sábado, 11 de setembro de 2010

O monólogo do morto

Eu morri faz sete dias
numa dessas noites frias.
Posso dizer que deixei
a vida tal como rei:
numa louca apoteose
duma vida que se goze.
Hoje não conto mais dias
conto mesmo as alegrias.
Na minha morte eu lembrei:
a vida é a melhor lei.
Falam demais só da morte
como se ela fosse um norte
como se ela fosse tudo,
base do melhor estudo.
Mas a morte não é nada.
Ela é só o fim da estrada.
Nunca fez mover montanhas
só gera imagens estranhas.
Temos uma só certeza:
a cor da vida é beleza.
Estamos vivos no agora;
sabe-se lá noutra hora.
Dão uma errado visão
fazem tempo divisão
enchem a vida de medo
tornando a morte segredo.
Ela está escancarada!
Não é bonita, nem nada!
Aqui do meu lado morto
sinto-me na vida absorto.
E sinto-me vivo ainda
como algo que nunca se finda.
E o que muito me assusta
é ver o fim de uma busca
de homens ainda na Terra.
Eles largam cedo a guerra.
Não! Não pode ser verdade!
Lute! Contra a maré nade!
Oh, homens de carne e fé,
continuem fortes até
morrer vivendo lutando!
Façam na Terra seu mando!
Pior que viver na morte
é morrer na vida forte
simplesmente se esquecer
que olhos temos para ser
que estar vivo é o centro,
não se vive para dentro.

Vou lhes falar como encarar a morte:
soma de males de toda sorte
que buscam mostrar que são os mais fortes
que tentam arder como fundos cortes.

Mas são só partes de um quadro maior,
quadro que sabemos todos de cor.
Nós mesmos somos imagens no jogo,
somos nós que crepitamos o fogo.

Então, por favor, escutem o morto
que pode ter sido só homem torto,
mas da cripta esse corpo foi eleito.

O decrépito carrega no peito
morinbundo, mas deslumbrante feito:
morrer vida com profundo respeito.

Caio Mello
22/06/10

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