quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pelos sete mares

E o capitão segurava-se furiosamente ao manche.
O céu era de um pretume infindável.
Nuvens cinzas ricocheteavam ao sabor do vento.

Desciam clarões pálidos que cortavam o céu e atingiam a Terra
parecendo veias gigantes que alimentavam a redoma de vidro.

O mar já não era mar.
Era um cimento líquido da cor do piche,
criando topos de morro em questão de instantes.

O Oceano rugia seus trovões
com a fúria de um leão
e em descompasso com o quedar dos raios.

Não sobrara muito
do que fora o barco.
Madeiras na água,
mais homens ao mar.

O grito dos desesperados
mesclava-se
com o som gutural
de pessoas se afogando.

O único que permanecia do lado de fora do barco
na escuridão infinita da noite sedenta
era o capitão.

Os marinheiros sobreviventes
haviam se enfiado nos intestinos
da embarcação e sentiam-se como fezes.

Mas não o capitão. Ele era viril varão,
de calos na mão e ferro no coração.
Homem sem comparação, hercúleo, homenzarrão.

Lutava aos urros e aos murros contra o Mar.
As gotas caíam do céu escuro
numa cadência tão forte

que o barulho da chuva
deixara de parecer um simples gotejar
para ser um som perene, penetrante, psicótico.

Então, o capitão entoou uma canção:

"Velejando o mar
minha vida inteira
vivi a lutar
vida marinheira.
Chuva, sempre caia!
Caia sempre forte!
Dou-te essa vaia,
pois não temo a morte!"

Depois, urrava seu grito insandecido.

O Oceano inteiro, do seu recôndito leito
até seu topo navegante,
fazia o possível e o improvável para deter o capitão.

Outro relâmpago rugiu, insanamente sedento.

Uma onda se armou,
forçou e subiu.
Era o Mar lutando
para o capitão
nunca ver sua filha
que nascera há pouco.

O navio começou a emborcar.
Os marinheiros choravam desesperados pela vida perdida.
Mas não o capitão.

Ele atirou-se ao mar
com as veias saltadas e os olhos injetados.
E, finalmente, morreu de raiva.

No raiar do dia seguinte,
quando o sol rompeu o céu e calou a chuva,
ouviu-se nas águas a seguinte canção:

"Marinheiros de ilustre embarcação,
ouvi bem o que diz o capitão:
o mar é meu e eu não divido, não!
Pois passei por nefasta aprovação.

Se buscais conhecer esta lição,
Olhai o que diz vosso coração.
Estais dispostos a tudo abrir mão?
Se sim, vinde cantar essa canção.

Vinde lutar pela vossa razão.
Vinde esquecer que tivestes nação.
Vinde vencer segurando o timão.

Melhor que viver uma vida em vão
é nadar no infinito do Mar são.
Vossos sonhos na água salgada estão."

21/01/10

Esse poema também não ficou com a distribuição espacial com a qual ele fora feito. De novo, é só me pedir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário