Seus olhos já estão
cansados,
cegos de tanto ver,
ressecados pelo
tempo.
E suas vistas já não
veem mais o mundo.
O mundo que encara
suas carnes.
As suas pernas já não
andam,
movem-se fracamente
numa vã tentativa de
reproduzir um passo.
Depois do caminhar,
não há trilha que se
escolha só.
Os braços já não
sustentam mais
o peso das crianças.
Não aguentam mais o
produto, a fúria.
Os pulsos não têm
mais a mesma fibra.
Os dentes perderam o
prumo
e a alvura.
As mãos fraquejam,
os dedos dóem,
as unhas crescem,
as juntas ardem.
Os calos destacam-se.
A xícara de café
treme ao levantar-se da mesa.
A pele do corpo
despenca,
desprende-se da carcaça
e perde sua elasticidade.
As pálpebras teimam
em ficar semiabertas.
Nunca o mundo será
visto do mesmo jeito.
Não vê as mesmas
cores,
não sente como
sentia,
não vive como vivia.
As pessoas que amava
deixaram sua vida.
Algumas dessas
pessoas morreram.
Outras vivem na
carne, mas morrem na alma.
Uma ou duas decidiram
sair
deliberadamente da
sua vida
e contra isso nem o
vento nem o destino têm força.
Os ouvidos perderam
algumas notas.
Aquele agudo
magnífico na orquestra,
o grave do baixo...
Os ruídos permanecem
abafados no mundo interior.
Os pulmões já não
aguentam o mesmo ar,
ardem por dentro e
cospem por fora.
O tempo, implacável,
nem sequer respeita
o suspiro do casal
apaixonado.
Eis que seu corpo
morto decreta-se vivo.
E você está morto.
Afinal, a morte não
põe medo a quem está morto.
Enche de falta de
vontade quem está ainda no mundo.
Está falho, ruidoso.
Maculado.
Descrente de um dia
feliz.
Impaciente,
inconstante, inválido.
Um incapaz no auge de
sua capacidade.
Os verbos que você
construiu não foram ouvidos.
Os dias gastos foram
apagados pelo cotidiano.
O mundo faminto
busca, com suas garras de leão,
mais um ser que se
deixe fisgar na Terra.
Sem apocalipse, nem
apoteose, nem funeral,
enterra-se mais um
corpo num fim de tarde.
Este, foi. Um dia
era. Amanhã finalmente será.
E chão há de comer um
último prato.
O último almoço, a
hora do chá,
o brunch mal digerido de um dia de
negócios.
Os lábios foram
costurados.
Sim, amarrados por
dentro.
E o defunto sorri.
O corpo, decrépito,
sorri com os lábios,
mas não com os
dentes.
E os que ainda vivem
amarram bem a boca
para que o morto não
conte para os mortos
como os vivos morrem
e os mortos vivem.
Aproveitam anos e
anos e anos de puro tédio, ócio,
e refletem sobre a
vida.
Cometam sobre as
estrelas, sobre os dias, sobre as noites.
Comentam sobre a
falta de ar.
A pressão obrigatória.
O sentimento de perda
mal construído.
O bater do relógio ao
avesso,
afinal, na morte,
ficamos cada dia
ainda mais jovens.
Em vida, quiséramos
ser alguém.
Só esquecemos que,
primeiro, precisamos ser.
Caio Mello
08/08/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário