sábado, 16 de junho de 2012

Elogio à tarde ensolarada


E, como se o sol não nascesse,
ele regurgitava dentro de si
mais um vontade
que não lhe deixava o peito.

Ele ria, de fato.
Mas ria de um sem-número de vergonhas
que o afogavam
e o faziam voltar ao princípio.

A vontade, ou ainda, o desdesejo
não lhe trazia mais certeza alguma.
Tudo o que via era seu reflexo moribundo
numa tela qualquer que refletia a tarde.

Precisava de algo, não de alguém.
Sua vida já era repleta de alguéns.
Mas precisava de cores.
Um rebote de vida.

Porque as paredes andavam cinzas demais
e as palavras andavam objetivas demais
e os demais andavam escuros demais
e o homem por detrás daquilo tudo era sério.

Homem? Talvez não-homem.
Amorfo, quem sabe?
Um sem-número de
verbos erráticos retumbando no peito.

Era. E talvez fosse.
Mas as palavras eram poucas.
No cansaço, na falta de ânimo,
na falta de fé. Eram poucas as palavras.

Quando os olhos presto se fechavam,
fechava rápido também o baú das letras.
Morriam as palavras, morria o sonho,
morria em si o que tinha nacido para o mundo.

Então, o mundo não queria mais ser.
O mundo, com suas terras e rios e lagos e mares,
não era mais. Uma cor só. Cinza.
E os tecidos se rasgavam.

Rasgavam-se os tecidos, os olhos e os homens.
De fato, os homens andavam rasgados e nem mesmo o sabiam.
Andavam entrapeados pela rua,
num querer ser de vontade alheia.

Viver a vida alheia. O momento alheio.
Um mundo paralelo dentro de si,
como se o próximo fosse o eu
que nunca conseguimos ser.

Ele abria os olhos, dobrava as pálpebras e suspirava.
Inspirava o suspiro com o pulmão direito,
jamais sabendo o que viria adianta.
Não havia mais uma certeza sequer que parasse de pé.

Os votos, as estimas, os benditos.
Que são? Que seriam? Quem foram?
Nada passava do reflexo de um ignoto
errante buscando nos cacos de si alguma resposta.

Mas respostas não havia.
Havia, sim, um berro.
Mas era um grito rouco de garganta seca
jamais ouvido por ninguém.

O berro que se grita para dentro não se ouve,
nem se escuta.
Se ausculta num momento médico,
quem sabe na autópsia?

O doce roncar das palavras serenas
perdidas nos meandros da mente.
Uma mente, um castelo, um momento,
propensão à loucura diagnosticada psiquiatricamente.

Um homem numa caixa. Era uma caixa vazia.
Contorcionista, surrealista.
O surrealismo realista.
A realidade do cão, limiar da justiça.

Um homem num pote, num frasco, num instante.
O frasco, a redoma, ampola.
A loucura, insanidade, perturbação
recôndita.

Caio Mello
16/06/2012

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