sábado, 5 de maio de 2012

O monologista


O que havia sobrado era uma rouquidão. Uma dor forte no fundo da garganta avermelhada. Depois de tantas canções, de tantos gritos, de tantas declamações... Aquilo tudo perdera-se num canto malfadado da história da humanidade. Agora, ficava apenas o bagaço. O resto indesejado de uma narrativa ainda incompleta. Nem todas as etapas na vida possuem um fechamento.
Algumas apenas dissolvem-se
em versos que um dia hão de dissolver-se
também e nada mais fará o menor sentido.
Mas a falta de sentido talvez seja
o desejo único e primordial
de um dado feito como esse.
            Afinal, o que é o fim? O limite dos fatos? A inexistência? A desilusão? Talvez um funeral enterre mais que um corpo. Enterre um nome, um rosto, uma vida. E lá se vão recordações por completo, num triste cavar em jorros de matéria orgânica semi-decomposta.
            De um jeito ou de outro, ele sentia que algo esvaía-se por entre seus dedos. Era como se... Suas pernas já não fossem mais as mesmas. Mas não era só isso. O mero cansaço físico conseguia ainda ser limitado pelo sono e pelo bom descanso. Mas inclusive a mente falhava. Esquecia-se. Incompletude, talvez.
                                                                                                  Mas a este fato nos cabe também a análise de ainda outra constatação: fora ele nunca dito completo. A incompletude era sua de berço. Uns nascem bonitos dos cabelos, outros com porte de atleta, outros nascem... Ou deixam de nascer completos. Nascem com aquele buraco no lugar que ninguém conhece, mas todos possuem. E essa falta o que gerava nele?
                                                                                                                                 Era com certeza um sentimento de mundo. Uma certeza perene em sua vida. Sentia-se manco de uma perna. Pobres mancos.
Porém, era ele manco da mente.
Ou mentor do manco.
Ou maluco de pedra.
Um jeito ou outro,
as cores que uma vez
brilharam em uma madrugada
já não raiavam no fundo
dos seus olhos.
O ser.
Talvez nunca.
Ou ser.
Malvez junta.
No ser.
Novezta nuca.
Não ser.
            Sem questões, mero pragmatismo. Ia ser aquilo mesmo e pronto. Que raios ou cargas d`água ou bem-te-vi que voou respondam. Cada qual em seu canto, cada qual em seu dia.
            Se era rouquidão, ser falta de voz, se era falta de espírito, que fosse. Uma resposta taxativa nunca iria trazer uma solução para o problema. Os nomes são nomes, mas não o fazem.

O melhor mesmo
era largar tudo de fato como estava
sentar na sarjeta
olhar a água passar mansa pela calçada
e não dar fim nenhum para coisas que não deveriam ter começo.

Caio Mello
05/05/12

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