E ele escancarou os próprios olhos.
Quis verter o mundo todo
numa só vista.
Abriu-os tanto que ambos caíram ao chão.
O corpo, desnorteado, tateou o piso gelado da cozinha.
Ele via! Ele via!
Só não podia compreender...
Via borboletas, asfalto, uma baleia, paquidermes.
O diafragma começou a se contrair
no que inicialmente parecia um soluço,
mas acabou por se tornar uma risada.
Então os olhos ganharam braços, perna e cartola.
Ambos sentaram-se em uma mesa de um bistrô
numa noite de garoa fria na cidade de São Paulo.
Um deles puxou assunto
E a bolsa, o que você
acha?
Vai mais ou menos...
Essa oscilação está de matar!
Acendem um cigarro amigável.
E o corpo continuou tateando o chão da cozinha.
Eu só te digo uma
coisa: essa história toda do euro... Deus que nos acuda!
De fato, meu caro! Espero que a crise não atinja o Brasil. Poderíamos
inclusive chegar ao ponto de dois olhos sentarem-se num bistrô para falar sobre
a bolsa.
O corpo parou de procurar os
olhos por um instante e espirrou.
Continuou a busca.
Finalmente, a mão esquerda
esbarrou na janela do bistrô.
O polegar encarregou-se de
quebrar o vidro.
Em pouco segundos o corpo já
tinha o olho esquerdo em mãos.
Mas, ao invés de devolvê-lo a sua
cavidade normal,
o corpo, por engano, engoliu o
olho.
Impressionante! Agora ele podia
se ver por dentro!
Seus medos, seus sonhos, sua
ambições...
Tudo ali exposto como numa loja
de roupas caras.
A luz foi apagando-se conforme o
olho caía mais no estômago.
Então, tudo fez-se escuro.
Um único facho de luz foi aceso.
Era uma lanterna e ela apontava
para ele.
Agora tinha olhos de volta.
Vestia camisa, calça jeans e
botas.
Entrou na sala um homem muito
grande, muito sério.
Oi, homem.
Oi, quem é você?
Eu sou a tristeza que você sente. Você me tem todos os dias da sua
vida, me carrega nas suas costas quando vai para o trabalho, me leva no parque
aos domingos.
Mentira! Você sabe que minha vida é mais do que isso.
Se é mais do que isso, por que você não me mostra? Assim eu vou ter
inclusive menos trabalho para fazer.
As minhas alegrias são.. São...
A falta de tempo? O apetite voraz? A arrogânica?
Me deixa!
Assim que foi proferida a última
frase,
os olhos da tristeza caíram no
chão.
Eles começaram a chorar,
pedindo a morte.
A tristeza decompôs-se
rapidamente diante do homem.
Um esqueleto sentava-se em sua
frente.
Ele continuava a fumar seu
cigarro e a arrumar seu topete.
Sabe, homem, as pessoas têm uma ideia muito errada sobre a morte.
E qual é essa ideia?
As pessoas acham que a morte é um dia, um momento, uma fase. Mas não é.
A morte nos devora de mahã, de tarde e de noite. A morte se agarra a nós
mesmos. Morremos todo dia um pouco, ração próvio-fixa da carne, desilusão em
demasia.
Nenhum olho estava ali.
Nem mesmo um olho conseguiria
inundar aquela sala.
Inundando-se, o homem
pseudo-cego, quase se afogou.
E encontrou-se em meio a seus
pedaços,
o imediatismo da comida roncava
no estômago.
Caio Mello
23/06/2012
Caio Mello
23/06/2012
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