domingo, 12 de agosto de 2012

A história do Reino de Pedra


E aquela região era governada por um Rei
notório por sua rigidez.
Sabia as leis do reino de cabeça, dizia-as a quem quisesse ouvir
e fazia correr a todos a notícia de que a ordem seria mantida.

Boatos havia sobre a condição física do Rei.
Ele nunca adoecia, nunca sangrava,
nunca sentia frio, nem fome, nem sede.
Os olhos eram buracos fundos.

Era o melhor guerreiro.
Sabia manusear a espada, o escudo, o arco-e-flecha
e muitas outras armas de batalha.
Ele nunca sofrera sequer um arranhão na guerra.

Um líder paradoxal. O quotidiano era muito mais estável,
as pessoas podiam prever a paz e a economia;
mesmo assim, era o Rei notório pelo seu agir despótico,
irrefutável e imperioso.

Um dia, o Rei caiu de seu cavalo em uma batalha.
Um médico foi logo requisitado para ajudar o líder.
Qual a surpresa do doutor! O coração do Rei era de pedra.
E, em suas veias, corria cascalho.

Todo o povo teve medo.
Sem saber o que falar,
todos vivos se calaram.
Procuravam entender
onde foi que o rei trocara
coração por uma pedra!
Ninguém podia falar,
nem chegar perto do assunto.

Mesmo sendo duro e gelado como o inverno, o Rei de Pedra
conseguiu casar com uma mulher muito bonita.
Ela ela loira com os cabelos da cor do sol
e com olhos da cor da floresta.

O Rei deu à sua amada uma esmeralda.
Combina com seus olhos, dizia ele.
E o povo, assustado, ficou pensando no rebento
que sairia do ventre da mãe com o sangue de Pedra.

Mas o seu menino nasceu saudável,
da mãe ganhou os olhos de esmeralda
e do pai ganhou sangue pedra calda.
Ele tinha uma força admirável.

O jovem menino já lutava junto ao pai.
Corriam pelos campos de batalha lado a lado.
O Rei de Pedra não sei deixava abater,
o filho teria a educação pela Pedra.

Quando o menino ficava
bem sozinho no seu quarto
enfim podia chorar.
Molhava o chão de tristeza,
molhava os olhos de mar.
Por que ser da realeza
sem razão de apaixonar?
Mas seu pai nunca chorava,
muito menos dava abraço.
Lutava com o menino,
calejava todo o corpo.

Eis que um dia a guerra sem fim abateu o Reino de Pedra.

            Pai e filho embrenharam-se em lutas eternas. O sangue cobria os pastos da região. O Rei de Pedra não abria mão de seu povo. Era déspota, era forte, era impenetrável. Flechava corações desapercebidos, tinha-os em suas mãos. Seu exército era limitado, mas o Rei sabia muito de estratégia. Seus guardas trabalhavam por fé, devoção e voracidade. Queriam ser tão fortes quanto o rei.

Dizem que uma espada chegou a atravessar
o peito do Rei de Pedra.
Mas o corte ficou cego, o combatente perdido
e o Rei nem sequer grunhiu de dor.

A tal guerra não tinha mais fim.
A Morte dizia vai morrer sim.
E foram poucos que ficaram vivos,
mais outros permaneceram ativos.

O rei levava seus homens até o limite.
Treinava-os dando-lhes um medo tão enorme
que qualquer outro medo no mundo
seria apenas mais uma verdade.

Quebrava-lhes os dedos para que
tivessem firmeza no punho.
Impedia-os de dormir demais
porque o sonhar era perigoso.

E, assim, o Rei de Pedra
conseguiu manter seu Reino vivo.
Lutou com cada homem seu,
suou, cortou, suspirou... E venceu.

Mas não houve comemoração.

Na derradeira batalha,
travada numa grandiosa tarde de terça-feira
com nuvens prateadas no céu,
o Rei passou por dificuldades.

E, no exato momento de conhecer seu algoz,
o Rei foi auxiliado pelo filho.
O Jovem Esmeralda atirou-se no fio da espada
e o seu peito virou bainha.

O Rei, mesmo educando o menino pela dureza,
não conseguiu transformar o seu coração em pedra.
Um curioso peito de carne batia um sangue de cascalho.
E presto cessaram as esmeraldas de brilhar.

Rei segurou o menino.
O trouxe perto de si,
apertou-o junto ao peito.
Segurou-o por um dia
inteiro, sem se mexer.

Depois, fitou seu rosto gelado.
O Rei de Pedra
desolado
não sabia o que fazer.

Quem soube foi seu rosto.
Do canto de seu olho, na beirada da vista,
correu pela face, como que fugindo de soslaio,
uma lágrima de mercúrio.

Caio Mello
12/08/2012





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