava. Esquecia-se. Incompletude, talvez.
Mas a este fato nos cabe também a análise
de ainda outra constatação: fora ele nunca dito completo. A incompletude era
sua de berço. Uns nascem bonitos dos cabelos, outros com porte de atleta,
outros nascem... Ou deixam de nascer completos. Nascem com aquele buraco no
lugar que ninguém conhece, mas todos possuem. E essa falta o que gerava nele?
Era
com certeza um sentimento de mundo. Uma certeza perene em sua vida. Sentia-se
manco de uma perna. Pobres mancos.
Porém, era ele manco
da mente.
Ou mentor do manco.
Ou maluco de pedra.
Um jeito ou outro,
as cores que uma vez
brilharam em uma
madrugada
já não raiavam no
fundo
dos seus olhos.
O ser.
Talvez nunca.
Ou ser.
Malvez junta.
No ser.
Novezta nuca.
Não ser.
Sem
questões, mero pragmatismo. Ia ser aquilo mesmo e pronto. Que raios ou cargas
d`água ou bem-te-vi que voou respondam. Cada qual em seu canto, cada qual em
seu dia.
Se
era rouquidão, ser falta de voz, se era falta de espírito, que fosse. Uma
resposta taxativa nunca iria trazer uma solução para o problema. Os nomes são
nomes, mas não o fazem.
O melhor mesmo
era largar tudo de fato como estava
sentar na sarjeta
olhar a água passar mansa pela calçada
e não dar fim nenhum para coisas que não deveriam ter
começo.
Caio Mello
05/05/12
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