Um
campo de batalha. O chão de terra.
Ruínas
de edifícios por todos os lados.
O
Ateu corre. Em suas mãos, uma espingarda.
O
som mais alto que chega aos seus ouvidos
é
de sua própria respiração ofegante.
O
rosto está coberto de suor.
O
som intermitente de balas zunindo
faz
com que seus olhos, ilhados no rosto sujo,
estejam
sempre alertas.
O
Ateu corre, desfolhando o ambiente
com
seu breve olhar de rapina.
Uma
bala range perto de seu rosto.
Ele
mira, puxa veloz o gatilho. Mais um cadáver.
Uma
explosão ao seu lado. Seus olhos piscam.
Em
meio à névoa dos resquícios da explosão,
o
Ateu delineia uma arma. Precisa reagir!
Mas
não há tempo.
Primeiro,
um estampido rouco.
Segundo,
uma flor de lótus.
E,
finalmente, a dor.
Ele
cambaleia, trôpego,
até
uma parede desnuda.
Ao
chegar próximo,
cai
de joelhos no chão, agarrando-se à espingarda.
Com
o queixo no peito oscilante,
o
Ateu olha, através de sua roupa rasgada,
seu
ventre. Inundado de sangue.
Parte
de suas tripas fogem da cavidade abdominal.
Os
órgãos que, agora pulam para fora,
haviam
lhe servido tão bem ao longo dos anos...
Estão
amorfos e ele não saberia dizer quais são.
Também
não faz ideia da extensão do dano.
Seu
sangue quente começa a escorrer por suas pernas.
Ele
sente que perde o líquido numa velocidade assustadora.
Sentindo-se
irremediável, o Ateu finalmente larga sua arma,
talvez
já inócua para a ocasião.
Ele
coloca ambas as mãos trêmulas em sua barriga,
tentando
estancar de alguma forma o sangramento.
Seus
olhos piscam vorazmente.
Em
menos de um minuto, o Ateu percebe que é inútil
tentar
fechar o ferimento.
Então,
ele se desespera.
Não
sabe no que pensar, nem por onde começar.
Tenta
gritar por ajuda, porém seu corpo arde.
Ele
sente que o ferimento inteiro queima.
Ele
começa a sentir frio. Suas mãos e pés estão gelados.
O
Ateu controla-se para que não comece a chorar.
Seus
lábios tremem.
Ele
olha em volta, como um cão sem dono,
em
busca de algum alento. Mas não há.
Seus
joelhos não aguentam o fardo do corpo
e
ele desaba ao chão, olhando para o céu.
Dia
nublado, gris.
O
Ateu passa a respirar muito rápido,
limitando
os movimentos de seus pulmões.
Ele
se agarra desesperadamente ao seu passado,
tentando
fazer com que seus sentimentos
o
impeçam de desistir. Pensa em seus pais, também mortos.
Mas
não consegue sustentar a imagem.
A
dor sobrepuja qualquer pensamento.
Seus
membros se desmancham junto ao chão,
já
desprovidos da habilidade de se sustentarem.
Ele
chora descontroladamente. Não consegue impedir.
Sente
a imensidão do mundo em suas costas.
Percebe
(como sempre percebeu)
que
a sua ínfima presença não representa
merda
nenhuma para toda a existência.
Ele
vai se tornar banquete de larvas,
vai
se juntar ao esterco
para
ser adubo de plantas.
Sua
audição começa a ficar abafada.
Ele
pode sentir ainda seu rosto, seu ferimento
e
seu peito. Mas perdeu a sensibilidade
dos
braços e das pernas.
Já
não pode mais ouvir. Nem mesmo o silvo dos tiros rasantes.
Permanece
estatelado em sua mórbida posição.
Absorve
a infeliz constatação de que esta
será
a última posição que assumirá em vida.
O
sangue agora desliza vagarosamente em cima do seu peito.
Ele
parece estar menos líquido, mais viscoso.
Talvez
porque esteja se misturando à terra e à sujeira do chão.
O
Ateu permanece de olhos bem abertos,
mas
agora já não existe mais céu. Nada mais.
Ele
não pode ver, não pode ouvir, não pode falar,
não
há mais para onde correr.
Sua
carne está presa na ânsia de permanecer viva,
mesmo
sabendo que nunca terá sucesso.
Ele
sente frio. Muito frio.
Está
completamente sozinho.
O
Ateu regride à condição de espasmos,
sem
nem conseguir discernir qual foi seu último pensamento.
Está
morto. E a morte é horrível.
Caio
Bio Mello
18/06/2015