quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O rapaz


Ele mirava o céu dentro de si
Mirabolantes borboletas
Passavam-lhe pela vista
Podia ver o sol por dentro
As entranhas expostas de um astro
Podia sentir o poder em suas mãos
Era aquilo que gostaria de ter sido

Eis que cada força
Migrava do pó
Seus dentes rangiam
Seus olhos cegavam
Sua mente vazia
                                   Seus pés doloridos
                                                                       Os frascos vazios
                                   A noite tão fria
Grande liberdade
                                   Pão de cada dia
                                                                       Estética morta
Seus dedos partidos
                                   Seus lábios rachados

Amar era pouco na longa vida
Ainda mais homem desconhecido
Nunca tomou coragem nem partido
Conviveu só com caminhos de ida

Um homem quase forte: parecido
Viveu desde o Cravo até Margarida
Era uma vida esmagada, sofrida
Que jamais apresentou qualquer ciso

Mas isso pouco importava
Certos desmembramentos eram necessários
Ele queria chegar ao fim, ao começo, ao princípio
Avançar para o princípio
Devolver-se ao rebuliço do mundo torpe
Exposto, quem sabe, na torpe urbe
Um hiato de si mesmo.

Aquele traço de solidão que buscamos em nós mesmos. Uma vontade, quem sabe... Um desdesejo. O desdesejo dos homens são. As loucuras do palhaço, as verdades do conselheiro, a certeza do homem de terno com pasta na mão. Nós somos, queremos ser. Um pouco de nós no molde da pasta de dente, no corte de cabelo, na sola gasta do sapato, no pedaço de bolo cortado, na catraca mal girada do metrô.


Se conseguiria
                                   Jamais responder
                                                                       Jamais perguntar
Jamais questionar
Tudo o que precisava
Tudo o que pedia seu corpo e deleitava sua alma
Era o estado insólito de seu grunhido
O fim das pessoas
O fim do mundo
O fim de tudo

O fim de todo e qualquer pensamento
Começo da era do seu expurgo
Homem perdido se sentindo vulgo
As mãos tão férreas de outro sargento

A criança frasco de vidro bulbo
As vistas marejadas pelo unguento
Como regressasse num só momento
Estourando filhos tal qual sabugo

Podia dizer
                                   No palco da vida
                                                                       Decorara o texto
Vivera concreto
Abstrato asfalto
Regredira à posição
Fetal
Como se o crime que uma vez cometera
Fora
Colocar olhos ao mundo
Bem
Quando ninguém desejava
Ver.
Seus pés, trôpegos, olhavam a escuridão. Uma luz. E o peito arfava. Aquele sentimento... Era o fim do verão, quando retornávamos da praia e nos sentávamos dentro do carro abafado. Lá fora, o sol forte brincava com nosso rosto. O mar continuava com suas vagas eternas. O céu maravilhava azul. Porém, nós, tão propensos à simples condição humana, permanecíamos enclausurados na máquina de rodas. E partíamos... Seguíamos sabendo que aquele momento jamais teria retorno. E o todo voltava, esmorecendo com a certeza do fim. Era exatamente assim que ele se sentia quando fechou os olhos.

Caio Mello
05/09/2012

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