terça-feira, 16 de outubro de 2012

Membroplastopolímero



Sento-me no carro.
Sinto-me de plástico.
Os vidros são foscos,
não me deixam ver
o que o mundo esconde.

O ar é de plástico.
Pulmões de alumínio.
A música longe
entra-me na mente.
Não vai me afetar.

Sinto-me plano. Uma mensagem de texto esquecida na tela do celular. As linhas do mundo convergem para a dobra da esquina. Nada mais me passa pela cabeça, nada mais me entra na alma. Nada. Penso no quotidiano do dia. A enfadonha labuta. Os pinos do carro cantam por trás da melodia. Eu queria conseguir explicar para mim mesmo o significado do plástico. O polímero. Mas ele não me responde. Eu estou ali, ele está em algum outro lado. Por detrás da membrana invisível que me separa do mundo. Um mundo por dentro de um mundo. O caroço de um homem partenocárpico. Os polímeros são muito coesos, são unidos. A garrafa de plástico pode ser torcida por diversas vezes antes que seja partida ao meio. Ela é contorcida, ela estica.

E nós esticamos
mas só que por dentro.
O momento estica.
Alonga-se o carro.
Somos os polímeros
os burros que andam
mamutes de plástico
os dentes de vidro.

Não me lembro da última vez que encarei a vida a fundo. Profundamente raso, permaneço contido. Os relatórios são de plástico. O computador é de plástico. Meus olhos são de plástico. Eu não rio. Não choro. Não como. Não cheiro. Não morro. Eu sou. O ser incompleto de toda uma vida que deveria ter sido, mas não foi. Eu sou o que me pedem para ser.

O molde na mesa
vai-me definir
quantos são os dedos
quantos são os olhos
quantas são as bocas.
Eu já não me meço.
Não há medição.
Nem meditação.

O plástico. Estático. Catastrófico. Ártico. Insensato. Insensível ao toque. Diferente do metal, mal condutor. Nem para isso serve. Não esquenta nem esfria tão facilmente. Ele pode conter as coisas. Dividi-las. Minha pele é de plástico. Divide-me de quem sou. Minha existência já não entra mais em mim. Ela desliza pela minha superfície. Morro por fora porque me consumo por dentro. O oco de meu polímero. Sou uma garrafa. Uma garrafa vazia de água. Molhada por dentro, rotulada por fora.

Esse bom polímero
me deu um sorriso
me deu alguns versos
ele concedeu
a mim o vazio
e lá eu existo.

Quem sabe um dia derreto-me no sol. Deixo-me morrer aos poucos, perdendo a cor o rótulo paulatinamente. Por dentro, o polímero. Por fora, o polímero. Pelos lados, o polímero. Nos olhos, o polímero. O lirismo dos plásticos na pauliceia. A reprodução contínua de padrões sem sentido. Os papéis sem sentido. Os dias sem sentido. Os movimentos sem sentido. O desperdício constante de água nas pias e de vida nas baias.

Eu sou o polímero.

Caio Mello
16/10/2012

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